O Ministério Público alemão investiga um colaborador do BND que teria espionado para os EUA. Pesquisador da paz e de serviços secretos explica por que o caso do agente duplo desmascarado é tão significativo.

Erich Schmidt-Eenboom é jornalista e presidente do Instituto de Pesquisa de Política para a Paz (FF), na cidade bávara de Weilheim. Há anos, ele se ocupa intensivamente com o trabalho das agências de inteligência, já tendo escrito numerosos livros e artigos sobre o tema.

A DW o entrevistou a respeito das recentes revelações da mídia de que, durante pelo menos um ano e meio, um funcionário do serviço secreto alemão teria fornecido a um órgão do serviço secreto dos Estados Unidosinformações confidenciais sobre a CPI que trata das atividades daAgência de Segurança Nacional (NSA) na Alemanha.

DW: Um funcionário de 31 anos do Departamento Federal de Informações (BND) é acusado de ter espionado para os Estados Unidos. Isso faz parte do dia a dia no mundo do serviço secreto, ou trata-se de um escândalo sério?

Erich Schmidt-Eenboom: É um escândalo sério. Na situação atual, os agentes americanos na Alemanha não são vistos como inimigos no BND, tanto que possuem uma relativa liberdade para atividades de espionagem no país. Mas um funcionário do serviço secreto alemão espionar um órgão constitucional é uma ultrajante violação da cooperação de inteligência e das fronteiras.

Se a suspeita for confirmada, que impacto terá sobre as relações teuto-americanas, em sua opinião?

O nível político ficaria extremamente sobrecarregado, sem dúvida. Mas entre os serviços secretos, conto com o raciocínio profissional, que diz: serviços secretos agem assim, e depois de um tempo considerável de mal-estar, volta-se ao funcionamento normal.

O agente duplo teria sido especialmente comissionado para se ocupar da comissão parlamentar que conduz o atual inquérito sobre as atividades da NSA na Alemanha. Em que tipo de informação os Estados Unidos poderiam estar interessados, nesse contexto?

Há uma vasta gama de informações: por um lado, eles querem garantir que vão tomar conhecimento de tudo que Edward Snowden disser ao comitê – também em sessões secretas. E obviamente também querem saber em que medida o BND informa os parlamentares sobre a sua cooperação com a NSA, que é classificada como secreta. No geral, trata-se de investigar o nível de informação da comissão, a fim de estar preparado em tempo para reagir, na mídia, a um relatório final [da CPI].

Esse caso vai influenciar o trabalho da comissão parlamentar?

A comissão certamente não foi pega de surpresa. Ela sempre teve que partir do pressuposto que há um grande interesse de muitas agências de inteligência estrangeiras em seu trabalho – não só dos Estados Unidos. No futuro, seria sensato excluir, ao menos nas sessões fechadas, todos os representantes dos órgãos públicos – os quais já exercem influência demais sobre essas comissões.

De início, supôs-se que o funcionário do BND espionava para os russos. Isso ainda não parece estar totalmente esclarecido. O senhor acha possível que, durante o interrogatório, o acusado tenha simplesmente dado uma pista falsa, na direção da NSA?

Eu acho que não, pois se trata de algo perfeitamente verificável. É claro que, na atividade de inteligência, existe a possibilidade de se ser recrutado sob bandeira falsa. Ou seja: agentes do serviço secreto russo teriam sugerido ao funcionário que ele estava trabalhando para uma agência americana. Também isso é perfeitamente concebível nesse ramo de atividade.

Como o BND recruta seus funcionários? Trata-se de um processo clássico de candidatura ou se dá de outra forma?

Atualmente se trata de um processo de candidatura clássico. As vagas são anunciadas, há candidatos, e eles são obviamente submetidos a uma sindicância de segurança, tanto antes de serem contratados como depois, periodicamente. Justamente para assegurar que não estão trabalhando para agências estrangeiras.

Que mecanismos a agência usa para vigiar seus próprios funcionários?

Observam-se problemas comportamentais, tais como alcoolismo, vício de jogo, dívidas excessivas e coisas do gênero. Verificam-se relações familiares em Estados críticos, examina-se caráter e carreira, e consultam-se pessoas de referência, a fim de se obter uma visão completa do indivíduo, em vez de apenas avaliar o seu rendimento objetivo.

Quais são as sanções previstas para um espião desmascarado na Alemanha?

Depende da extensão das atividades. Como neste caso se trata de espionagem de um órgão constitucional, suponho que vão aplicar uma punição muito severa, quer dizer, vários anos de prisão sem condicional.

Trata-se de um caso isolado, ou já houve vários casos como este, no passado?

Sempre houve espionagem americana no campo político, militar e social na Alemanha, a qual nunca foi combatida, mas sim, aceita. Também sempre houve vazamentos de informação do BND para os serviços americanos. Mas um caso tão grave como esse – em que um agente secreto alemão espionasse um órgão constitucional para os americanos –, isso nunca tinha acontecido.



DW.DE

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