Paulo Nogueira

O Anti-Nelson Rodrigues é uma das últimas peças de Nelson Rodrigues. O nome extravagante tem um motivo óbvio: o final é feliz.

Um beijo cinematográfico sela a história: os dois protagonistas estarão juntos para sempre, como num conto de fadas.

Isto é o anti-Nelson Rodrigues: suas peças jamais terminaram bem.

Fora do terreno da dramaturgia, temos hoje no Brasil o anti-Nelson Rodrigues. Paradoxalmente, é alguém que se considera um discípulo apaixonado de Nelson Rodrigues e o cita obsessivamente.

É Arnaldo Jabor.

Jabor é o anti-Nelson Rodrigues porque faz exatamente o oposto daquilo a que o maior dramaturgo brasileiro se dedicou com tamanho empenho.

Nelson Rodrigues gastou boa parte de seus incontáveis artigos nos jornais identificando, e combatendo, uma patologia nacional.

Ele dizia que o brasileiro era um Narciso às avessas, alguém que cospe na própria imagem.

Para ele, o futebol retirou o brasileiro da sarjeta emocional em que se arrastava desde sempre. O primeiro título mundial, em 1958 na Suécia, fez o brasileiro finalmente se orgulhar de seu país, e de si mesmo.

Isto, sabia ele, era fundamental para a construção do país. Você não constrói nada – uma família, uma empresa, muito menos um país – sem que as pessoas sintam respeito por elas mesmas e pelo grupo a que pertencem.

O anti-Nelson Rodrigues faz o oposto.

Em seus artigos e comentários no rádio e na tevê, Jabor se esmera em depreciar o Brasil e os brasileiros.

Numa fala na CBN que viralizou na internet, e já é um clássico das grandes asneiras da mídia, Jabor disse algum tempo antes da Copa que o Brasil daria um vexame mundial.

Nossa incompetência para organizar um evento de tal envergadura ficaria brutalmente exposta, segundo ele.

Veio a Copa e ela foi o anti-Jabor.

No mesmo texto em que vaticinou o apocalipse futebolístico, ele disse que o Brasil não é sequer o terceiro mundo. É o quarto.

Os ouvintes e leitores de Jabor são regularmente massacrados com a mensagem de que o país deles não presta – e nem eles.

Razões objetivas para detestar o Brasil ele não tem. Em que outro país teria o espaço na mídia que o Brasil lhe oferece? Em que outro país faria palestras a 20 mil reais ou mais a hora?

O Brasil é uma mãe amorosa para Jabor. E Jabor devolve o amor com desprezo. Ele lembra, neste sentido, o Oswaldinho de o Anti-Nelson Rodrigues. A mãe o adora, e ele a despreza com ferocidade. “A senhora sempre liga na hora errada”, grita Oswaldinho ao telefone numa cena à mãe rejeitada.

Por que tanto ódio?

É alguma coisa que só o próprio Jabor pode responder. Eis um homem atormentado, você logo percebe.

Teria sido o fracasso no cinema o responsável pela raiva que inunda Jabor? Só ele sabe.

O que ele talvez não saiba é o mal que, como Anti-Nelson Rodrigues, faz aos que o ouvem no rádio, o lêem nos jornais e o vêem na tevê.

Jabor projeta sobre eles, impiedosamente, toda a sua amargura, todas as suas frustrações, todo o seu rancor.

Os que hoje o levam a sério um dia, caso acordem, podem desejar algum tipo de indenização por terem sido devastados numa coisa tão importante como o respeito por si mesmos.

É uma conta que jamais poderá ser paga – nem pelo anti-Nelson Rodrigues que atende por Jabor e nem por ninguém.

Sobre o Autor
Paulo Nogueira
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo

Diário do Centro do Mundo

Comentário(s)

-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;

أحدث أقدم

ads

ads