Não há nada mais interessante nos jornais de quinta-feira (13/11) do que a reportagem do Estado de S.Paulorevelando que os delegados federais responsáveis pela Operação Lava-Jato compunham uma espécie de comitê informal do candidato Aécio Neves à Presidência da República enquanto vazavam seletivamente para a imprensa dados do inquérito. A repórter Julia Duailibi teve acesso a perfis restritos do Facebook, nos quais autoridades da Superintendência da Polícia Federal do Paraná agem como os mais fanáticos ativistas da polarização política que marcou a campanha eleitoral.

O texto não explica como a jornalista teve acesso ao material, nem quando, o que autoriza o leitor a considerar que o jornal podia já saber, na ocasião, que a fonte das especulações publicadas pela revista Veja na véspera da eleição era o próprio núcleo de investigações, atuando a serviço do candidato do PSDB. Segundo o relato, praticamente todos os agentes envolvidos na apuração, inclusive o chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários e a titular da delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvios de Recursos Públicos do Paraná, onde estão os principais inquéritos da operação, agiam como cabos eleitorais na rede social.

Entre as manifestações coletadas pela repórter há xingamentos vulgares à presidente Dilma Rousseff e ao ex-presidente Lula da Silva, e elogios de todo tipo a Aécio Neves – entre eles uma página em que o ex-governador de Minas aparece em montagem de fotografias na companhia de mulheres atraentes. Nessa página, o responsável pela Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, a quem estão vinculados os delegados empenhados na Operação Lava-Jato, escreveu: “Esse é o cara!”

Os policiais citados participam de um grupo fechado autointitulado Organização de Combate à Corrupção (OCC), cujo símbolo é uma caricatura da presidente da República com dois grandes dentes incisivos e coberta por uma faixa onde se lê: “Fora, PT!” O conteúdo repete factoides, mitos, boatos e todo o arsenal usado durante a campanha eleitoral contra a reeleição da presidente.

Inquérito contaminado
A página inicial da organização ainda pode ser acessada (ver aqui) no Facebook, embora a participação seja exclusiva para inscritos sob convite, e apresenta a OCC como “um instituto de orientação da cidadania, da democracia, da promoção do desenvolvimento econômico e social e de outros valores universais”.

Ela remete ao blog da suposta entidade (ver aqui), onde se desenvolvem campanhas em defesa da ditadura militar, teorias conspiratórias e textos que procuram desacreditar alguns profissionais da imprensa – num deles, os autores expõem os repórteres Gustavo Uribe, da Folha de S.Paulo, e Ricardo Chapola, do Estado de S.Paulo.

A OCC tem todas as características de outra organização de extrema-direita que atuou como força auxiliar da repressão nos tempos da ditadura militar: o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) também começou como uma entidade da sociedade civil preocupada com a defesa de supostos “valores universais” e acabou transformado em milícia terrorista, praticando ações extremas como a depredação de uma emissora de rádio, atentados a bomba e o assassinato de um padre católico no Recife.

A reportagem inclui entrevistas com especialistas em Direito Administrativo e Penal para os quais o posicionamento político de delegados na condução de uma investigação pode colocar em xeque a neutralidade e conduzir até mesmo à nulidade de um inquérito. Alguns dos consultados citam a Operação Satiagraha, que levou à destituição e condenação do delegado federal Protógenes Queiroz por vazamento de informações sigilosas. Como se sabe, com essa justificativa a Operação Satiagraha foi esvaziada por decisão do Supremo Tribunal Federal, deixando livre o principal acusado, o banqueiro Daniel Dantas.

A revelação feita pelo Estado de S.Paulo e o que se pode apurar sobre os personagens dessa história compõem um escândalo dentro do escândalo da Petrobras e expõem a perigosa contaminação de toda uma superintendência regional da Polícia Federal por interesses externos ao da atividade policial, o que coloca em dúvida a qualificação de seus agentes para conduzir essa investigação, e, por consequência, de todo o noticiário que se seguiu.

Além disso, revela de onde vêm os factoides utilizados pela imprensa para exercer sua influência em questões importantes para a sociedade brasileira, como a eleição para a Presidência da República.

Luciano Martins Costa
No OI


Contexto Livre

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