ANTONIO MARTINS



Duas brasileiras reportam viagem a Havana, marcada pela multiplicação de negócios familiares, Saúde e Educação avançadas, caça a moedas fortes e expectativa pela internet para todos

Por Marina Amaral (fotos) e Veruscka Girio (imagens), na Pública

A pousada fica em um pequeno prédio reformado pelos próprios moradores que se destaca entre as belas mas maltratadas construções da ruazinha em Habana Vieja. Ali tudo funciona perfeitamente, do elevador de porta pantográfica ao ar condicionado dos quartos dos hóspedes. Depois do mutirão, os apartamentos dos três andares se tornaram pousadas familiares e o térreo, um salão de cabeleireiro.

O apartamento do segundo andar, onde funciona a Casa de Maura, foi caprichosamente decorado por nossa simpática anfitriã, uma engenheira de 49 anos, casada, com dois filhos. Na sala com sofás de veludo e espelhos antigos não falta nem a TV digital – pendurada na parede como ela “viu nos filmes”, conta, com seu sorriso largo.

Depois de anos trabalhando para o Estado, a engenheira passou a fazer parte dos 500 mil cuentapropistas (trabalhadores por conta própria) cubanos, donos de pousadas, restaurantes caseiros, salões de cabeleireiro, táxis. Eram 100 mil em 1991, início do chamado “período especial”, marcado pela escassez que se seguiu à queda da União Soviética e do bloco socialista europeu. Isolado desde 1962 pelo bloqueio dos Estados Unidos, endurecido com a promulgação de novas leis em 1992 e em 1996, o país perdeu 78% das importações e ficou sem insumos para produzir.

Para vencer a fome que ressurgia depois de trinta anos de revolução, o governo foi forçado a abrir a economia para o pequeno investimento privado e para empresas estrangeiras. Esse processo de abertura, com avanços e recuos no governo de Fidel Castro, ganhou impulso na presidência de seu irmão Raúl, que o substituiu em 2008. Hoje já se vê carros novinhos da francesa Peugeot circulando entre os Chevrolets dos anos 1940/50 e anúncios de emprego na iniciativa privada. O marido de Maura, por exemplo, trabalha em uma empresa canadense, ganhando um salário alto para os padrões cubanos: 150 dólares. Um funcionário de nível superior empregado no Estado – que continua a deter a propriedade da maior parte das empresas no país – recebe cerca de 600 pesos cubanos, ou 25 dólares por mês.

Na Casa de Maura a diária para duas pessoas é de 30 pesos conversíveis (CUCs) – outra criação dos anos 1990 para legalizar o mercado negro do dólar; um CUC vale 25 pesos nacionais (o dólar vale 24 pesos nacionais). O apartamento tem quatro suítes; uma ocupada pelo casal e as outras três reservadas para os hóspedes – os filhos, uma estudante de arquitetura de 21 anos e um garoto de 15 anos, moram atualmente em um apartamento próximo, alugado por Maura para “manter a privacidade dos meninos”.

E os negócios vão bem. Em dezembro, Maura já estava com as reservas fechadas até fevereiro. A abertura do turismo foi a medida do período especial que obteve o melhor resultado até agora. Em 1990, 340 mil pessoas viajaram a Cuba; em 2013, foram 2,8 milhões de pessoas, deixando 2,6 bilhões de dólares em divisas de acordo com os dados mais recentes da Oficina Nacional de Estadísticas. Para se ter uma ideia do que isso significa para o cotidiano dos cubanos, em Havana, a maior cidade do país, vivem 2,1 milhões dos 11,1 milhões de habitantes da ilha.

E o número de turistas deve aumentar após o recente reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e EUA, rompidas pelo presidente Kennedy em janeiro de 1961, com dramáticas consequências para Cuba. Três meses depois, em abril de 1961, o ataque frustrado de imigrantes financiados e armados pela CIA na Baía dos Porcos daria início à guerra suja, que continuou mesmo depois da queda do bloco comunista. Os atentados sofridos pelos cubanos desde a Revolução de 1º de janeiro de 1959 causaram 3478 mortes e 2009 feridos até 2012, de acordo com a denúncia do governo cubano a ONU.

O final da guerra fria também não foi suficiente para acabar com o bloqueio econômico decretado pelo presidente Kennedy. Ao contrário: os Estados Unidos aumentaram o isolamento de Cuba com as leis Torricelli (1992) e Helms-Burton (1996) que punem também seus parceiros comerciais que negociarem com a ilha. Em 1992, a ONU condenou o bloqueio pela primeira vez “por motivos humanitários”. Em outubro de 2014, 185 países se declararam contra o bloqueio em votação na ONU; Estados Unidos e Israel foram os únicos a votar a favor.

E o bloqueio continua trazendo sofrimento ao povo cubano, como alertou o presidente Raul Castro em entrevista logo após o reatamento diplomático em 17 de dezembro de 2014. Seus oponentes dizem que o bloqueio ajuda o governo cubano a esconder seus próprios erros mas, como diz o ministro das Relações Exteriores de Cuba: “Que suspendam então o bloqueio por um ano para ver o que acontece”. Vamos esperar que Obama nos dê a chance de checar quem tem razão. (Leia Matéria completa aqui)



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