A “acusação”, nestes casos, é de que Lula desenvolveu excessiva proximidade com as elites, “crime” (no sentido político) que, se nem sempre autoriza o justiçamento jurídico que caracterizou a sentença de Moro, ajuda a explicar o revés que se abateu sobre o ex-presidente e, talvez o mais importante, lança dúvidas sobre a sua capacidade de representar interesses progressistas nas eleições de 2018.
Em comentário ao programa Democracy Now!, o editor e co-fundador do The Intercept, Glenn Greenwald, questionou “qual a real ameaça de Lula aos oligarcas?”, ponderando que ele (Lula) “formou alianças com plutocratas e empresários do ramo do petróleo e construção civil”, “ganhou dinheiro fazendo negócios com figuras poderosas” e “não é o Lula de 1986, um sindicalista agitador e socialista ferrenho, ele se integrou à estrutura de poder”.
Em artigo para a The New Yorker, o jornalista e escritor Alex Cuadros registrou que, quando esteve no poder, Lula “decidiu não bater de frente com o sistema. Para viabilizar sua agenda progressista, ele decidiu trabalhar com o sistema, fazendo alianças com políticos da velha guarda que, mesmo tendo sido apoiadores da ditadura e do mercado, sempre colocaram a patronagem acima da ideologia”.
Na Folha de São Paulo, o filósofo Vladimir Safatle tratou da sentença de moro como “mais um resultado desta política conciliatória –a adaptação ao modelo de corrupção funcional do sistema brasileiro e, consequentemente, a fragilização completa de figuras um dia associadas, por setores majoritários da população, a alguma forma de esperança de modernização social”.
Essas preocupações são pertinentes e legítimas, mas perdem de vista importantes elementos do passado, do presente, e até mesmo do futuro da vida política de Lula, um político cuja história se confunde com a história do próprio Brasil pós-redemocratização.
A aproximação de Lula
com as elites foi uma
exigência da democracia no
Brasil
Depois da derrota em primeiro turno nas eleições de 1998, Lula aprendeu essa lição e se apresentou, em 2002, como candidato da conciliação, que não faria transformações drásticas na estrutura social e econômica do Brasil, mas que apenas ampliaria o espaço material e simbólico da população mais pobre. Na definição simples de Emilio Odebretch, “a coisa que ele mais quer é ver a população carente, sem prejuízo, essa é que é a visão mais correta dele, não é tirar de um para dar ao outro, não, [mas] como pode, aquele que pode, ajudar o outro a crescer”.
Com mote (“que todo brasileiro possa fazer três refeições por dia”) e slogan (“Brasil, um país de todos”) condizentes com o papel de “Lulinha paz e amor”, Lula não apenas foi reeleito em 2006, quando o PT já estava seriamente abalado por denúncias de corrupção, como também fez de Dilma Rousseff sua sucessora, em 2010.
Lula da Silva, entre o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta neste ano, em exposição de fotos de Ricardo Stuckert, seu ex-fotógrafo oficial, na Fiesp em julho de 2011.
Contra isso, não bastou Dilma ter tentado trazer Lula para o governo em uma época na qual ele sequer havia sido denunciado criminalmente. Conversas foram veiculadas ilegal e repetidamente nos jornais, Dallagnol fez comício,Celso de Mello lançou brados de indignação, as camisas da CBF ocuparam as ruas, e uma incomum liminar de Gilmar Mendes lançou Dilma (e Lula) no fogo do impeachment, admitido no Congresso “por Deus”, “pela família” e até mesmo pela memória de ex-torturadores. Reações que não se repetiram depois, quando acusados e denunciados por crimes bem mais graves passaram a ocupar cadeiras dos Ministérios e do próprio Planalto.
o elemento mais
problemático do atual quadro
brasileiro não parece estar na
ligação contingente de Lula
com as elites
Das galhofas com os caracteres físicos ao tratamento que dispensam no trato cotidiano do ex-presidente, sobram evidências de que, para tais segmentos e seus afiliados das classes médias e médias altas, Lula deve ser proscrito da vida política nacional. Aspiração para a qual uma condenação sem provas cabais por corrupção e lavagem de dinheiro, que em democracias liberais avançadas deveria ser motivo de vergonha e questionamento, vira motivo de celebração.
Diante disso, o elemento mais problemático do atual quadro brasileiro não parece estar na ligação contingente de Lula com as elites. Lula já se reinventou uma vez e poderia se reinventar novamente. As elites é que, ao contrário de outros tempos, não parecem mais dispostas a participar de qualquer estratégia de composição. E isso, como ocorreu outras vezes na história, tende a ser obstáculo não apenas para a política progressista, mas para a própria política democrática.
Foto em destaque: Os patinhos da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) em frente ao Congresso Nacional em outubro de 2015. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
The Intercept Brasil
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