©REUTERS / Jonathan Ernst

O histórico encontro entre os líderes dos EUA a da Coreia do Norte foi universalmente avaliado como um passo rumo à paz. Especialistas russos comentam a cúpula entre os dois países, opinando que Pyongyang aproveitará ao máximo a iniciativa que tomou.


As cinco horas de negociações na primeira reunião cara a cara entre um presidente norte-americano e um líder norte-coreano deixaram um monte de fotografias históricas e receberam aplausos de todo o planeta.



No entanto, a situação não está assim tão clara, pois, se analisarmos o documento firmado, surgem dúvidas sobre o quão eficazes serão os acordos e como vai ser conseguida a desejada desnuclearização.

"Kim ganhou" ao obter um estatuto formal e evitar a invasão


À primeira vista, o compromisso de garantir a desnuclearização completa da península coreana é uma vitória de Donald Trump.

Porém, o documento final não contém obrigações vinculativas quanto ao tema, apenas um compromisso geral de "trabalhar para a completa desnuclearização da península coreana", afirma o cientista político russo Gevorg Mirzayan no seu artigo para a revista Expert.



No documento também não existe um roteiro do processo, algo que foi estabelecido nos acordos de 1994 entre os EUA e a Coreia do Norte.

"Por que Trump admitiu uma formulação assim [tão vaga]? Porque não tinha outra opção. O presidente dos EUA acabou em um beco sem saída devido a sua anterior retórica", explica o autor.
Para Mirzoyan, as afirmações belicistas de Trump deixavam apenas duas variantes para ele: ou participar da cúpula, quaisquer que fossem os resultados, ou estragar a reunião, acusar Pyongyang de ser incapaz de dialogar e escolher uma solução alternativa, talvez com o uso de força.

A Casa Branca fez os possíveis por frustrar a cúpula em Singapura, acredita o analista, mas, apesar de ter sido quase cancelado, o encontro acabou por se realizar e a única coisa que Trump podia fazer era participar da reunião, tirar desta pelo menos algum resultado construtivo para "o apresentar como um objetivo seu alcançado".

A Coreia do Norte, por sua vez, aplicou todos os esforços para realizar a cúpula e se mostrar como parte negociadora racional e tranquila e, como resultado, ganhou um prestígio e um estatuto sem precedentes.



"Não foi a foto com Trump que deu a Kim estatuto e prestígio, mas o fato de Trump, ao se ter encontrado com Kim, o ter reconhecido como um parceiro de negociações e membro do mundo civilizado", ressalta Mirzayan.
O próprio documento, mesmo que pareça vago, de qualquer modo muda o rumo da situação a favor da via diplomática e não militar, o que já é uma grande vitória, celebrada não apenas em Pyongyang mas também em Seul.

"A possibilidade de Kim perder a partida com os EUA (o que implicaria o colapso do regime), ou seja, uma possível guerra, diminuiu drasticamente. E agora Kim […] tem todo o tempo a seu dispor para melhorar as relações com a Coreia do Sul", concluiu Mirzayan.

"Todos perderam" porque não há garantias de desnuclearização


Outro analista russo, professor da universidade sul-coreana Andrei Lankov, mostra-se mais pessimista falando dos resultados da cúpula.

Para ele, o desarmamento nuclear para a Coreia do Norte é algo "absolutamente irrealista e politicamente impossível", "um suicídio em massa de sua elite política", então esta parte do acordo foi previsivelmente vaga.



"O documento é muito […] pouco concreto. Esperava-se que contivesse alguns passos reais por parte de Pyongyang para diminuir o seu potencial nuclear e de mísseis: em particular, por exemplo […] a demolição de algumas instalações nucleares ou até a entrega de alguma quantidade de urânio enriquecido e plutônio aos EUA ou a terceiros países. Mas no documento não há nem uma palavra sobre isso", detalha Lankov no seu artigo para o Clube Internacional de Discussões Valdai.

Trump "tinha todos os trunfos na manga" para obrigar Pyongyang a fazer concessões consideráveis, mas não o conseguiu, sendo este "um grande embaraço da diplomacia americana e, de facto, da diplomacia de Trump".

O que se pode esperar agora, segundo o analista, são "negociações adicionais que demorarão meses ou anos", opina Lankov, logo, o presidente Trump abandonará o cargo e a ameaça militar para a Coreia do Norte diminuirá ainda mais.

Finalmente, poderá repetir-se a situação de 2017, adverte o professor: Pyongyang continuará desenvolvendo seu programa de mísseis e de armas nucleares e o mundo perderá a oportunidade de acabar com o problema da proliferação de armas de destruição em massa.


Sputnik Brasil

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