Os primeiros dias da transição para o governo de Jair Bolsonaro têm sido intensos em balões de ensaio, declarações exóticas, desencontro de informações e decisões depois negadas e sem nada colocado no lugar. O saldo de tantas idas e vindas, marca registrada dessa etapa inicial, é uma impressão talvez enganosa de improvisação.
Por José Paulo Kupfer, do Poder 360
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Basta passar os olhos pelo documento “Manifesto à nação – o Brasil para os brasileiros”, lançado às vésperas do 2º turno das eleições presidenciais, pela Frente Parlamentar Evangélica, na Câmara dos Deputados, para relativizar a ideia do improviso nas ações propostas pelo presidente eleito. Encontrará ali 1 programa de governo conservador nos costumes e ultraliberal na economia, bastante detalhado, com muitos pontos em comum com os defendidos por Bolsonaro e os chefes de sua equipe de transição.
A impressão de improviso, alimentada pela sucessão de anúncios e desmentidos, diz mais sobre a ausência de preocupação em “combinar com os russos” —e até mesmo com os “de casa”— antes de lançar os balões ao ar. Diz mais também sobre a ansiedade com que novatos em negócios de governo se deixam dominar pelos desejos e pela falta de limites produzida em novos, mas inexperientes, poderosos.
Nem por isso sai de graça o anúncio de medidas de impacto, ainda mais quando elas se revelam frouxas por derivarem de programas e planos de ação ainda não devidamente formulados. Por mais que se “passe pano” nas declarações de Bolsonaro e de seu superministro da Economia, Paulo Guedes, o custo das trapalhadas pode ser bem alto, sob a forma, em 1º lugar, de restrições ao crescimento da economia.
Um exemplo já concreto veio com a reação de países árabes com os quais o Brasil mantém relações comerciais, ao anúncio, depois transformado em assunto “sem prioridade”, da transferência da sede da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Ninguém lembrou Bolsonaro que a ideia, imitação descuidada de uma atitude sem respaldo internacional do frequentemente provocador presidente americano Donald Trump, prejudicaria exportações brasileiras, a começar das realizadas por seus aliados internos do agronegócio?
Faltou no mínimo prudência, igualmente, na tentativa (abandonada em definitivo ou não?) de juntar agricultura e meio ambiente no mesmo ministério, relegando o 2º a uma posição subalterna. Antecipando reações esperadas em compradores externos de commodities brasileiras, que, por pressão social em seus países, rejeitam negociar com predadores ambientais, a ideia foi fortemente bombardeada —e não só por ambientalistas mais radicais.
O mesmo tipo de descuido, em relação a outras possíveis encrencas em mercados externos, aparece com a prometida diluição do Ministério do Trabalho em outras pastas. Se a ideia é deixar a descoberto a atribuição de fiscalizar as relações de trabalho, sobretudo o combate ao trabalho análogo a escravo, infantil e degradante, as consequências podem ser desastrosas. É praticamente impossível vender produtos manufaturados ao exterior sem o devido um selo de garantia de que a produção atende a regras trabalhistas civilizadas.
Mesmo restringindo a lista aos temas econômicos, chama a atenção a quantidade de disparates proferidos por Bolsonaro ou Guedes em apenas dez dias depois da vitória eleitoral. Do uso de reservas internacionais à renegociação da dívida interna, passando pelo controle da taxa de câmbio, a readoção de algum tipo de CPMF, o desejo de eliminar a “farsa” das estatísticas de desemprego, alterando a metodologia de cálculo que segue padrões internacionais, e a fusão do Banco do Brasil com o Bank of America, muita desinformação e muitas ideias espantosas foram lançadas e depois arquivadas ou temporariamente retiradas de circulação.
Com base numa avaliação duvidosa de que aquilo que Bolsonaro fala não se escreve (quem será que escreve o que ele fala?), como se, na onda da terceirização irrestrita, até a presidência pudesse ser terceirizada, o risco é dar de barato o que pode ter o alto preço de obstruir a capacidade de reação da economia. Bravatas, em resumo, não rimam com investimentos.
Se o voto pode representar um cheque em branco ao candidato vencedor, a decisão de investir passa longe disso. A existência de um fiador no governo, como o “posto ipiranga” do presidente eleito, ainda que com poderes para bancar a aplicação de políticas ultraliberais, pode servir para atrair aplicadores em ativos financeiros, mas não é suficiente para garantir a recuperação da confiança empresarial e a volta dos investimentos produtivos. Vaivéns na política econômica produzem incertezas. E incertezas são veneno para a economia.
Fonte: Poder 360
Portal Vermelho

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