Protesto de deputados da oposição na Câmara contra a aprovação da Reforma Trabalhista, em vigor desde novembro do ano passado. Foto: Luís Macedo/Câmara dos Deputados

Leonardo Sakamoto

O presidente eleito Jair Bolsonaro declarou, nesta quarta (7), a extinção do Ministério do Trabalho e a incorporação de suas funções ''a algum ministério''.

Além de coordenar as políticas de geração de emprego e renda, viabilizar o acesso a serviços e benefícios (como o registro profissional, o seguro-desemprego e o abono salarial e a emissão de carteira de trabalho) e mediar a relação entre empregadores nacionais e trabalhadores estrangeiros, presidir o conselho do FGTS e gerir o Fundo de Amparo ao Trabalhador, o ministério é responsável por fiscalizar o cumprimento das leis trabalhistas. E é essa a parte mais sensível dessa mudança.

O novo governo vai garantir apoio e recursos para que a fiscalização continue constatando as condições de saúde, segurança e dignidade dos trabalhadores, corrigindo os problemas e autuando os responsáveis ou será desidratada para atender às demandas por ''flexibilização'' de setores econômicos e empresários que apoiaram a candidatura vencedora?

Durante a campanha, Bolsonaro criticou o enfrentamento ao trabalho escravo, fornecendo dados equivocados sobre a fiscalização. Disse que qualquer irregularidade trabalhista configura o crime e não a omissão do empregador em garantir um mínimo de dignidade. Chegou a citar, mais de uma vez, que quando uma trabalhadora grávida é exposta à aplicação de agrotóxico, os fiscais consideram o caso como escravidão – o que não procede. De acordo com a área de fiscalização do Ministério do Trabalho, um caso como esse não configura trabalho análogo ao de escravo.

Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR), um dos principais conselheiros de Bolsonaro, também criticou – durante a campanha – o que ele chamou de ''indústria da multa em cima de posições ideológicas e políticas''. A bancada ruralista no Congresso Nacional tem, historicamente, criticado a fiscalização, demandando alteração da Norma Regulamentadora 31, que trata de critérios de saúde e segurança no trabalho no campo.

A subordinação da Secretaria de Inspeção do Trabalho à outra estrutura de governo que não tenha como objetivo principal zelar pelo cumprimento do contrato de compra e venda da força de trabalho, vai fragilizar as condições do lado mais fraco. Ou seja, do trabalhador.


Uma das primeiras medidas a serem tomadas seria a instalação de instância superiora de recursos de autos de infração com a presença de representantes empresariais, governamentais e de trabalhadores. Ou seja, multas por trabalho escravo ou infantil, por exemplo, poderiam seriam anuladas em uma votação com a anuência de governo e empresários, em um eterno 2 a 1 – ou 3 a 0, no caso de representantes de trabalhadores que representem apenas a si mesmos.

Outra medida que está sendo estudada é obrigar os auditores fiscais a atuarem como mediadores em acordos trabalhistas. Isso reduziria o tempo que dedicariam à sua principal atividade, a fiscalização do cumprimento das leis.

Isso sem falar na implantação do ''aviso de fiscalização'', proposta que obrigaria os fiscais a apenas alertarem quanto a um problema em uma primeira visita, como trabalho escravo e infantil, e autuar apenas em caso de reincidência.

Mesmo a alocação da Secretaria de Inspeção de Trabalho no setor de fiscalização da Receita Federal e da Previdência também teria impactos. A fiscalização do trabalho não objetiva apenas ao pagamento de tributos e contribuições sociais e previdenciárias. Em momentos de crise de orçamento, o poder arrecadatório dessa fiscalização é importantíssimo, mas garantir direitos a quem está vivendo à margem da legislação envolve outras preocupações além de possibilitar que o Estado receba valores atrasados. A quantidade de competências demandadas de servidores públicos em um flagrante de trabalho infantil, por exemplo, vai muito além de aplicação de multas.

Seguindo por esse caminho, o governo Bolsonaro pode se consolidar como um grande reprodutor de medidas tão deletérias para a classe trabalhadora quanto ineficazes para melhorar o ambiente visando ao desenvolvimento econômico. Ao anunciar o fim do ministério do Trabalho, ele acaba adotando o modelo argentino de organização da administração do trabalho. No país vizinho, os efeitos diretos desse desmonte apontam para um aumento dos conflitos que contribuem para o estado de estagnação econômica. Com medo de que nos tornássemos uma Venezuela, vamos nos aproximando da Argentina, no trato dos conflitos do trabalho, e do México, em termos de violência urbana. Não por coincidência, ambos os países ilustram experiências recentes de desregulamentação das relações de trabalho.

Em sabatina a industriais em julho, Bolsonaro afirmou que ''o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego ou todos os direitos e desemprego''. A depender de suas decisões sobre a fiscalização, o trabalhador nem precisará chegar nesse dilema porque saberá que não vai ter quem zele por sua qualidade de vida. O que indica que a prática de ''ativismo'' não vem de quem fiscaliza, mas de quem impede que isso aconteça.

Em tempo: Da mesma forma que acontece com o meio ambiente, importadores e investidores estrangeiros não titubeariam em ameaçar com barreiras comerciais não-tarifárias caso o Brasil descuidasse do respeito aos direitos humanos, como já aconteceu anteriormente, como na situação de carvoeiros superexplorados que forneciam para siderúrgicas. O próprio Donald Trump adotou o discurso de que não aceitará a concorrência desleal de produtos estrangeiros, produzidos com superexploração de outras pessoas, competindo com mercadorias norte-americanas. Ou seja, gostando ou não, a defesa dos direitos humanos e trabalhistas, por mais hipócrita que seja quando vem de alguns países que bombardeiam primeiro e investigam depois, vão ser cada vez mais usados para justificar barreiras comerciais. Se o país que não se atentar a isso, e enfraquecer a fiscalização, pode perder dinheiro.
UOL Notícias

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