Os últimos três meses já haviam sido de chuva torrencial. O solo estava completamente encharcado em quase todas as regiões de Santa Catarina. Famílias haviam deixado suas casas, estabelecimentos comerciais fechado as portas e milhares de equipes de resgate trabalhavam em meio à lama e aos alagamentos que, àquela altura, já se mostravam devastadores.

Mas o ápice da tragédia ainda estava por vir. Nos dias 22 e 23 de novembro de 2008, o estado registrou a maior precipitação de chuva de sua história. Os rios localizados na região do Vale do Itajaí transbordaram e arrastaram tudo o que havia pela frente. Morros inteiros desbarrancaram e levaram inúmeras casas abaixo.

Foram 135 mortes confirmadas por causa da enchente, um quarto delas em Ilhota, pequeno município de 12 mil habitantes que fica a pouco mais de 100 km de Florianópolis. Todos os acessos por estrada ao município ficaram bloqueados pela cheia do rio Itajaí-Açu ou por deslizamentos do Complexo do Morro do Baú. Equipes do Corpo de Bombeiros de diversos estados que ajudaram no resgate só conseguiram chegar em alguns bairros do município de helicóptero.

A maior enchente já registrada em Santa Catarina deixou quase 33 mil pessoas desalojadas – 5,6 mil perderam suas casas. Sessenta e três municípios decretaram situação de emergência e 14 de calamidade pública. Além das mortes confirmadas, 12 pessoas nunca foram encontradas, e a Defesa Civil chegou a orientar os moradores de áreas isoladas a enterrarem os mortos no quintal.



Imagens da devastação em Santa Catarina circularam na imprensa nacional e internacional. A ajuda veio dos mais diversos lugares: pessoas de outros estados enviaram roupas e alimentos, várias cidades receberam recursos de outros países. Um rei árabe chegou a doar dinheiro para construir mais de 400 casas para desabrigados.

Entre as várias promessas de ajuda, uma chamou a atenção. No dia 28 de novembro de 2008, o principal telejornal da Record lançou a campanha “Reconstruindo Santa Catarina”, pedindo doações para construir casas para desabrigados. Com direito a transmissão ao vivo direto de Itajaí, onde a Record possui uma afiliada, o apresentador Brito Junior chamou matérias mostrando o sofrimento de moradores e entrevistas com a cúpula da direção do segundo maior grupo de comunicação do país.

Nas semanas seguintes, a campanha, capitaneada pelo Instituto Ressoar, fundação de caridade criada pela TV Record em 2005, arrecadou R$ 10,5 milhões – o suficiente para construir, segundo a empresa, cerca de 700 casas. Dez anos depois, no entanto, quase metade dos moradores cadastrados pelas prefeituras das cidades atingidas pela enchente ainda aguarda as casas prometidas. Boa parte dos que foram alojados segue sem o título de propriedade, e mesmo o Ressoar não soube informar que fim levaram as residências – e o dinheiro das doações. A instituição informou, por telefone, que “não possui qualquer registro sobre o projeto Reconstruindo Santa Catarina, uma vez que a equipe de trabalho não é mais a mesma da época”. No dia 9 de janeiro, voltamos a entrar em contato com o Instituto, questionando o motivo das construções não terem sido finalizadas e o destino do dinheiro arrecadado não utilizado. Mais uma vez, silêncio.

O último registro no site do Instituto Ressoar a mencionar a campanha é de 1 de abril de 2009, informando que R$ 10.452.966,15 foram arrecadados, dinheiro suficiente para construir 697 casas ao valor de R$ 14.830,00 cada. Não há detalhes sobre o que já teria sido construído com a verba. Em um cartilha de divulgação da campanha de 2010, o valor de arrecadação informado é ligeiramente maior: R$ 10,5 milhões. Mas a promessa já considerava um número menor de casas, 650. Até então, segundo o material, ao menos 470 casas teriam sido entregues em 28 municípios.