Martin Häusling, membro alemão do Parlamento Europeu



POR FÁTIMA LACERDA, de Berlim

O encontro do G-20 em Osaka serviu como uma polaroide da atual ordem mundial: Trump como o anfitrião, a erosão do poder da chanceler alemã Angela Merkel, o novo status do presidente francês como habilidoso articulador.

Viu-se também, em velocidade de blitz, o desmantelamento da política externa brasileira.

Depois de 20 anos de negociações entre a União Europeia e o Mercosul, o acordo de Livre Comércio foi assinado depois de constrangimentos diplomáticos entre os governos do Brasil e da França.

O presidente Macron exigia a confirmação de Bolsonaro de que não irá abandonar o Acordo Climático de Paris, o que foi afirmado na reunião improvisada entre os dois chefes de Estado.

O governo bolsonarista-militarista conseguiu desacreditar o país perante a comunidade internacional ao mesmo tempo em que, em apenas seis meses, Bolsonaro conseguiu levar o país ao status de país-problema.

Deputados dos Verdes na Alemanha, partido em vertiginosa ascensão no gosto do eleitorado, do Reino Unido e do parlamento europeu estão mexendo os pauzinhos.
O fator desestabilizador, no entendimento desses grupos, é o governo Bolsonaro.

O acordo, para ser ratificado, terá que passar por uma sabatina de âmbito jurídico e ser aprovado pelo Parlamento de todos os membros da UE — no momento, 28 países.

O alemão Martin Häusling, deputado no Parlamento Europeu em Estrasburgo, defensor dos pequenos agricultores e inimigo dos latifundiários, conversou com o DCM.

Häusling é eurodeputado da bancada do Partido Verde desde 2009. Ele integra as comissões para Agricultura & Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar na cidade de Estrasburgo.

Ele falou do “acordo de fachada”, do desmatamento no Brasil e da “prisão arbitrária” do ex-presidente Lula.

DCM: O senhor descreve o acordo entre o Mercosul e a União Europeia como um “desastre”. Qual seria a alternativa?
Martin Häusling: Pode-se fechar um acordo (de livre comércio), mas sem manchetes com “Direitos Humanos” e “Proteção do Meio Ambiente” só para inglês ver. É preciso concretizar quais medidas seriam adotadas para garantir isso. Não vejo esses regulamentos como uma premissa do acordo.
Além do mais, existem muitas definições sobre o que é Meio Ambiente, especialmente entre parâmetros regentes no Brasil e nos países da UE. Me foi possível constatar isso em 2018, em viagem ao Mato Grosso com membros da Comissão Parlamentar. Anteriormente, viajei pelo cerrado com a equipe da Fundação Heinrich-Böll (ONG atuante no Brasil).

Depois de negociações que duraram 20 anos, o senhor vê o fechamento do acordo como uma carta branca ao governo Bolsonaro?
Quando me lembro dos beijinhos que foram trocados com Bolsonaro, eu vejo, sim, o acordo como um reforço à política do atual governo. Existe também uma estratégia global nesse empreendimento: Donald Trump é contra acordos de Livre Comércio e a UE, faz exatamente o contrário.
Esse contrato legitima o governo Bolsonaro, também no contexto do escândalo envolvendo a prisão do ex-presidente Lula assim como outras declarações referentes aos direitos de minorias e ao desmatamento da Floresta Amazônica.

Recentemente, ao responder a pergunta de uma deputada dos Verdes que pleiteava pressionar o governo brasileiro antes de fechar o acordo, Angela Merkel respondeu que evitar o acordo não evitaria que um hectare não fosse desmatado. Como interpretar essa declaração?
Por um lado, procede. A outra pergunta, seria: ”Pode o acordo com o Mercosul evitar o desmatamento?”
Não há motivo para acreditar que o governo brasileiro respeitará os itens do Acordo Climático de Paris, já que o orçamento para questões do Meio Ambiente foi reduzido em 90%. Além disso, o presidente não revisou suas declarações e continua acreditando que a crise do Meio Ambiente é causada pelas pessoas.

Em abril, o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, realizou visita oficial a Brasília sem ter ideia do terreno político que iria encontrar. Com medo de perder, em definitivo, o mercado da América do Sul para os chineses, ele argumentou que “é preciso dialogar”. Foi um aceno errôneo para Brasília? Como o governo alemão deve se posicionar frente a atual gestão?
Claro que precisamos dialogar. Nós, europeus, temos também que dialogar com os chineses que não têm, necessariamente, um governo democrático (risos). Não vejo como caminho certo quando a UE coloca seus interesses econômicos à frente de tudo.
Vejo nela uma responsabilidade em cobrar desses governos, o cumprimento dos regulamentos estipulados no Acordo Climático de Paris e no âmbito dos Direitos Humanos. Se não for ela, quem fará? Diálogo se faz necessário, mas precisa ter resultados.

No seu comentário sobre o fechamento do acordo, veiculado na sua homepage, o senhor teme a desvantagem de pequenos produtores de leite e derivados no Mercosul, devido a importação de produtos baratos da Europa. O que mais os pequenos agricultores devem temer?
A produção do leite no Brasil, mas especialmente na Argentina, está nas mãos de pequenos agricultores que enfrentam muita dificuldade para se manterem neste setor. Eles terão que enfrentar a importação de leite em pó da Europa, que tem sua agricultura subvencionada. Por esse motivo, o governo anterior (Dilma Rousseff) estava cético sobre o fechamento do acordo, referente ao mercado de produção de leite.
Eu vejo os produtores de leite, nos dois países, ameaçados. O mercado europeu produz em excesso e quer se livrar do peso morto. Já países do Mercosul, querem vender soja e açúcar, produção das quais estão nas mãos de agricultores de grande porte. Em contrapartida, os pequenos produtores de carne bovina nos países da UE, não conseguirão enfrentar o volume de carne bovina produzido no Brasil e na Argentina. Será uma avalanche de trânsito de carne bovina, vindo da Argentina e do Brasil.

Como o senhor olha atualmente para o Brasil com relação à prisão do ex-presidente Lula?
Cada vez fica mais claro que o processo de Impeachment contra o governo Dilma Rousseff foi um jogo de cartas marcadas, assim como a prisão de Lula e a falta de provas concretas em sua condenação foi um processo para tirá-lo do páreo das eleições presidenciais. Se Lula tivesse sido aceito como candidato, o resultado teria sido bem outro.
O governo da época (Temer) sabia, assim como Bolsonaro. Era preciso tirá-lo do caminho. E logo o juiz que foi o carro-chefe da acusação de Lula, hoje ocupar o cargo de ministro da justiça, torna bem claro que isso foi um cambalacho e que prevaleceram os interesses para que Lula ficasse longe das eleições. Da perspectiva de hoje, não é justificável.

Qual o papel da libertação de Lula na resistência?

Eu vejo o Brasil com uma sociedade civil maravilhosa. Não penso que o poder esteja somente nas mãos dos latifundiários e militares.
Como em outros países da América do Sul, o Brasil goza de uma robusta sociedade civil. Eu não colocaria toda a responsabilidade no PT para tomar a frente da resistência.
Nesse momento vemos grupos indígenas lutando severamente contra a desapropriação, nas grandes cidades existe resistência contra uma política contra os direitos das mulheres.
Eu acredito que a robustez da sociedade civil brasileira será capaz , gradualmente, de varrer do poder as oligarquias dos grandes fazendeiros e os militares. Essa é a minha esperança: que não somente um partido seja protagonista, mas que outros grupos possam assegurar a democracia no Brasil.


DCM

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