Desde o início da sua expansão o neoliberalismo mirou a escola, o sistema escolar e a universidade, pois esses são lugares fundamentais de formação de um certo tipo de subjetividade.

Por Christian Laval.

Desde o início da sua expansão o neoliberalismo mirou a escola, o sistema escolar, a universidade etc. Isso por várias razões diferentes, mas uma das motivações fundamentais é que se trata de um lugar de formação de um certo tipo de subjetividade. Em termos mais simples, é o lugar de criação de um “capital humano”, pensado como tal, que vai alimentar um sistema produtivo baseado na concorrência generalizada. Por isso, acredito que estudar, analisar o sistema educacional neoliberal é absolutamente fundamental para compreendermos o que é o neoliberalismo.


O neoliberalismo não é apenas uma política econômica monetária, não é só austeridade… ele é muito mais do que isso. Trata-se de uma política, uma estratégia mesmo, que visa modificar a sociedade e transformar o “humano” enquanto tal. E transformar como? Procurando transformar justamente os seus valores, transformar as relações de cada indivíduo consigo mesmo. Ou seja, ele difunde um modo de relação capitalista do indivíduo consigo mesmo, fazendo com que cada indivíduo se considere um capital.
E, para isso, é preciso começar muito cedo, muito jovem, a considerar que os estudos são, acima de tudo, um investimento que deve produzir uma renda, que deve ser rentável. A escola neoliberal tem como alicerce a eficiência, o desempenho, a rentabilidade. E, portanto, cada indivíduo deve se ver, rapidamente e desde cedo, como um empreendedor de si mesmo, um gestor de si mesmo, portanto, que cada um se considere um “capital”. A partir daí, temos uma matriz, uma matriz antropológica se quiser, que permite visar uma mudança muito mais global, muito mais geral da sociedade. Os neoliberais têm uma reflexão estratégica sobre a forma de mudar a sociedade e o homem.
Na verdade, as políticas neoliberais são políticas que visam oficialmente tornar a escola mais eficiente, melhorar o seu desempenho, porque esse é o ideal – ou a “ideologia” de fundo, digamos assim – do neoliberalismo. Mas, além disso, o neoliberalismo acredita que é capaz de realizar melhor do que outras soluções um objetivo progressista antigo: a igualdade. Como? Fazendo com que cada indivíduo possa levar as suas capacidades o mais longe possível. Por quê? Como? Simplesmente estimulando a competição, a concorrência entre os alunos, através de testes e avaliações sistemáticas, mas também fazendo os professores, as escolas competirem entre si.
Em resumo, para obter esse melhor desempenho da escola, essa igualdade, basta, segundo os neoliberais, instilar, instalar em toda parte situações de mercado, isto é, situações de concorrência. E, em primeiro lugar, a concorrência local. Os pais precisam poder escolher a escola e, para isso, precisam se transformar em consumidores. A ideia fundamental é que os pais sejam responsáveis… em razão do próprio dinheiro que têm de gastar… sejam responsáveis pelo investimento que fazem pelos filhos. Em resumo, o modelo aplicado é o que os neoliberais chamam de “soberania do consumidor”. E do qual decorreriam todas as vantagens.
Isso conduz não a uma escola com um desempenho melhor, mas a uma escola com um desempenho pior. Foi comprovado na França, na Europa, nos Estados Unidos e em muitos outros países, que a concorrência conduz a uma segregação escolar generalizada e sistemática. O que resulta numa queda do nível de educação no conjunto da população escolar. Portanto, o objetivo não é alcançado, ele apenas aumenta as desigualdades entre as crianças e entre as famílias.
* Tradução de Mariana Echalar.
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Christian Laval é professor de sociologia da universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense, e autor, entre outros de A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público (Boitempo, 2019). Desde 2004, coordena junto com o filósofo Pierre Dardot o grupo de estudos e pesquisa Question Marx, que procura contribuir com a renovação do pensamento crítico. Juntos, escreveram A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal (Boitempo, 2016) e Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI (Boitempo, 2017). Colabora com o Blog da Boitempo, esporadicamente.


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