Construir mais cadeias não é a solução, diz ex-secretário de administração penitenciária




Por Juca Guimarães

Brasil de Fato | São Paulo (SP), 27 de Setembro de 2019

A superlotação dos presídios é um pesadelo vivido diariamente por milhares de pessoas em todo o Brasil. Em São Paulo, estado que concentra 1/3 da população carcerária do país, havia no último dia 27 de agosto 132.625 presos condenados cumprindo pena em regime fechado, sendo que o sistema tem apenas 76.169 vagas em 86 penitenciárias. A diferença, 62.544 pessoas a mais se amontoando nas celas do estado mais rico da federação, equivale ao estádio do Morumbi lotado.

A situação de muitos presídios, que já é grave, torna-se ainda mais crítica com a política de distribuição de detentos da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), que faz com que umas unidades recebam mais condenados do que outras.

Levantamento feito pelo Brasil de Fato a partir dos relatórios semanais da secretaria, durante três semanas no mês de agosto, mostrou 15 unidades do sistema com 3.112 vagas sobrando. No outro extremo, havia 71 unidades acima da lotação, sendo que vinte penitenciárias estavam com mil presos a mais, cada uma.
Das 15 penitenciárias com vagas, seis são femininas e não podem receber o excedente masculino. Os outros nove, no entanto, são só para homens e mesmo assim permanecem com vagas “ociosas”.

Os menores níveis de ocupação, no período monitorado pelo BdF, estavam nas unidades onde se encontram presos os membros do Primeiro Comando da Capital (PCC): Avaré 1, Presidente Venceslau 1 e Presidente Venceslau 2. No período do levantamento, eram 1.196 vagas sem ocupação nesses três presídios, o equivalente 40% da “ociosidade” total do sistema.

Em Avaré 1, com capacidade para 882 detentos, a população prisional somava 401, ou seja, 2,19 vagas por preso. Em Presidente Venceslau 1, o presídio foi construído para 781 presos e tinha 544 condenados, 1,43 vaga por preso. Na penitenciária de Presidente Venceslau 2, com porte maior e capacidade para 1.280 presos, a SAP registrou a presença de 802 detentos, ou seja, 1,59 vaga por preso.
Sem explicar diretamente a questão da “reserva de vagas” para o PCC, a Secretaria de Administração Penitenciária afirmou, em nota que, “na questão de encaminhamento dos presos às unidades, eles são separados pelo tipo de crime, periculosidade, tempo de cumprimento de pena, além do fator de proximidade aos fóruns onde correm os processos e das famílias para que se mantenha o vínculo familiar”.

Ainda na nota, a SAP informa que a política do estado para enfrentar o problema da superlotação é ampliar o número de cadeias, dentro do Plano de Expansão de Unidades Prisionais, que começou em 2011. De lá para cá, segundo a Secretaria, foram abertas mais de 20 mil vagas e inauguradas 30 unidades. Outros nove presídios estão em construção. No horizonte está também a privatização de unidades através de Parcerias Público Privadas (PPPs).
Esse tipo de solução – construir mais presídios – tem sido criticado por especialistas e estudiosos do tema, para os quais a melhor saída são as aplicações de penas alternativas, evitando o encarceramento para crimes considerados leves.

“A solução não é criar mais vagas e tentar ficar enxugando gelo. O caminho é resolver os critérios para manter as pessoas em regime fechado. A privação de liberdade deveria ser o último recurso, a última opção para quem comete crimes sem violência. Existem outras maneiras de aplicar as penas”, disse Belizário Santos Jr, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo e que foi membro do Conselho de Administração Penitenciário por três anos.
A metáfora usada por Belisário, a de que o estado apenas “enxuga gelo” quando investe em mais presídios, se confirma na prática. Das seis últimas penitenciárias inauguradas no estado de São Paulo, cinco já estão superlotadas.

Tortura

Com 82% das penitenciárias paulistas acima da lotação, o ambiente não é o adequado para a reabilitação e os presos passam por situações de tortura, com relata Deise Benedito, Especialista em Relações Raciais e Gênero, ex-perita do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e mestre em Direito e Criminologia pela UnB.

“Quanto mais as prisões ficam cheias, mais a facção se fortalece. As falhas do estado na prevenção, por meio de políticas públicas, que envolvem habitação, Saúde, educação, emprego e renda, transporte e lazer faz com que o Estado torne-se mais do que já é punitivista ao privar a população de direitos constitucionais, e os aproximando a uma marginalidade intensa”, disse.

Essa situação só fortalece o crime e aumenta a violência. Em Presidente Prudente, por exemplo, são 1.346 presos para 696 vagas. Na penitenciária de Lavínia 2, o estado mantém 2.230 pessoas numa unidade com 844 vagas.
“A superlotação é a uma das mais terríveis metodologias de tortura no sistema prisional brasileiro. Ela provoca sofrimento, tenso e intenso. Acaba com a personalidade do preso, desfigura, mata a alma”, disse.

Em 2017, o ministério da Justiça divulgou o relatório do sistema prisional brasileiro, o Infopen. Na época, eram 148,7 presos em penitenciárias por 100 mil habitantes no país.

O levantamento do Brasil de Fato mostra São Paulo essa razão, hoje, é praticamente o dobro da média nacional: 291,4 presos para cada 100 mil habitantes.

A SAP argumenta que a taxa de encarceramento está intimamente ligada à atuação das forças de segurança e do poder judiciário.

“À Administração Penitenciária cabe apenas a custódia da pessoa que recebeu uma pena diante da prática de um ato criminoso. A Pasta também não tem como responder por processos e presos que já teriam cumprido suas penas e não teriam recebido a liberdade pela justiça”, diz a nota.

FICHA TÉCNICA

Texto: Juca Guimarães | Edição: João Paulo Soares | Artes: Fernando Bertolo | Versão para rádio: Geisa Marques | Coordenação de Jornalismo: Daniel Giovanaz e Vivian Fernandes | Coordenação de Multimídia: José Bruno Lima | Coordenação de Rádio: Camila Salmázio


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