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Ainda que a Lei de Execução Penal estabeleça que a pena deve ser executada de forma progressiva, existe um impasse interpretativo: não se sabe se o sentenciado pode rejeitar a progressão da pena para um regime menos rigoroso.

Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Em carta divulgada hoje, Lula rejeita progressão de pena para o semiaberto


O caso atípico ganhou ainda mais dimensão por envolver o ex-presidente Lula. O líder petista afirmou, em carta divulgada nesta segunda-feira (30/9), que rejeita o benefício da progressão de pena proposto pelo Ministério Público Federal do Paraná.

Na petição, os procuradores afirmaram que Lula cumpriu os requisitos para progredir: tem bom comportamento e já cumpriu um sexto de sua pena no caso do tríplex do Guarujá (SP).

No entanto, a negativa do ex-presidente é incomum e divide a opinião de advogados ouvidos pela ConJur. A discussão emerge sob a ótica de que a liberdade é irrenunciável e, portanto, Lula não poderia negá-la, como avalia o jurista e professor de Direito Constitucional Lenio Streck.

Para ele, "trata-se de um direito que, pela tradição constitucional, não está disponível". "É como um HC; não se pode desistir de Habeas Corpus. Não se pode renunciar à liberdade."

"Todavia, tratando-se de todo o entorno do processo que o condenou —estando o processo que o condenou sob forte suspeita de parcialidade—, o ex-presidente pode, quem sabe, estar inaugurando a desobediência civil. Não seria a primeira vez na história. Nossa Constituição Federal alberga implicitamente esse direito no parágrafo segundo do artigo 5. A ver", diz Lenio.

O entendimento geral dos advogados é que a progressão em estágios é recomendável justamente para expiração da pena, em especial para a etapa de ressocialização. Para eles, a decisão sobre a progressão ficará a cargo interpretativo da juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, responsável pela execução penal do ex-presidente.

A análise é também de que Lula não pode rejeitar especificamente a progressão, mas sim negar ou descumprir as medidas cautelares, como não trabalhar ou não usar tornozeleira eletrônica. Assim, permaneceria em regime fechado, pontua o advogado e professor Alberto Zacharias Toron.

"Se essas condições não forem cumpridas, o condenado volta ao regime mais grave. Só que não seria prudente um juiz conceder a progressão contra a vontade da pessoa, e esperar ele descumprir alguma condição para voltar. Então se o condenado recusar a cumprir as condições, o juiz nem poderia prosseguir na concessão da progressão", afirma o criminalista João Paulo Martinelli.

O constitucionalista Pedro Estevam Serrano interpreta que Lula pode renunciar à progressão porque a lei prevê essa progressão como um direito e não um benefício concedido pelo Estado. "No plano prático, o semiaberto exige o cumprimento de alguns requisitos, como entrega de passaporte, uso de tornozeleira, e Lula pode se negar a cumprir esses requisitos", afirma.

Serrano é categórico em dizer que o caso é "absolutamente inusitado": "o acusador pede para o réu sair e o réu não quer! Isso, claro, é sintoma de um processo político, e não jurídico".


No mesmo sentido, o criminalista Fernando Castelo Branco afirma que Lula pode negar a progressão, já que é um direito do preso e não um instituto compulsório que obriga o sentenciado a aceitá-lo.

"O Estado oferece, e se o sentenciado não aceitar, o Estado não pode obrigá-lo a isso. Ele continua preso cumprindo pena e, claro que, se a pena terminar, a pessoa compulsoriamente é colocada em liberdade", defende.

Ponto sem nó

A questão desencadeia outros questionamentos, como, por exemplo, se o Estado é obrigado a manter no sistema uma pessoa que tem o direito e cumpriu os requisitos, mas não deseja a progressão. "A lei é omissa, não há uma disposição sobre a faculdade de se aceitar ou não a progressão de regime", diz a criminalista Maitê Cazeto Lopes.


Reprodução/Twitter/Bê Rodrigues
Lula livre, mas não a qualquer preço ou a qualquer custo, diz Marco Aurelio Carvalho

O advogado especialista em Direito Público Marco Aurelio Carvalho afirma que o ex-presidente tem o direito de abrir mão da progressão do regime “de sua arbitrária e criminosa prisão". Segundo Carvalho, a decisão de Lula é corajosa e ratifica a "confiança na revisão de seu processo e na confirmação de sua inocência".

Já Adib Abdouni, criminalista e constitucionalista, afirma que o único regime de cumprimento do qual o sentenciado não pode negar é o aberto. "O semiaberto é um benefício que é dado a quem está cumprindo uma pena e ele pode negar o benefício. Se a progressão fosse no regime aberto, ele seria obrigado a sair."

O advogado levanta ainda a questão dos custos para o Estado na manutenção do preso. No caso de Lula, como ex-presidente, ele tem prerrogativas decorrentes do cargo exercido.

De acordo com o criminalista Wellington Arruda, mesmo que o juízo tem a obrigação de garantir ao preso sua progressão para um regime mais brando, ele "não tem a discricionariedade de optar em não progredir, salvo em casos absolutamente excepcionais", afirma, citando o caso de Suzane von Richthofen, que alegou que temia sua vida caso fosse para o semiaberto.

Seletividade do MP

Ainda que entenda as razões alegadas por Lula, o criminalista Augusto de Arruda Botelho diz que a progressão de regime, "além de um direito do réu, é um dever do Estado, no sentido de que ela é uma forma de reinserir o preso aos poucos na sociedade".

Ele se espanta com a atenção dispensada pelo Ministério Público neste caso, enquanto milhares de pessoas que continuam presas são ignoradas. Segundo Botelho, o órgão vem "há anos fechando os olhos para situação caótica do sistema penitenciário brasileiro".

"Temos dezenas de milhares de presos com direito a progressão de regime que mofam nas cadeias sem que o Ministério Público e a Justiça façam absolutamente nada. Aproveitando que o MP, mesmo sem um pedido, fez isso, eu sugeriria que eles adotassem a mesma medida para todos os presos que têm esse direito", diz.

 é repórter da revista Consultor Jurídico
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2019, 21h32

ConJur

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