Pedro Veríssimo 

O médico e psicanalista Wilhelm Reich (Foto: Reprodução)

A política é um exercício de operar com os afetos. Hobbes já falava do medo como uma espécie de cola social que poria fim ao todos contra todos. Afeto que justificaria o monopólio da violência pelo Estado. Mas todo medo vem acompanhado de seu par, a esperança, defendeu Spinoza.

Medo e esperança. Um par que justificou mais de vinte anos de regime autoritário no Brasil. Lembro de uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança (2017), que constatou que para 60% dos brasileiros, a maioria de nossos problemas sociais estaria resolvida se pudéssemos nos livrar das pessoas imorais, dos marginais e pervertidos. Sempre um medo para chamar de nosso e justificar líderes valentes em que o povo possa confiar.

Freud falava dessa crença na autoridade, intolerância e confiança de sua força que as massas nutriam de si mesmas. “Ela respeita a força (…) O que ela exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência”. Mas será suficiente essa explicação para justificar a naturalização de parcela da sociedade a regimes autoritários?

É claro que há uma série de respostas, mas a mesma pesquisa dá um caminho possível: 81% dos entrevistados concordam que “a obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes que devemos ensinar a nossas crianças”. Essa é uma chave importante para entender os movimentos que antecederam e permearam o golpe de 1964. Pois como sentenciou Wilhelm Reich, “a família é o estado autoritário em miniatura”.

Parece haver uma relação direta com esse modelo de família e os períodos de autoritarismo. Afinal, foi em “defesa da família tradicional” que marcharam os apoiadores do golpe de 64 e de 2016. As “marchas” são exemplos de como uma instituição onde “a criança deve aprender a se adaptar, como uma preparação para o ajustamento geral que será exigido dela mais tarde” exerce papel fundamental na manutenção de regimes autoritários.

Reich destaca, dentre outros temas, a adesão do homem médio ao fascismo e a importância da família nas escolhas baseadas no medo e na repressão. Segundo ele, “temos de considerar a família como a principal célula germinativa da política reacionária (…) Tendo surgido e evoluído em consequência de determinados processos sociais, a família torna-se a instituição principal para a manutenção do sistema autoritário que lhe dá forma”.

É claro que não podemos jogar todo o peso da repressão àquilo que chamamos de família. Mas excluí-la do problema é igualmente ineficiente, pois permeia por todo regime autoritário o discurso de proteção à família tradicional. E não por acaso o atual governo usa dos mesmos argumentos para justificar políticas autoritárias. Por isso o medo de qualquer discussão que envolva trabalho doméstico, machismo, lugares de poder e gênero. Mas é por isso também, que discuti-la é nossa obrigação.

Pedro Veríssimo, 29, é publicitário, em São Paulo. Mestre em Comunicação e Semiótica com a dissertação “Arautos da crise: a cobertura da operação Lava-Jato em Veja e CartaCapital”


Revista Cult

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