Seria ótimo derrubar proto-fascista instalado no posto de maior poder do planeta. Porém, ação aberta ontem pode ser atalho para frear a avanço da esquerda e recompor o casamento do Partido Democrata com a plutocracia americana

Crise Civilizatória
por Antonio Martins




Por Paul Street

O processo de impeachment contra Donald J. Trump está aberto. O que fazer dele? É difícil não gostar de ver o Perverso contorcer-se e atacar como uma fera ferida. Não há humilhação pública suficiente para essa caricatura patética de ser humano, esse ser racista, sexista, ecocida e fascista que coloca o mundo em risco com sua presença no cargo mais poderoso. O regime racista, sexista, xenófobo e plutocrático de Trump causou grandes danos às regras básicas democráticas e humanas, à decência civilizacional, à justiça social e perspectivas de um futuro decente. Tudo isso torna impossível a qualquer pessoa de esquerda ou progressista que se preze não querer vê-lo cair em desgraça e ser removido do poder. O regime Trump-Pence deve ser forçado a deixar o cargo o mais rápido possível.

Mas como, por que razões, e com que tipo de visão do futuro? O impeachment requer dois terços do Senado, majoritariamente republicano. As chances de remoção são baixas. E ela teria de ser precedida ou seguida da remoção do vice-presidente Mike Pence, um fascista cristão que está programado para ascender à Casa Branca depois da saída de Trump, segundo as regras da Constituição dos EUA.

A melhor maneira de remover Trump não é meramente através de procedimentos projetados por uma elite de ricos proprietários de escravos do século XVIII, negociantes capitalistas e publicitários para quem a democracia era o maior pesadelo. É através de uma rebelião de massa, sustentada por aquilo que a classe dominante norte-americana mais teme: Nós, o Povo, a maioria trabalhadora. Deveríamos nos mobilizar para derrubar esse regime da mesma maneira que o povo de Porto Rico expulsou seu governador corrupto e racista, Ricky Rosello; da mesma forma que o povo de Hong Kong obteve a revogação de uma lei de extradição autoritária e as massas da Argélia derrubaram um regime autoritário no ano passado.

Não podemos deixar que o espetáculo do impeachment mantenha milhões sentados diante de telas brilhantes para saber como o desastroso sistema bipartidário dos EUA, a mídia corporativa e uma Constituição ultrapassada “trabalham” pela democracia e pelo bem comum. Eles não fazem tal coisa.

As eleições presidenciais a cada quatro anos, centradas em candidatos muito ricos e na grande mídia, alimenta uma desmobilização de massa fatal. O carnaval do impeachment poderia ser até pior para manter as pessoas fora das ruas, coladas na tevê e apegadas à falsa crença de que podemos construir um futuro decente sem mobilizar e organizar o que Martin Luther King identificou corretamente como o “verdadeiro problema a ser enfrentado” – “a reconstrução radical da própria sociedade”.

Trata-se de uma sociedade à beira de uma catástrofe ambiental irreversível e da conquista autoritária final, graças à desigualdade selvagem do capitalismo de Estado, tão extrema que os três norte-americanos mais ricos possuem fortuna maior do que os recursos da metade da população do país.

Impeachment apenas pelo UcrâniaGate? Pelo fato de Trump usar o apoio militar norte-americano para chantagear um governo estrangeiro e desenterrar sujeiras daquele que ele imagina ser seu próximo concorrente à presidência, o magnata de direita Joe Biden? A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, parece querer fazer desta a única causa para impeachment, porque o UcrâniaGate parece fácil de entender, ao contrário do RussiaGate. Mas os republicanos e a máquina barulhenta da direita irão assegurar que não será simples assim. Contra-atacarão com teorias da conspiração sobre Biden e seu filho, e-mails de Hillary e o Dossiê Steele, etc. Limitar o escopo do impeachment ao UcrâniaGate é um mascaramento. Um site ativista fornece a seguinte lista assustadora de ofensas pelas quais Trump merece um impeachment: violação à Constituição sobre emolumentos domésticos; violação à Constituição sobre emolumentos estrangeiros; incitamento à violência; interferência nos direitos de voto; discriminação com base em religião; guerra ilegal; ameaça ilegal de guerra nuclear; abuso do poder de perdão; obstrução de justiça; politização da justiça; conspiração contra os EUA junto a um governo estrangeiro; fracasso na razoável preparação de resposta aos furacões Harvey e Maria; separação de crianças e bebês das famílias; tentativa de influenciar ilegalmente uma eleição; fraude fiscal e declaração pública falsa; ataque à liberdade de imprensa; apoio a um golpe na Venezuela; declaração inconstitucional de emergência; instrução à patrulha de fronteira para violar as leis; recusa a cumprir intimações; declaração de emergência sem fundamento para violar o desejo do Congresso; proliferação ilegal de tecnologia nuclear; remoção ilegal dos Estados Unidos do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário.


Medhi Hasan, no site Intercept, levanta uma excelente questão, sugerindo como o impeachment de uma nota só “pode acabar em derrota”. Ele explica:

“Esperar tanto tempo para impedir, apenas por sua interação com o presidente da Ucrânia, um presidente imprudente, descumpridor da lei, racista e que evade impostos seria como a Câmara democrata dar efetivamente a Trump um atestado de saúde em tudo o mais … Esses democratas acham que o público é idiota? Poucos contestariam a singularidade ou seriedade dessas revelações sobre a Ucrânia. Mas estão de fato dizendo que ‘todo mundo entende’ o toma-lá-dá-cá de Trump com o presidente de um país estrangeiro e os detalhes do caso específico que envolve Hunter Biden, mas não o pagamento ilegal e secreto de dinheiro a uma estrela pornô? Todo o comportamento corrupto exposto diante de seus olhos? As ações descaradas em benefício próprio? Leia qualquer pesquisa. A maioria dos norte-americanos concorda com os 1.000 ex-promotores federais, para os quais o presidente obstruiu a justiça. Também não acredita que o relatório Mueller tenha inocentado Trump. A maioria ainda concorda que Trump é um racista e um mentiroso, e que a corrupção aumentou sob seu governo. Trump é um presidente historicamente impopular e antipatizado – e por várias razões. ”
Nunca se deve esquecer da crítica de Noam Chomsky, sobre impeachment de fato e a renúncia de Richard Nixon: Watergate tratava da quebra das regras da classe dominante por Nixon ao assaltar desnecessariamente a sede das candidaturas do outro grande partido imperial. As audiências de Watergate omitiram os bombardeios assassinos em massa de Nixon e Kissinger no Camboja, Laos e Vietnã, o apoio criminoso de Nixon e Kissinger a um golpe fascista no Chile e a cruel repressão do Estado policial de Nixon aos movimentos antirracistas e contra a guerra. Os maiores crimes de Nixon não foram ventilados e permaneceram impunes. Não é apenas que Nancy Pelosi deseje afastar Trump por apenas uma de suas muitas ofensas. É também o enquadramento profundamente conservador e imperial do crime de Trump, segundo ela e seus colegas democratas corporativos-imperiais: pôr em risco a assim denominada segurança nacional dos Estados Unidos ao introduzir desajeitadamente o seu próprio interesse político na tarefa, supostamente nobre, de “defender” os Estados Unidos e o Ocidente ao armar o regime de direita da Ucrânia, repleto de elementos neofascistas escandalosos e desonestos.

Há muito os Estados Unidos usam assistência militar e econômica para praticar extorsão e suborno de outros países. “Faça o que dizemos”, diz a mensagem mafiosa, “ou o tio Sam o elimina”. Isso sempre foi praticado pelos democratas e não menos que pelos republicanos. Em janeiro de 2018, o então vice-presidente (de Barack Obana) Joe Biden gabou-se ao Conselho de Relações Exteriores por ter, como vice-presidente dos EUA, suspendido o empréstimo de US $ 1 bilhão à Ucrânia até que o país concordasse em demitir um promotor que os europeus, juntamento com o Fundo Monetário Internacional e Washington, consideravam corrupto (isto é, contrário dos interesses neoliberais).

Trump não está encrencado por coagir a Ucrânia: os Estados Unidos intimidam e pressionam nações mais fracas o tempo todo. Trump não caiu em desgraça porque introduziu tão obviamente seus próprios interesses políticos na coerção costumeira. Suborno e extorsão, armas padrão da política imperial dos EUA, não devem ser usados para autopromoção política e para estimular influência estrangeira nas eleições dos EUA. A política externa dos EUA tem a ver com o domínio burguês e imperial, e não com um avanço pessoal neofeudal ou fascista.

Mas mesmo se seu escopo fosse ampliado, o impeachment não representaria uma revolta popular contra as estruturas de opressão do nosso tempo, que agora colocam uma grave ameaça existencial à sobrevivência humana (observe como a história do impeachment derrubou completamente, do circuito da mídia, a questão ambiental levantada pela gigantesca Greve Global pelo Clima). Muito pelo contrário: é um processo de elite projetado pelos “pais fundadores“ dos EUA – proprietários de escravos que consideravam a política uma reserva especial dos proprietários, não da “ralé”.

Nós, do lado de fora da porteira, queremos colocar a “multidão” em massa nas ruas para enfrentar não apenas Trump e Pence, mas também o sistema bipartidário mais amplo, do qual o regime de Trump e o trumpismo são parte e sintoma. Trump é detestável, claro. Mas também o fascista cristão Pence e o sistema bipartidário de dominação de classe e imperial que propicia o crescimento de forças monstruosas brancas-nacionalistas. Os democratas, descritos com precisão por Upton Sinclair em 1904 como uma das “duas asas da mesma ave de rapina”, não são anjos. Observe este relato da rede de negócios corporativos CNBC:

“Os doadores democratas de Wall Street advertem o partido: ‘Iremos cair fora, ou apoiar Trump, se vocês designarem Elizabeth Warren candidata. Em entrevistas recentes com vários doadores democratas muito ricos e arrecadadores de fundos entre empresários, a CNBC descobriu que essa opinião está se generalizando, à medida em que Elisabeth Warren cresce contra Joe Biden. Os doadores de Wall Street e das grandes corporações estão preparados para sair da campanha de arrecadação de fundos para a campanha presidencial – ou até mesmo para apoiar o presidente Donald Trump – se a senadora Elizabeth Warren vencer a disputa interna do partido’. ‘Quero ajudar o partido, mas ela vai me prejudicar, então vou ajudar o presidente Trump’ “, disse um executivo-sênior do mercado financeiro, que falou sob condição de anonimato com medo de retaliação.
Leia novamente esse relato e pense bem nele: “vários” financiadores de eleições do Partido Democrata estão com o neofascista Trump não só contra Bernie Sanders, mas até mesmo contra a autodeclarada “capitalista” e democrata de centro-esquerda Elizabeth Warren!

Ao mesmo tempo, não se deve permitir que o impeachment espalhe ou reforce a lealdade popular a uma Constituição ultrapassada e autoritária criada por ricos proprietários de escravos, negociantes capitalistas, advogados e publicistas de elite para quem a soberania popular era um anátema. Sob esse documento, antigo e propositalmente antidemocrático, “Nós, o Povo” nem sequer elegemos o presidente dos Estados Unidos por meio de uma votação popular majoritária direta. Nossa palavra sobre quem ocupa o posto mais poderoso do mundo está restrita a dois minutos uma vez a cada quatro anos. É quando os cidadãos altamente suspeitos fazem marcas ao lado dos nomes que foram geralmente selecionados com antecedência pelos poucos ricos. A Constituição dos EUA, profundamente conservadora, requer dois terços de maioria do Senado para remover o presidente depois do impeachment do Congresso. Essa é uma barreira extremamente alta, e por isso nenhum presidente jamais foi removido através da cláusula de impeachment (Nixon, abertamente criminoso, teria sido, se não renunciasse antes). Também por isso, é muito difícil imaginar o atual Senado (dominado pelo Partido Republicano, xenófobo e branco) removendo o Trump antes que ele seja exibido na TV comendo crianças imigrantes vivas.

Alterar a Constituição é propositadamente muito difícil, sem guerra ou revolução (já passou muito tempo desta última). Este texto antigo e autoritário não merece mais legitimação do que o sistema capitalista e imperial norte-americano, que há muito protege quem o ajudou a incubar.

Não se pode permitir que o impeachment se torne aquilo que o grupo de esquerda Recuse o Fascismo (RF) chama corretamente de “um outro meio pelo qual os milhões que odeiam o que está acontecendo sejam sugados para outro jogo de espera, à medida em que o regime Trump/Pence aterroriza mais gente”. O RF está certo: “não será possível nenhuma visão de futuro positivo para a humanidade enquanto esse regime permanecer no poder. Esperar até 2020 é inadmissível. Protestos não violentos e contínuos precisam ser organizados e iniciados o mais rápido possível.”

Aqui é importante notar que o impeachment é um mobilizador para a massa horrenda e armada dos nacionalistas brancos Amerikaners. É também um grande incentivo para o próprio Trump fazer algo asqueroso: iniciar uma guerra com o Irã, invadir a Venezuela, inventar uma nova ameaça terrorista, estimular alguém de seu exército de sniperes racistas e/ou flertar com “fogo e fúria” termonucleares. Devemos todos ficar de olho em como esse monstro pode se comportar. Ele está enlouquecido e ferido, mas tem cartas horríveis em seu baralho diabólico.

Sentar e esperar que os senhores e sua santa Constituição consertem as coisas é um grande erro. Precisamos urgentemente mobilizar o povo para derrubar esse regime neofascista e o terrível sistema capitalista e imperial que o originou.

Antes do “escândalo da Ucrânia” estourar, pensei que poderia chegar um momento muito esperado de mobilização em massa, se Trump se recusasse a sair depois de ser derrotado nas eleições de 2020. Agora, acho que talvez possa ocorrer o mesmo se o líder do Senado, Mitch McConnell recusar-se a abrir um julgamento contra Trump, depois da Câmara abrir o impeachment. Se Mitch estava disposto a encerrar uma audiência sobre uma nomeação de Obama à Suprema Corte, ele certamente tentará evitar o julgamento de Donald Trump no Senado, após a decisão da Câmara.

Mas não se trata de bola de cristal ou de esperar que as elites se mexam. A hora é agora para organizar e agir contra esse regime e o sistema letal que o produziu. Na ausência de pressão mobilizada de baixo, as maquinações das elites manterão as coisas como estão, com consequências desastrosas.

Chore pelo que os senhores fizeram deste mundo e então organize, organize, organize. Precisamos levar a divisão atual entre ao decrepitude do país e o establishment ecocida do que quer o reinado dos investidores financeiros. Eles estão literalmente arruinando os Estados Unidos e o planeta inteiro. Somente um movimento grande e persistente, de milhões de pessoas, pode provocar a crise política real de que necessitamos.


Outras Palavras

Comentário(s)

-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;

Postagem Anterior Próxima Postagem

ads

ads