O ex-candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, em artigo deste sábado (30), afirma que o direito nada mais é do que a afirmação do poder da classe dominante. Segundo o texto do petista, trata-se de “garantia” suscetível ao sabor do vento e do interesse da classe que estiver no comando do País.

Juristas e direito pátrio mudam a depender de quem eles estão próximo de alcançar.

Impensável que viesse de um general dissidente do bolsonarismo aula de direito constitucional aos juristas autoritários brasileiros, sempre de prontidão para prestar serviços obscuros a governos golpistas e que parecem ter Francisco Campos como patrono.

Sem sua erudição, pretendem rasgar mais uma Carta Magna: aquele, as de 1934 e 1946, seus áulicos, a de 1988 —como se esta já não tivesse sido maltratada. Diferentemente de Campos, porém, que punha uma carta no lugar da outra, seus aprendizes querem fazê-lo por meio de interpretação desconforme.

Em artigo nesta Folha (“STF ou Exército?”, 9/5), recuperei o debate sobre o “poder moderador” na Constituição de 1891. Tanto quanto o artigo 142 da atual Carta, o artigo 14 daquele diploma dava margem a dúvida sobre o papel das Forças Armadas, “obrigadas a sustentar as instituições constitucionais”. Rui Barbosa, nos seus “Comentários à Constituição Federal”, esclareceu: se coubesse às Forças Armadas, como alguns queriam, a solução de conflitos constitucionais, elas, e não o STF, seriam o Supremo Tribunal da legalidade, e aqueles se resolveriam, não pela toga, mas pelas armas.


Vale nota de aplauso, portanto, ao general Santos Cruz, que em artigo em O Estado de S. Paulo (28/5) argumentou: “a busca de harmonia é obrigatória aos três Poderes. É uma obrigação constitucional. As diferenças, o jogo de pressões e as tensões são normais na democracia, e as disputas precisam ocorrer em regime de liberdade, de respeito e dentro da lei”.

Sobre o inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal para apurar crime de calúnia e difamação nas redes sociais contra a corte —tema do atual conflito “legal” entre Bolsonaro e o STF—, valho-me da boa manifestação do então advogado-geral da União, sucessor de Moro no Ministério da Justiça.

Em 19 de abril de 2019 , André Mendonça afirmou textualmente que: 1) o regimento interno do STF —que prevê abertura de inquérito para apurar infração à lei penal na sede ou dependência da corte— tem força de lei e goza de presunção de constitucionalidade; 2) a privatividade que a Constituição conferiu ao MP para a propositura e o manejo da ação penal pública não se estendeu às investigações penais; e que 3) considerando que os atos investigados são praticados pela internet, o conceito de “sede” ou “dependência” abrange a jurisdição da própria corte, ou seja, todo o território nacional.

A mudança de postura do atual ministro da Justiça é, portanto, incompreensível por critérios jurídicos.

O direito pátrio, historicamente, teima em se metamorfosear a depender de quem ele está próximo de alcançar, assim como alguns juristas.


*Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo. Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 30/05/2020.

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