por Thais Bernardes

Por que a morte de George Floyd comove tanto a elite branca brasileira que possui renda 74% superior, em média, em relação a pretos e pardos (segundo dados do IBGE), e as nossas mortes negras parecem fazer parte do noticiário cotidiano?

Precisou um homem negro ser assassinado por asfixia nos Estados Unidos para que o Brasil, um um país onde um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos, segundo dados da Organização das Nações Unidas, se mobilizasse contra o genocídio da população negra.

Há uma semana a imprensa do Brasil e do mundo cobre as manifestações antirracistas que explodiram nos EUA desde a morte de George Floyd, morto sob o joelho de um policial branco. Há duas semanas 12 pessoas foram assassinadas no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Três dias depois, um adolescente negro de 14 anos foi executado pelas costas com um tiro de fuzil, dentro de casa, também no Rio de Janeiro. Por que a morte de George Floyd comove tanto a elite branca brasileira que possui renda 74% superior, em média, em relação a pretos e pardos (segundo dados do IBGE), e as nossas mortes negras parecem fazer parte do noticiário cotidiano?

Almoçamos assistindo a morte de pessoas negras, é isso que passa no jornal de 12h na TV brasileira. Na hora do almoço a carne está no prato (daqueles que podem), mas também no chão de muitas favelas, enquanto a classe média assiste tudo isso sentada à mesa. O que faz com que uma parcela da sociedade ignore diariamente as mortes que acontecem há poucos quilometros de suas casas, nas favelas onde moram seus empregados, mas se mobilize, mesmo que seja apenas nas redes sociais, quando um negro é assassinado na América do Norte?

A letalidade policial no Brasil é cinco vezes maior que nos EUA. Um levantamento colaborativo feito pelo jornal britânico The Guardian, revelou que 1.093 civis morreram pelas mãos de policiais em 2019 nos EUA. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o Brasil teve pelo menos 5.804 pessoas mortas por policiais em 2019. Onde estava a classe média e a elite brasileira que não criaram hastags, não postaram “vidas negras importam” e nem se deram conta de que os nossos morriam?

(Maria Oswalt/Unsplash)
(Maria Oswalt/Unsplash)

A luta antirracista não é um fenômeno, uma moda, algo que vem importado das Américas como se fosse um novo modelo de celular e nós descobrimos, de uma hora para outra, que o racismo mata. No Brasil o racismo sempre matou. Matou nas senzalas, no tronco, na superlotação das cadeias onde a maioria dos dententos (64%, segundo dados do Ifopen) é negra, na falta de saneamento básico das favelas, no sucateamento das escolas públicas, na falta de leitos hospitalares do Sistema Único de Saúde. É o que o filósofo camaronês Achille Mmembe chama de necropolítica, quando o Estado não mata, ele deixa morrer. É o que eu chamo de ‘comoção seletiva da branquitude’, quando não atinge os mais ricos diretamente, eles fingem que nem vêem. Mas quando a morte vem importada e com hastag em inglês, rapidamente eles se solidarizam.

Ser antirracista é entender que o racismo é estrutural e estruturante em nossa sociedade. É entender que quanto mais clara a cor da pele, mais privilégios você terá. Dentro da luta antirracista cabe aos que possuem mais privilégios, e menos melanina, abrir caminhos e oferecer oportunidades aos que não possuem. Não por que não queremos, mas por quê esses direitos foram historicamente negados para nós população negra. Ser antirracista é nunca mais querer almoçar assistindo pela TV a nossa carne no chão da favela.

Thais Bernardes é jornalista, ativista e fundadora do coletivo de jornalistas antirracistas Notícia Preta

Diplomatique Brasil

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