Defensorias públicas estaduais repudiam judicialização, “contrária à missão constitucional”, do programa de trainee para negros. PT e movimentos acionam corregedoria contra o defensor
Por Redação RBADivulgação
São Paulo – Para a advogada Aline Andrade, a ação civil pública contra o programa de trainee exclusivo para candidatos negros do Magazine Luiza “parece uma coleção de juntados” das redes sociais. “Qualquer pessoa insensata poderia ter escrito.” A advogada se refere à decisão do defensor público federal Jovino Bento Júnior que, nesta terça-feira (6), protocolou a ação em tutela de urgência.
Lançado em setembro, o programa foi considerado “ilegal” pelo defensor. Bento Júnior classificou a iniciativa como “marketing de lacração” e agora pede R$ 10 milhões de reparação à empresa por danos morais coletivos. De acordo com a Aline Andrade, no entanto, a ação “não tem nenhum compromisso com a técnica jurídica”. E responde a uma política de ação afirmativa “que já passou por análise e crivo constitucional“.
Sem respaldo na lei, o defensor cita, por exemplo, artigo de um blog de extrema direta. Assim como tuítes do presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, autodeclarado “de direita, antivitimista, inimigo do politicamente correto”. “A leitura da peça nos assusta”, comenta Aline em entrevista à Rádio Brasil Atual.”E nos assusta porque é uma pessoa que passou por um concurso tão difícil, disputado, mas que, com tamanha vontade de criticar uma política de promoção de igualdade racial, ele inclusive se esqueceu da técnica jurídica para escrever a peça”, contesta.
Defensores repudiam ação
A ação do defensor federal também foi muito criticada nas redes sociais, como mostrou a RBA. A própria Defensoria Pública da União soltou nota de esclarecimento, defendendo a política de cotas. No documento, o órgão destaca que a medida “constitui-se em forte instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras discriminação”, escreveu a Defensoria.O que confirma que a ação de Jovino contra o programa de trainee do Magazine Luiza “não tem nenhuma base jurídica”. A DPU justifica que, apesar da falta de respaldo legal, os defensores se baseiam no “princípio da independência funcional”. Por isso não dependem de prévia análise de mérito ou autorização hierárquica superior. A advogada adverte, contudo, “que também não é possível propor uma ação contra o que já foi dito como constitucional na legislação brasileira. Isso está fora da independência funcional”, afirma.
O Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege) concorda com a avaliação. A entidade, que reúne todas as Defensorias Públicas estaduais, emitiu nota também repudiando a judicialização do programa de trainee. Para o Condege, ela “foi promovida de forma isolada” e “atenta contra os direitos fundamentais da população negra brasileira e desconhece interpretação constitucional”.
Movimentos acionam corregedoria
De acordo com Aline, o caso deve ser encaminhado agora para a corregedoria, que tem o dever de aparar os excessos e ações cometidas contra as leis. O PT já declarou nesta quarta (7) que entrará com representação na corregedoria da DPU contra o defensor. A advogada reforça que o objetivo é que o processo “seja julgado improcedente e ilegítimo para impedir essas ações ilegais”. “A crítica do movimento negro e da Coalização Negra por Direitos, que também está se manifestando, não é o fato dele ter uma posição diferente. É o fato dele estar criticando uma política que tem base, fundamento legal e que foi constitucionalmente aceita pelas instâncias democráticas nesse país”, reforça Aline.A advogada ressalta ainda que, qualquer conceito baseado numa ideia de “racismo reverso” é equivocada, ainda mais quando aplicada no âmbito jurídico. Para que a “falácia” fizesse o mínimo de sentido, a “história teria que voltar no século 15”, observa.
“Ao invés de o sistema de escravidão ter sido feito pela Europa, para benefício da Europa, ele precisaria ter sido feito pela frica com a escravização de pessoas europeias. Teríamos que construir todo um sistema jurídico, político e religioso que permitisse a escravização e a desumanização de determinados seres humanos, como aconteceu com os africanos. E (teríamos também que) construir mais ou menos 300 anos de história de exclusão dessa população que está na diáspora africana”, ironiza a advogada.
Confira a entrevista da Rádio Brasil Atual
Redação: Clara Assunção
Rede Brasil Atual


Postar um comentário
-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;