por Igor Venceslau


Na América Latina e Ásia, explodiram lutas por direitos sociais — como as manifestações gigantes e potentes da Colômbia. No Norte global, a ênfase é no trabalho. Mas a direita também se mexeu (e no mundo todo) contra os lockdowns

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Por Igor Venceslau, na coluna Outras Cartografias

Dezenove é o número oficial de pessoas mortas esta semana pela repressão violenta da polícia contra os protestos populares na Colômbia. A proposta de reforma tributária, cuja austeridade tornaria a vida dos mais pobres ainda mais difícil, foi retirada de pauta no legislativo do país, mas as vítimas do já denominado “massacre de Cali” soma-se ao número exorbitante de óbitos durante a pandemia na América Latina. Este não é, contudo, o único caso de protesto desde que a covid-19 se tornou uma palavra-chave da política mundial.

Ao contrário do que poderia sugerir o contexto excepcional no qual estamos – ainda – atravessando, protestos presenciais nas ruas das grandes cidades não deixaram de ocorrer. O que mudou, isso sim, foram os motivos desses protestos, muito mais alinhados, agora, aos conflitos e problemas cotidianos agravados pela pandemia. Os dados são do Civicus, organização sediada na África do Sul que monitora ações da sociedade civil em todo o mundo e que vem identificando países onde ocorrem manifestações significativas (de grande alcance nacional) relacionadas a temas que emergiram da pandemia.

Entre fevereiro de 2020 e janeiro de 2021, vários países conviveram com protestos relacionados a direitos trabalhistas, ainda mais agravados na atual conjuntura, com a entrada massiva de trabalhadores no desemprego e na informalidade, acompanhada da ausência de medidas ou da lenta resposta dos governos. Apesar da ocorrência em todos os continentes, é preciso ressaltar que esses protestos por motivação de trabalho ocorreram principalmente nos chamados países capitalistas centrais, sobretudo na América do Norte e Europa Ocidental. Mesmo que fatores como liberdade de manifestação e grau de sindicalização diferenciem os países, não é tarde para relembrar que um dos principais problemas dos centros ocidentais de acumulação de capital é, hoje, a crise do trabalho.

Em maior número têm sido os protestos por direitos sociais, aí incluídas as medidas de proteção como auxílios em dinheiro e alimentação, previdência, moradia, saúde e educação, cuja ocorrência diminui significativamente na Europa e se capilariza na América Latina, África e Ásia, continentes que abrigam a maioria da população do planeta. Aqui, o direito à saúde pública universal emerge como uma agenda global prioritária.

Há ainda um outro conjunto de protestos que reuniram pessoas em torno de outras causas, como o apoio a refugiados, migrantes e presos políticos, e contra a escalada da violência policial, que ficaram marcados pela massiva divulgação do Black Lives Matter estadunidense, mas que não se resumiu a esse evento.

Mas nem sempre os protestos são, digamos, progressistas. Em número de países, o tipo de protesto mais notificado foi justamente aquele que reunia pessoas contra as medidas de distanciamento social, aí incluídos o fechamento de comércio, a suspensão de atividades presenciais e os chamados lockdown. Também ocorreram em todos os continentes, mas especialmente nas regiões com atividade econômica mais robusta e um maior descontrole da pandemia. Contraditoriamente, Europa e Américas, justamente onde a escalada de casos e mortes por Covid-19 foi exponencial, conviveram com inúmeras manifestações pedindo o fim do distanciamento, em várias ocasiões por setores da classe média e do empresariado, apesar das recomendações das autoridades e organismos de saúde.

Nesse sentido, o Brasil tem sido um caso emblemático. Pioneiro nos protestos contra o distanciamento e medidas de fechamento do comércio, o país conviveu quase mensalmente com manifestações relevantes nas principais metrópoles, em oposição à rarefação de manifestações por direitos sociais e trabalhistas em grande escala, se acomodando mesmo com a interrupção do auxílio emergencial. As responsabilizações do governo federal começaram a ser apuradas no Congresso nacional, mas a característica mesma de uma sociedade profundamente marcada pelo consumo (como violência) em detrimento da cidadania dá sinais de um clímax autodestrutivo.

Há outras várias maneiras de protestar que escapam a esse exercício de mapeamento. Algumas acabaram pegando carona no avanço da digitalização precária e tiveram lugar nas telas dos dispositivos conectados. São formas novas e legítimas e, como as antigas, também repletas de contradição. A música foi uma dessas forças populares indestrutíveis desse ano excepcional. Outra delas, o humor, manteve sorrisos em meio ao mar de lágrimas. Obrigado, muito obrigado Paulo Gustavo!

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