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Pesquisador que acompanha grupos de extrema direita nas redes sociais no Brasil afirma que eles estão propagando teorias cada vez mais fantasiosas e mais odiosas. Narrativas para 2022, diz, já estão preparadas.

Na rotina do pesquisador brasileiro David Nemer está ler, todos os dias, a atividade de dezenas de comunidades bolsonaristas. Em 2017, quando começou esse trabalho, eram apenas quatro grupos, todos de Whatsapp. Com o passar do tempo, ele acabou se inscrevendo também no Telegram.

"Hoje estou em 73 grupos, já que de um acaba saindo outro. Eles meio que se implodem [com o passar do tempo], e colocam convites de grupos nos próprios grupos. Uma bola de neve", conta ele.

Só a leitura desse material consome até duas horas diárias de Nemer, que tem um celular usado especificamente para o "trabalho de campo". Então ele se debruça sobre os temas abordados e produz análises acadêmicas que mostram a evolução e as transformações desses discursos da direita brasileira.

Para o pesquisador, o cenário vai além da desinformação, "que sempre existiu na política”. Naquilo que ele vem chamando de um comportamento de "milícias digitais", há o uso indiscriminado de plataformas sociais, baseadas em algoritmos, para induzir escolhas e reduzir debates e liberdade de pensamento — um modus operandi financiado por grupos de empresários e verbas que seriam de gabinetes parlamentares, conforme ele aponta, em entrevista à DW Brasil.

Graduado em ciências da computação e administração e PhD em antropologia, Nemer é professor no departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. 

DW Brasil: Como você faz para monitorar esses grupos bolsonaristas?

David Nemer: Tenho um celular específico para isso. Desde o fim de 2017, estou em grupos que são políticos, bolsonaristas. Principalmente Whatsapp mas, devido a um movimento recente, também Telegram. Muita gente fala que sou infiltrado, mas não, eu recebi esses convites para ingressar, o link para fazer parte dos grupos. Comecei em quatro, hoje estou em 73, já que de um acaba saindo outro. Eles meio que se implodem [com o passar do tempo], e colocam convites de grupos nos próprios grupos. Uma bola de neve. Passo de 1h a 2h por dia lendo os comentários desses grupos, vou tentando identificar temas e tento entender um pouco a cultura da desinformação, das milícias digitais, como eles se organizam e como funciona a difusão da desinformação. É minha abordagem teórica.

Considerando o cenário atual, de CPI e baixa popularidade do governo Bolsonaro, como você tem avaliado o comportamento dessas redes?

As redes bolsonaristas estão acuadas e na defensiva. Isso não quer dizer que não estão atacando, [mas sim que, por conta do cenário] elas ficam mais extremistas, com teorias mais fantasiosas, mais odiosas e com narrativas que não fazem muito sentido. Também há a questão da central da desinformação, o chamado gabinete do ódio, que parece não estar enviando mais ordens para as redes ou para os grupos de Whatsapp. Isso faz com que os grupos fiquem desalinhados, cada um falando uma coisa. Até meados de 2020, eles ficavam alinhados, hoje não mais. Orquestrações tenho visto em poucas oportunidades desde o fim de 2020, o que mostra que esses gabinetes centrais ou estão perdidos ou perderam o financiamento.

Você já percebe discursos preparados para as eleições do ano que vem?

Desde 2018, as redes bolsonaristas, as milícias digitais, têm a esquerda como um alvo — o Lula, o PT, o comunismo. Não é de surpreender que, hoje, com o Lula liderando as pesquisas de intenção de voto, eles dobrem a aposta nesses alvos. Esse discurso já estava pronto, é um ataque que nunca saiu das redes. O ataque novo que a gente vê recentemente é o ataque ao processo eleitoral e às urnas eletrônicas. Bolsonaro já fala insistentemente que não vai aceitar as eleições se não tiver voto impresso, embora já esteja mais que explicado que o voto é auditável, é seguro, que as eleições são seguras. É irônico falar isso, já que Bolsonaro, todas as vezes que concorreu pelas urnas eletrônicas, ele ganhou. Não teve uma eleição em que perdeu. As narrativas para 2022 já estão preparadas: dobrar a aposta no ataque ao Lula e ao PT e continuar ainda mais essa guerra contra o sistema eleitoral, o TSE e as urnas eletrônicas.

Em seu livro Favela Digital, você mostra como o acesso à internet é uma ferramenta transformadora para comunidades marginalizadas. Trazendo essa discussão para os tempos de covid-19 e de ensino à distância, como você enxerga a situação atual do Brasil?

A internet tem a potencialidade de ser transformadora, mas isso depende muito de quem a usa. Na favela, a internet acaba sendo uma ferramenta transformadora porque os moradores usam a tecnologia para esse fim. E quando a gente tem esse entendimento e contrasta isso com os números de acessos à internet no Brasil, a gente vê o quanto essas áreas continuam sendo marginalizadas. No Brasil, uma a cada quatro pessoas não tem acesso à internet. Mas nas classes D e E, apenas 57% das pessoas têm acesso à internet. Não basta só olhar esse número, porque ele conta, por exemplo, utilização por telefone, por wi-fi. A gente sabe que para ter uma experiência no mínimo aceitável de ensino à distância, a criança precisa ter um laptop ou um desktop. O tablet pode resolver um pouco. Essa não é a realidade.

A maioria do acesso nessas classes D e E é por celular e o celular não é o ideal para o ensino à distância, o que acentua ainda mais as desigualdades no Brasil e não propõe uma educação de qualidade para essas pessoas. A precariedade do ensino público brasileiro é acentuada pelas condições em que esses moradores utilizam e acessam o ensino à distância.

Como você avança essa discussão em seu novo livro, Tecnologia do Oprimido, com lançamento previsto para outubro?

Trago a abordagem de Paulo Freire [educador e filósofo brasileiro, autor de Pedagogia do Oprimido] para o livro. É resultado de pesquisas que faço nas favelas de Vitória [no Espírito Santo, terra natal de Nemer] desde 2012. É baseado na minha etnografia nas favelas de Vitória, onde mostro que os moradores de favela, que são oprimidos e resistem o tempo todo às forças de expressão, se apropriam de tecnologias que são desenvolvidas sob a premissa do opressor para achar uma certa libertação de algumas opressões.

Eu mostro que a tecnologia pode trazer mais opressão, mas também essa apropriação pode trazer uma certa libertação para os moradores de favela. A selfie, por exemplo, usada de forma supérflua nas redes sociais, é usada por eles para se comunicar, um morador com outro, sem dizer palavras explícitas, seja por medo de retaliação do tráfico de drogas, seja para até mesmo passar pela barreira do analfabetismo.

Meu livro tem o exemplo de uma pessoa que não sabia ler nem escrever mas usava selfie, postava no Facebook, para poder comunicar com a mãe que estava bem — e a mãe checava no trabalho. O livro fala sobre como eles se apropriaram de espaços tecnológicos para achar uma certa segurança, uma certa paz. Falo também sobre a tecnologia do opressor, que é justamente essa pesquisa das fake news, como o opressor também utiliza a tecnologia para trazer apoio a governos de extrema direita. Termino o livro com um capítulo chamado Tecnologia da Esperança, em referência ao livro Pedagogia da Esperança do Paulo Freire. Falo sobre a esperança de um futuro melhor, depois desse estado pandêmico e de extrema direita. Falo sobre a luta dos moradores de favela.

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