No livro 'O decênio decisivo', o pesquisador Luiz Marques reúne dados que escancaram os riscos para a vida no planeta

Igor Carvalho
brasildefato.com.br
9–13 minutos

"Não há aspectos positivos no agronegócio", crava Luiz Marques - Foto: José Medeiros / Sudeco
"Não há aspectos positivos no agronegócio", crava Luiz Marques - Foto: José Medeiros / Sudeco

A quantidade de dados sobre as causas da crise climática que assola o mundo, reunidos no livro “O decênio decisivo”, do pesquisador Luiz Marques, pode deixar até mesmo o leitor mais distraído com enormes preocupações sobre os destinos da vida biológica na Terra.

Em meio ao caos ambiental escancarado pelo livro, que é professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marques não hesita em apontar culpados e tece críticas sobre o setor da economia que considera o grande algoz do Meio Ambiente.

“Mas não é só no caso do sistema alimentar globalizado, o agronegócio é o grande inimigo do Brasil, ele destrói tudo que está na sua frente”, crava Marques, em entrevista concedida ao Brasil de Fato na última quarta-feira (5).

Para o pesquisador e professor, o decênio de 2020 será fundamental para a expectativa da vida no planeta nas próximas décadas. “O que devemos ter ao longo dos próximos anos é essa alternância de calor e enchente, além de poluição, claro. Quando temos essas secas e tudo está desmatada, você tem um Saara, que produz aquelas tempestades de areia que temos visto em várias regiões do país”, explicou.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Por quê você chegou à conclusão de que essa década é decisiva para o futuro do planeta?

Luiz Marques: Existem vários elementos que nos obrigam a chegar nessa percepção. O primeiro deles é aceleração. Estamos num processo de aceleração de tudo, e podemos começar falando da aceleração do aquecimento global. Para você ter uma ideia, de 1970 até 2010, na média global, o planeta aqueceu 0,18ºC por década. A cada cinco décadas, aqueceríamos 1ºC. Dos anos 2011 até 2050, ou seja, metade observação e metade projeção, nós devemos ter um aquecimento entre 0,27ºC e 0,36ºC por década. Ou seja, na melhor das hipóteses, a cada quatro ou três décadas temos um aquecimento de 1ºC, é um aquecimento brutal. O segundo ponto é que o processo de aquecimento engendra alças de retroalimentação do próprio aquecimento. O gelo, no Ártico, na Groelândia, em qualquer canto, mas sobretudo no oceano, ele é branco e reflete a luz, então ele não absorve energia solar, ele rebate 90% da luz solar. Quando o gelo diminui, ele é ao contrário, ele absorve 90% e rebate apenas 10%. Então, quanto menos gelo, mais oceano exposto, mais absorção de energia e diminuição de gelo. É um ciclo vicioso. Como acontece na Floresta, se você degrada a floresta, abrindo uma picada, por exemplo, você cria um efeito de borda e gera uma insolação que fica mais fácil de pegar fogo. Quando ela pega fogo, vulnerabiliza e fica mais vulnerável a pegar fogo novamente. Então, não é algo mensurável, nem mesmo em décimos de grau, é uma cadeia de eventos de aceleração.

Eu queria entender, dentro do espírito do que você me diz, que é uma década decisiva, se os resultados das últimas COPs e a postura das grandes economias do mundo lhe deixam otimista com relação aos resultados dessa década. 

Eu vou entender que não é uma piada (risos). Ao contrário, você tem 28 COPs e tivemos três grandes tratados internacionais sobre o meio ambiente. Primeiro, Tratado do Clima (1992), a Convenção Sobre Diversidade Biológica (1992) e a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (1996). Passaram-se 32 anos, de 1992 para cá, não houve nenhum progresso. Mais que isso, houve regressão acelerada. Então, nós estamos falando de um fracasso com letras garrafais. Fracassamos completamente. Como definimos o fracasso? É quando você tem uma meta e você nem mesmo se aproximou daquela meta, você se distanciou mais daquela meta. Eu chamo isso de fracasso. Por outro lado, temos uma desmoralização desses encontros internacionais. Eles não funcionam porque as corporações não são obrigadas a fazer isso. As nações não querem se comprometer. Vejam, das dez maiores petroleiras, oito são estatais. Ou seja, os países também não querem se comprometer com políticas de Estado, e o Brasil é um dos exemplos. Vamos dizer que qualquer país seja procurado para assinar um acordo. Ele fará um malabarismo para dizer que assinará, fará um suspense e aí, no último dia da COP, imprensa reunida, ele assina e é aquele carnaval, todo mundo se abraça. Depois, eles não vão cumprir e não há autoridade que os obrigue a cumprir. Se o Brasil destruir completamente a Floresta Amazônica, quem é a autoridade que interferirá na nossa soberania nacional?

Em seu livro, você fala sobre como o sistema alimentar globalizado pode contribuir para a aniquilação biológica. Você fez uma opção de usar o capítulo seguinte para falar sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos. Um fato está ligado ao outro?

O agrotóxico, na maior parte dos casos, é um inseticida e mesmo quando ele é um herbicida ele mata a planta da qual o inseto se alimenta. Nós achamos que podemos abrir mão dos insetos, mas não podemos fazer isso. O inseto é um polinizador e 90% da vitamina C que ingerimos vem de plantas polinizadas, que se não são polinizadas morrem. Nós estamos matando as abelhas e outros insetos que fazem a polinização, estamos matando os morcegos, que são polinizadores também, esses animais estão morrendo. Na China, que é um país que usa mais agrotóxico por hectare que o Brasil, as pessoas já estão polinizando manualmente as macieiras, isso é um processo de suicídio completo. A curva de aumento dos agrotóxicos no Brasil é assustadora. O Brasil usava menos de 1kg por hectare nos anos 1970, hoje usamos quase 6kg por hectare. Esses agrotóxicos são produzidos na Europa, onde esses agrotóxicos são proibidos.

Você diz que precisamos alterar o sistema alimentar globalizado. O que te incomoda nessa estrutura e qual seria a alternativa para ele?

A alternativa é clara: é o MST, é uma produção sem agrotóxicos, onde o produtor está próximo do consumidor, é uma produção que gera prosperidade para o produtor e é uma relação de cooperação entre consumidor e produtor. O modelo negativo é o agronegócio, que usa quantidades cada vez maiores de agrotóxicos, funciona à base de monocultura, usa recursos abundantes do governo para comprar agrotóxicos, ele não produz alimentos, mas sim commodities e o agronegócio é exportador, a uma distância de milhares de quilômetros, transportadas por navios, que geram um imenso impacto ambiental, por conta da emissão de gases. Além disso, o agronegócio não gera prosperidade ao produtor, ele gera riqueza para o dono do negócio, apenas. Ou seja, não há aspectos positivos no agronegócio.

Então, o grande vilão dessa estrutura que você chama de “sistema alimentar globalizado” é o agronegócio?

Com certeza. Mas não é só no caso do sistema alimentar globalizado, o agronegócio é o grande inimigo do Brasil. Ele destrói tudo que está na sua frente. Uma das razões do que aconteceu no Rio Grande do Sul é pelo fato de que a Mata Atlântica foi completamente, ou quase completamente, destruída para colocar soja ali. Se você não tem floresta, não há um esquema de esponja, a floresta é fundamental para isso.

É possível mensurar o tamanho do retrocesso para o Brasil e o mundo quanto ao governo de Jair Bolsonaro?

Em alguns indicadores, é possível. Por exemplo, uso de agrotóxicos, é brutal o aumento. O nível de desmatamento da Amazônia teve um aumento brutal, chegamos a 13 mil quilômetros quadrados, em 2012 eram 4,5 mil quilômetros. Com a Dilma Roussef, precisamos ser justos, começa a subir um pouco, mas é aprofundado com o Michel Temer e Jair Bolsonaro. O retorno da fome é outro indicador. Voltamos ao mapa da fome. Agora, você tem indicadores que são mais difíceis de mensurar, a regressão mental, o nível de estupidez que foi gerado pela máquina dos algorítimos, aumento da intolerância, essa eu acho que é uma questão importante, temos um prejuízo maior.

Nós viemos de uma pandemia [de covid-19] e estamos acompanhando uma série de enchentes em diversos estados, mas antes tivemos uma enorme onda de calor. O que você imagina que devem ser os próximos eventos para os quais o país deve estar preparado?

Nós teremos uma grande seca no estado de São Paulo, podemos voltar ao que se viveu em 2014. Mas veja, a grande questão não é a seca ou a enchente, mas a alternância de extremos. Então, você terá padrões de chuva como vimos no litoral norte de São Paulo e em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Essa perda da estabilidade do ciclo hidrológico é o grande problema. Os picos de calor no Brasil será outro problema que enfrentaremos. O norte de Minas Gerais, o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, você já tem temperaturas batendo 44ºC, quase 45ºC. O Brasil entrará na faixa dos 45ºC sem qualquer capacidade de adaptação para esse calor. O que devemos ter ao longo dos próximos anos é essa alternância de calor e enchente, além de poluição, claro. Quando temos essas secas e tudo está desmatada, você tem um Saara, que produz aquelas tempestades de areia que temos visto em várias regiões do país. Agora, em outubro, temos que eleger Câmara dos Vereadores e prefeitos melhores.

Livro de Luiz Marques traz dados sobre a emergência climática / Foto: Divulgação/Elefante

Edição: Rodrigo Chagas


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