Momento é de ‘apostar no multilateralismo’, disse negociador brasileiro sobre reunião de ‘sherpas’, preparatória para a Cúpula de Líderes


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Opera Mundi
Camila Araujo
Brasília


9–12 minutos



Camila Araujo / Opera Mundi | Embaixador Maurício Lyrio, sherpa brasileiro no BRICS, presidiu encontro com negociadores do grupo em Brasília
Camila Araujo / Opera Mundi | Embaixador Maurício Lyrio, sherpa brasileiro no BRICS, presidiu encontro com negociadores do grupo em Brasília


A governança global nesse momento é insuficiente para garantir a paz e a segurança no mundo e precisa ser reformada. Esse foi o destaque feito pelo embaixador Mauricio Lyrio em entrevista de imprensa após realização da primeira reunião de sherpas do BRICS, em Brasília, entre os dias 25 e 26 de fevereiro.

De acordo com Lyrio, que é negociador brasileiro no grupo, a própria origem do BRICS está associada à ideia de que é preciso reformar instituições, como a Organização das Nações Unidas (ONU), já que foram fundadas em um momento e sob uma mentalidade muito diferente da atual, no período pós Segunda Guerra Mundial.

“A posição do BRICS é ter um papel construtivo e positivo para reforçar essas instituições e não enfraquecê-las. [A ideia é] reformar para tornar melhor. O momento agora é de apostar mais no multilateralismo e não menos”, disse o embaixador, que foi nomeado sherpa brasileiro para o bloco em 22 de janeiro.

Os sherpas são os negociadores enviados pelos países integrantes do BRICS para conduzir discussões que culminarão com a Cúpula dos Líderes do bloco, programada para julho no Rio de Janeiro. Lyrio tem a responsabilidade de organizar e liderar as reuniões técnicas e ministeriais que antecedem o encontro anual e, por esse motivo, ele presidiu a reunião de sherpas realizada em Brasília.

Segundo ele, não se trata de uma visão “confrontacional” com outros países, mas sim que o multilateralismo faz parte do “DNA” do grupo de países.

Na manhã desta quarta-feira (26/02), em sessão especial para negociadores do BRICS, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu o multilateralismo pela garantia da “paz e da segurança” e criticou o que chamou de “atual escalada protecionista na área de comércio e investimentos”.

A fala de Lula foi interpretada como uma crítica aos Estados Unidos, já que desde que o atual presidente Donald Trump assumiu, vem aumentando taxas para transações comerciais com outros países. Nesse sentido, a ideia do BRICS é aumentar opções de pagamento em moedas locais entre países do bloco para reduzir “vulnerabilidades e custos”.

“A atual escalada protecionista na área de comércio e investimentos reforça a importância de medidas que busquem superar os entraves à nossa integração econômica”, declarou Lula.

O mandatário também enviou uma indireta ao norte-americano ao dizer que “sabotar os trabalhos da Organização Mundial da Saúde (OMS) é um erro com sérias consequências”, em referência à saída dos Estados Unidos da entidade logo após a posse de Trump.

“Fortalecer a arquitetura global de saúde, com a OMS em seu centro, é fundamental para garantir o justo e equitativo acesso aos medicamentos e vacinas necessários ao desenvolvimento sustentável de nossos países”, afirmou.

Ao falar sobre a ONU, o presidente disse que é urgente reformar a organização e seu Conselho de Segurança, que é por sua vez responsável por atuar pela “manutenção da paz e da segurança internacional”, segundo o próprio órgão.

Na mesma linha, no dia anterior, o ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira, no discurso de abertura do encontro dos sherpas, disse que “a ordem internacional passa por mudanças significativas” com aprofundamento “das tensões geopolíticas, o aumento das desigualdades e as rápidas transformações tecnológicas e econômicas desafiam as estruturas tradicionais de governança”.

Para Vieira, o BRICS tem papel fundamental na promoção de uma “ordem mundial mais justa, inclusiva e sustentável”.

“Um mundo multipolar não é apenas uma realidade emergente – é um objetivo compartilhado. Um sistema global reequilibrado deve ter bases mais sólidas de equidade e representatividade, e nenhuma base desse tipo pode ser construída sem a voz do BRICS”. 


BRICS


O BRICS é um grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e, recentemente, admitiu mais cinco novos países membros: Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã – a Arábia Saudita também foi convidada para ser um dos países membros do bloco, mas ainda não manifestou oficialmente se aceita ou não seu ingresso ao bloco.

Entre seus dez países, o grupo reúne 48,5% da população mundial e ocupa 35,6% do território global. Economicamente, responde por cerca de 40% do PIB mundial em paridade de poder de compra e por 28% a 29% do PIB nominal. Também é responsável por mais da metade do crescimento da economia global, com taxas médias de crescimento entre 3% e 5%, superando a média global de 2,5% a 3%.

Em 1º de janeiro, o Brasil assumiu a presidência anual rotativa do BRICS, com foco no lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. 


Crise climática


As mudanças climáticas foram um dos temas discutidos pelos sherpas em Brasília. Para Maurício Lyrio, a reunião com sherpas mostrou que o BRICS tem “boas condições de avançar” no tema, liderando a agenda climática.

Em discurso mais cedo, o presidente Lula destacou que a temperatura mundial já subiu mais do que o limite crítico estabelecido pelo Acordo de Paris – que era de um 1,5º graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais.

“O planeta acumula recordes de temperaturas e de concentração de gases do efeito estufa. A omissão custa caro e não poupará ninguém. Enchentes, secas e incêndios drenaram mais de 2 trilhões de dólares da economia global na última década, além das milhares de vidas humanas tragicamente perdidas nesses desastres. O Acordo de Paris e todo o regime do clima estão sob ameaça”.

No mês anterior, Donald Trump retirou os Estados Unidos do tratado global, adotado em 2015 por 195 países, à época signatários da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Climáticas.

Lula falou ainda sobre a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) que será realizada em Belém do Pará, em novembro de 2025. Segundo ele, líderes mundiais terão o “imperativo de equacionar ambição e financiamento no enfrentamento à crise climática”.

O embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, que preside a COP 30, também participou do diálogo com os sherpas, destacando a necessidade de financiamento climático para lidar com a crise.

A postura do Brasil é garantir crescimento econômico aliado com justiça socioambiental, segundo o próprio presidente Lula. “O BRICS tem a força política necessária para mobilizar resultados ambiciosos para a COP 30, garantindo que o crescimento econômico caminhe lado a lado com a justiça social e ambiental”.

O presidente disse também que dos 198 países atualmente signatários da Convenção da ONU para Mudança do Clima, apenas 17 enviaram contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) – entre esses países, Brasil e Emirados Árabes Unidos. 


Inteligência artificial


O governo brasileiro defende que o bloco trabalhe para uma governança de inteligência artificial mais inclusiva. “O diagnóstico generalizado intra-BRICS é que o tema da IA seja de governança global inclusiva, e não exclusiva”.

Para Lula, grandes corporações “não têm o direito de silenciar e desestabilizar nações inteiras com desinformação”, em referência às IAs.

“Ao mesmo tempo em que oferece oportunidades extraordinárias, a Inteligência Artificial traz desafios éticos, sociais e econômicos”, disse o presidente brasileiro. Para ele, a tecnologia “não pode se tornar monopólio de poucos países e poucas empresas”.

“Não podemos permitir que a distribuição desigual dessa tecnologia deixe o Sul Global à margem”, defendeu.

É papel do BRICS, segundo Lula, “sob amparo das Nações Unidas”, “tomar para si a tarefa de recolocar o estado no centro dos debates para a construção de uma governança justa e equitativa”. 


Parcerias


Os debates realizados na capital brasileira, parte de uma série de agendas técnicas e ministeriais preparatórias para a Cúpula dos Líderes, realizada no Rio de Janeiro em 6 e 7 de julho, englobam temas de saúde, mudanças climáticas, economia e inteligência artificial.

Os negociadores-chefes dos onze países membros do grupo se reuniram no Palácio Itamaraty e se debruçaram principalmente sobre dois eixos: Cooperação do Sul Global e parcerias para desenvolvimento econômico-social.

De acordo com Lyrio, a intenção dos países membros é firmar parcerias estratégicas. Na saúde, a ideia é trabalhar pela erradicação de “doenças tropicais negligenciadas”, centrada em países emergentes e em desenvolvimento.

Já na economia, o embaixador afirmou que o tema é central ao BRICS, já que foi firmado em 2009 justamente pensando no fortalecimento econômico dos países originalmente envolvidos: Brasil, Rússia, Índia e China.

É preciso “reforçar a vocação natural do grupo desde sua origem como instrumento de intensificação das relações econômicas, financeiras e comerciais do grupo”, destacou Mauricio Lyrio.

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