Ao Fórum Onze e Meia, ex-interventor da Segurança Pública no DF desconstrói narrativa sobre envolvidos nos atos golpistas e critica movimento pela anistia


revistaforum.com.br
Revista Fórum
Júlia Motta

10–14 minutos



Ricardo Cappelli, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Créditos: Jerônimo Gonzalez/Ministério da Justiça
Ricardo Cappelli, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial.
Créditos: Jerônimo Gonzalez/Ministério da Justiça

Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (17), o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli, falou sobre o projeto de anistia articulado pelos bolsonaristas e pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que buscam inflar a narrativa de que os presos pelos atos golpistas de 8 de Janeiro eram pessoas desavisadas ou idosos que não tinham noção do que estavam fazendo.

Cappelli, que era secretário executivo do Ministério da Justiça na gestão de Flávio Dino e foi nomeado interventor federal após o 8 de janeiro, acompanhou de perto as investigações dos atos golpistas. Na entrevista, ele desconstruiu a narrativa de Jair Bolsonaro e apontou que havia até profissionais no dia em que apoiadores do ex-presidente vandalizaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. 

"Você tinha pessoas ali [nos atos golpistas] que descolaram da realidade, isso é um fato. Mas você também tinha, entre essas pessoas que descolaram da realidade, que foram capturadas por essa extrema direita mais radical, você tinha profissionais. Profissionais que foram presos não só ao longo daqueles dias, mas que depois a Polícia Federal também foi atrás e identificou no meio dos manifestantes", afirmou Cappelli. Ele ainda acrescentou que isso não só o é que ele está dizendo, mas o que está no depoimento dos policiais militares do Distrito Federal.

"Nós tivemos 44 policiais militares feridos no dia 8 tentando defender os prédios dos Três Poderes e eles me relataram: 'interventor, nós estamos acostumados a conter manifestação que tem 50 (mil), 100 mil pessoas'. A diferença é que nessa manifestação, que tinha entre 4 e 5 mil pessoas, não eram manifestantes comuns, entre eles tinham homens preparados, que conheciam o campo da batalha, conheciam táticas de combate, tinham equipamentos profissionais", explicou.

Cappelli completa que os atos golpistas foram um "misto" entre gente de extrema direita movida pelo ódio e pessoas profissionais, que chegavam a usar até radiocomunicador, luvas para se devolver as bombas de gás lacrimogêneo.

O ex-GSI afirma que, com base nos esclarecimentos sobre quem realmente eram as pessoas envolvidas no 8 de Janeiro, ele não acredita numa anistia. Para ele, esse debate é mais uma "bandeira política para tentar manter esse núcleo mais extremista mobilizado do que uma possibilidade real". "Até porque ela me parece absolutamente inconstitucional", afirma Cappelli.

"Porque você não extingue uma pena de um crime que foi praticado. Você não tem como manter os delitos e extinguir as penas. Isso me parece absolutamente inconstitucional, e você também não pode extinguir os delitos retroativamente. Então, me parece que é muito mais bandeira política. Eu não vejo qualquer possibilidade de prosperar", declara.  


Omissão de Ibaneis Rocha


Cappelli também falou sobre a falta de atuação do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), afastado do cargo pelo ministro Alexandre de Moraes um dia após os atos golpistas. Apesar de ter se tornado alvo de investigação no STF por suposta omissão no dia 8 de Janeiro, o governador conseguiu sair ileso e teve seu caso arquivado.

No entanto, Cappelli afirma que "é óbvio que houve negligência" por parte de Ibaneis para conter os atos golpistas. Ele também criticou a nomeação de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro e alvo da denúncia da Procuradoria-Geral da República por golpe, para a Secretaria de Segurança Pública do DF.

Cappelli avalia que Ibaneis foi, no mínimo, imprudente e negligente ao tomar duas decisões. "Primeiro ao nomear o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro [Anderson Torres], a pessoa que a Polícia Federal encontrou na casa a famosa minuta do golpe para ser o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, que tem a responsabilidade constitucional de cuidar da segurança dos poderes constituídos aqui no Distrito Federal", diz Cappelli.



"Em segundo lugar, na condução do 8 de Janeiro. "É óbvio que houve negligência. Onde estava o governador enquanto vândalos golpistas depredavam a capital federal e a sede dos Três Poderes? Ele simplesmente desapareceu", acrescenta o ex-GSI.

Cappelli ainda cita que a PF chegou a apreender o telefone de Ibaneis em que tinha uma mensagem dele afirmando que estava "tirando uma soneca" enquanto aconteciam os ataques na sede dos Três Poderes.

"É grave o que aconteceu e ficou claro a ausência de comando, de pulso, de capacidade de gerenciar e conduzir aquela crise por parte do governo do Distrito Federal", conclui Cappelli.  


Presença de Tarcísio no ato consagra sua candidatura


Cappelli também comentou sobre a participação do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), na manifestação deste domingo (16), no Rio de Janeiro, que pediu anistia aos golpistas. O ex-GSI destaca que a presença de Tarcísio foi uma "virada de chave importante" para a disputa das eleições de 2026.

Para Cappelli, a fala de Tarcísio no ato "inaugura uma nova fase" para tentar consolidar o governador de SP como alternativa do campo bolsonarista, que poderia até ampliar um pouco mais desse campo ao atrair setores de centro-direita para a candidatura dele.

"Sem dúvida alguma, depois de ontem, acho que o Tarcísio é mais candidato do que nunca", afirma Cappelli. "Ele foi ali ontem para reafirmar a candidatura dele", acrescenta. Cappelli avalia que apesar do governador ter dito que o candidato é o Bolsonaro, essas declarações estavam "dentro do script" do que ele precisava dizer.

"A presença dele lá, sem dúvida alguma, na minha opinião, marca uma virada, porque agora está claro que ele deseja ser candidato à presidência da República. E ele tem sido muito incentivado, principalmente pelo setor financeiro, pelo mercado financeiro, por setores organizados da sociedade a ser candidato. Então o grande fato de ontem para mim foi esse", conclui Cappelli.

O presidente da ADBI também avalia que ao aparecer ao lado de Bolsonaro e lançar críticas a Lula, enquanto também marca presença ao lado do presidente e troca afagos, Tarcísio busca construir sua candidatura própria para conseguir aliados de ambos os lados.

"Ele procura, na verdade, reproduzir nacionalmente o que ele fez em São Paulo com a candidatura do atual prefeito reeleito Ricardo Nunes, que é construir uma candidatura dele próprio de centro direita, tendo apoio do campo bolsonarista, mas tendo esse campo como coadjuvante, não como ator principal. Por isso que ele às vezes sinaliza mais ao centro quando troca afagos com o presidente Lula, mas ele sabe que não pode perder o apoio da extrema direita do bolsonarismo", declara Cappelli.

"Eu creio que esse vai ser o esforço de uma parcela da elite brasileira ao longo deste ano. Acho que o foco principal deles é impor a rendição de Jair Bolsonaro ao projeto Tarcísio. Quer dizer, eles querem impor ao Bolsonaro a rendição para que ele não lance um dos filhos e apoie o Tarcísio numa construção de uma frente mais ampla contra o presidente Lula", completa.

Cappelli conclui, então, que a presença de Tarcísio no ato deste domingo "consolida essa estratégia da elite brasileira". 

 

Retomada da industrialização


Por fim, o presidente da ABDI também pontuou os avanços do Brasil para a retomada da industrialização. Cappelli afirmou que a indústria vai continuar crescendo no país neste ano. Ele cita que esteve com o presidente Lula na fábrica da Stellantis, em Betim, junto com o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio Lima, que relatou que a indústria automotiva cresceu 14,2% no Brasil no ano passado.

"O Brasil foi o país onde o setor automotivo mais cresceu no planeta. Para vocês terem uma ideia do que representou esse crescimento, o crescimento mundial médio foi de 2%. E o Brasil cresceu 14%, sete vezes o crescimento médio mundial", diz.

Em relação a este ano, Cappelli conta que Lima declarou que espera um crescimento de 8% no setor automotivo. "8% ainda é um crescimento muito forte", afirma o presidente da ABDI. "Se a gente pegar como referência os dados do crescimento mundial de 2024, ainda seria 4 vezes a média mundial", acrescenta.

"A gente pode afirmar que a indústria continuará crescendo, mas o tamanho desse crescimento ainda é cedo pra gente conseguir carimbar. O PIB pode ter um resultado ainda bastante expressivo, porque no ano passado o agro, que teve uma retração, aponta números muito positivos para esse ano. Então, acho que a indústria continuando a crescer e o agro reagindo, acho que a gente pode voltar a ter um PIB bastante expressivo", avalia Cappelli.

O presidente ainda destaca que com a soma dos últimos dois anos, o Brasil cresceu 6%. "É um crescimento muito vigoroso do Brasil, que nos coloca entre os países que mais estão crescendo no planeta", diz.

"Vamos lembrar que até pouco tempo atrás, o cenário nesse setor era de fábricas sendo fechadas. A Ford mesmo abandonando a produção aqui no Brasil. O que a gente está vendo agora é o inverso. São novas fábricas sendo abertas, a BYD se instalando na antiga planta da Ford na Bahia, a GWM, outra chinesa montando planta em São Paulo", cita Cappelli.


Ele ainda dá o exemplo da Stellantis, onde são R$ 16 bilhões em novos investimentos, consagrando o polo como o maior centro de pesquisa e desenvolvimento para tecnologia híbrida Flex da América Latina. "Então a gente está vivendo um momento muito bom na indústria automotiva", diz. 


Confira a entrevista completa de Ricardo Cappelli ao Fórum Onze e Meia abaixo:


Comentário(s)

-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;

Postagem Anterior Próxima Postagem

ads

ads