Quando alguém com autoridade na Igreja Católica naturaliza a inferiorização da mulher, contribui para a perpetuação de estruturas patriarcais que oprimem e excluem
diplomatique.org.br
Le Monde Diplomatique
Maira Oliveira
4–6 minutos
O recente comentário de Frei Gilson, o religioso carmelita que ganhou notoriedade nas redes sociais, reacendeu um debate que, para mim, nunca deveria existir em pleno 2025. Ao afirmar que “a mulher nasceu para ser auxiliar do homem, não para ser líder”, o religioso não apenas desconsidera o protagonismo feminino, mas também reforça uma visão machista que vai contra a verdadeira essência do Evangelho. Lamentável!
Essa declaração, que se espalhou rapidamente nas redes sociais, não pode ser tratada como uma mera “opinião pessoal”. Quando alguém com autoridade na Igreja Católica naturaliza a inferiorização da mulher, contribui para a perpetuação de estruturas patriarcais que oprimem e excluem. Não consigo entender, e muito menos aceitar, que um número considerável de mulheres tenham respondido “AMÉM” a esse comentário tão inoportuno.
A história do Brasil está repleta de mulheres que não esperaram autorização para liderar. Elas marcharam por direitos civis, fundaram movimentos sociais, resistiram à violência e enfrentaram as ditaduras. No interior da Igreja, são as mulheres que mantêm viva a chama da fé, lideram pastorais, formam redes de cuidado e evangelizam com suas vidas. Elas seguem o exemplo de Maria, que, ao dizer “sim” ao chamado de Deus, não apenas se fez serva, mas também líder, mostrando-nos que o serviço ao próximo é o mais elevado exercício de liderança.
O comentário do religioso reflete um desconhecimento da rica tradição de lideranças femininas enraizadas no Evangelho. Como Irmã Dulce, que transformou sua profunda compaixão em obras concretas de caridade, ou Irmã Dorothy, que se entregou à defesa da Amazônia e de seus povos. E tantas outras religiosas — idosas, jovens e anônimas, longe dos holofotes e das redes sociais — que sustentam comunidades inteiras com coragem, espiritualidade e devoção. Liderar, no contexto cristão, é muito mais do que mandar. Liderar é servir, como Jesus nos ensinou, ao lavar os pés dos discípulos e nos convidar a seguir Seu exemplo de humildade e amor.
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Crédito: Reprodução/Youtube |
Dizer que as mulheres nasceram para ser “auxiliares” é fechar os olhos para a força de Maria, que ao gerar a vida nova em Cristo se tornou a mãe de todos nós. Ignorar que foram elas, e não os homens, as primeiras a anunciar a Ressurreição, fazendo da Palavra de Deus um testemunho de transformação e esperança. No Evangelho, aqueles que servem com amor e compaixão são os verdadeiros líderes. Esse é o ensinamento de Cristo, que se fez servo de todos e, ao mesmo tempo, o maior de todos.
A Igreja, como corpo de Cristo, precisa ser um espaço de inclusão, onde a diversidade dos dons dados pelo Espírito Santo seja celebrada. Não podemos construir uma Igreja mais justa e acolhedora com discursos que diminuem e subestimam metade da humanidade. Precisamos de coragem para rever práticas, superar estruturas opressoras e reconhecer que o Espírito sopra onde quer — e Ele soprou nas vozes femininas que, como Maria, profetizam um novo reino de justiça e paz.
Que Frei Gilson repense suas palavras e se abra à verdade do Evangelho, que exalta todas as vozes, especialmente as femininas, chamadas a colaborar na missão de Cristo. Que a Igreja ouça o grito das mulheres que já não aceitam mais ser colocadas em segundo plano. E que todos nós, homens e mulheres de fé, aprendamos de uma vez por todas: servir não é se calar. E liderar não é mandar. Liderar é amar, e nisso, as mulheres têm sido mestras. Seguindo o exemplo de Cristo, que nos mostrou que o verdadeiro líder é aquele que se coloca a serviço do próximo, e isso, as mulheres têm feito em suas famílias, comunidades e no mundo.
Clécia Rocha é jornalista por vocação e palavra, com formação em Comunicação Social e uma trajetória dedicada a dar voz a quem quase nunca é ouvido. Natural de Feira de Santana (BA), percorreu redações, rádios e assessorias de imprensa, sempre com o olhar atento às causas sociais e à escuta das margens. Seu trabalho é atravessado pelo compromisso com a dignidade humana, sobretudo das mulheres invisibilizadas pelo sistema. Acredita que contar essas histórias é uma forma de resistência, reparação e esperança.
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