Análise da nova Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca. Enfraquecidos, EUA renunciam a dirigir instituições globais. Querem controlar o antigo “quintal”. Agressão à Venezuela pode ser só o começo. Brasil precisa estar atento

Por Jeffrey Sachs | Tradução: Rôney Rodrigues
A Estratégia de Segurança Nacional (ESN) de 2025, recentemente divulgada pelo presidente Donald Trump, apresenta-se como um projeto para o renovado fortalecimento da América. Ela é perigosamente equivocada de quatro maneiras.
Em primeiro lugar, a ESN está ancorada na grandiosidade: na crença de que os Estados Unidos desfrutam de uma supremacia inigualável em todas as dimensões-chave do poder.
Em segundo lugar, baseia-se numa visão francamente maquiavélica do mundo, tratando outras nações como instrumentos a serem manipulados em benefício dos Estados Unidos.
Em terceiro, assenta-se num nacionalismo ingênuo que desconsidera o direito e as instituições internacionais como entraves à soberania do país, em vez de quadros que fortalecem a segurança estadunidense e global em conjunto.
Em quarto lugar, sinaliza uma atitude de gangster no uso que Trump faz da CIA e das forças armadas. Poucos dias após a publicação da ESN, os EUA apreenderam descaradamente um petroleiro com óleo venezuelano em alto mar – com o frágil argumento de que a embarcação havia violado anteriormente sanções norte-americanas contra o Irã.
A apreensão não foi uma medida defensiva para evitar uma ameaça iminente. Tampouco é minimamente legal apreender embarcações em alto-mar com base em sanções unilaterais dos Estados Unidos. Apenas o Conselho de Segurança da ONU detém tal autoridade.
Pelo contrário, a apreensão é um ato ilegal concebido para forçar uma mudança de regime na Venezuela. Ela segue a declaração de Trump de que ordenou à CIA a realização de operações secretas dentro da Venezuela para desestabilizar o regime.
A segurança estadunidense não será fortalecida por alguém agindo como um valentão. Ela será enfraquecida – estrutural, moral e estrategicamente. Uma grande potência que assusta os seus aliados, coage os seus vizinhos e desrespeita as regras internacionais acaba por se isolar. A ESN, em outras palavras, não é apenas um exercício de arrogância no papel. Está sendo rapidamente traduzida numa prática descarada.
Um lampejo de realismo, depois uma guinada para a arrogância
Para ser justo, a NSS contém momentos de um realismo há muito atrasado. Ela admite implicitamente que os Estados Unidos não podem — e não devem — tentar dominar o mundo inteiro, e reconhece corretamente que alguns aliados arrastaram Washington para guerras de escolha custosas, que não atendiam aos verdadeiros interesses estadunidenses. Também recua — ao menos no plano retórico — de uma cruzada exaustiva entre grandes potências.
A estratégia rejeita a fantasia de que os Estados Unidos podem ou devem impor uma ordem política universal.
Mas a modéstia é de curta duração. A ESN reafirma rapidamente que a América possui “a maior e mais inovadora economia do mundo”, “o principal sistema financeiro mundial” e “o setor tecnológico mais avançado e lucrativo do mundo”, tudo respaldado pelas “forças armadas mais poderosas e capazes do mundo”.
Essas afirmações não servem apenas como declarações patrióticas, mas como uma justificativa para usar a dominância estadunidense a fim de impor condições aos demais. Ao que parece, os países menores arcarão com o peso maior dessa soberba, já que os EUA não podem derrotar as outras grandes potências, sobretudo porque elas dispõem de armas nucleares.
Maquiavelismo deslavado na Doutrina
A grandiosidade da NSS está soldada a um maquiavelismo explícito. A pergunta que ela coloca não é como os Estados Unidos e outros países podem cooperar para benefício mútuo, mas como a alavancagem estadunidense — sobre mercados, finanças, tecnologia e segurança — pode ser aplicada para extrair concessões máximas de outros países.
Isto é mais pronunciado na discussão da ESN sobre a seção do Hemisfério Ocidental, que declara um “Corolário Trump” para a Doutrina Monroe. Os Estados Unidos, declara a ESN, garantirão que a América Latina “permaneça livre de incursão estrangeira hostil ou propriedade de ativos-chave”, e alianças e auxílio serão condicionados a “reduzir a influência externa adversária”.
Essa “influência” refere-se claramente a investimento, infraestrutura e empréstimos chineses.
A ESN é explícita: “Acordos dos EUA com países ‘que mais dependem de nós e, portanto, sobre os quais temos mais alavancagem’ devem resultar em contratos de fonte única para empresas estadunidenses. A política dos EUA deve ‘fazer todos os esforços para expulsar empresas estrangeiras’ que constroem infraestrutura na região, e os EUA devem remodelar instituições de desenvolvimento multilaterais, como o Banco Mundial, para que ‘sirvam aos interesses americanos’.”
Governos latino-americanos, muitos dos quais mantêm intenso comércio tanto com os Estados Unidos quanto com a China, estão sendo efetivamente advertidos: vocês devem negociar conosco, não com a China — ou enfrentarão as consequências.
Tal estratégia é estrategicamente ingênua. A China é o principal parceiro comercial da maior parte do mundo, incluindo muitos países do hemisfério ocidental. Os EUA serão incapazes de compelir as nações latino-americanas a expulsar empresas chinesas, mas prejudicarão gravemente a sua própria diplomacia na tentativa.
Aliados próximos alarmados
A NSS proclama uma doutrina de “soberania e respeito”, mas sua prática já reduziu esse princípio a soberania para os EUA e vulnerabilidade para o restante. O que torna essa doutrina emergente ainda mais extraordinária é que ela agora assusta não apenas pequenos Estados da América Latina, mas até mesmo os aliados mais próximos dos Estados Unidos na Europa.
Em um desdobramento notável, a Dinamarca — uma das parceiras mais leais dos Estados Unidos na OTAN — declarou abertamente que os EUA representam uma ameaça potencial à segurança nacional dinamarquesa. Planejadores de defesa da Dinamarca afirmaram publicamente que Washington, sob Trump, não pode ser presumido como respeitador da soberania do Reino da Dinamarca sobre a Groenlândia, e que uma tentativa coercitiva dos EUA de tomar a ilha é uma contingência para a qual o país agora precisa se preparar.
Isso é espantoso em vários níveis. A Groenlândia já abriga a Base Espacial de Pituffik e está firmemente integrada ao sistema de segurança ocidental. A Dinamarca não é antiamericana, nem busca provocar Washington. Ela está simplesmente reagindo de forma racional a um mundo em que os Estados Unidos passaram a se comportar de maneira imprevisível — inclusive em relação a seus supostos amigos.
O fato de Copenhague sentir-se compelida a considerar medidas defensivas contra Washington diz muito por si só. Isso sugere que a legitimidade da arquitetura de segurança liderada pelos Estados Unidos está se corroendo por dentro. Se até a Dinamarca acredita que precisa se precaver contra os EUA, o problema já não é mais o da vulnerabilidade da América Latina.
Trata-se de uma crise sistêmica de confiança entre nações que antes viam os Estados Unidos como o garantidor da estabilidade, mas que agora os encaram como um agressor possível — ou mesmo provável.
Em suma, a NSS parece canalizar a energia antes dedicada ao confronto entre grandes potências para a intimidação de Estados menores. Se os Estados Unidos aparentam estar um pouco menos inclinados a lançar guerras trilionárias no exterior, mostram-se mais propensos a instrumentalizar sanções, coerção financeira, apreensões de bens e o confisco — ou roubo — em alto-mar.
O pilar ausente: Direito, Reciprocidade e Decência
Talvez a falha mais profunda da ESN seja o que ela omite: um compromisso com o direito internacional, a reciprocidade e a decência básica como fundamentos da segurança estadunidense.
A NSS encara as estruturas de governança global como obstáculos à ação dos Estados Unidos. Desqualifica a cooperação climática como “ideologia” — e, segundo um discurso recente de Trump na ONU, como uma verdadeira “farsa”. Minimiza a Carta das Nações Unidas e concebe as instituições internacionais principalmente como instrumentos a serem moldados de acordo com as preferências estadunidenses.
No entanto, são precisamente os quadros legais, os tratados e as regras previsíveis que historicamente protegeram os interesses estadunidenses.
Os fundadores dos Estados Unidos compreenderam isso com clareza. Após a Guerra de Independência Americana, treze Estados recém-soberanos logo adotaram uma Constituição para compartilhar poderes fundamentais — sobre tributação, defesa e diplomacia — não para enfraquecer a soberania dos Estados, mas para garanti-la por meio da criação do governo federal dos EUA. A política externa dos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial fez o mesmo por meio da ONU, das instituições de Bretton Woods, da Organização Mundial do Comércio e dos acordos de controle de armamentos.
A NSS de Trump agora inverte essa lógica. Ela passa a tratar a liberdade de coagir outros como a essência da soberania. Sob essa perspectiva, a apreensão do petroleiro venezuelano e as apreensões da Dinamarca são manifestações dessa nova política.
Atenas, Melos e Washington
Tal arrogância voltará para assombrar os Estados Unidos.
O historiador grego da Antiguidade Tucídides registra que, quando a Atenas imperial confrontou a pequena ilha de Melos em 416 a.C., os atenienses declararam que “os fortes fazem o que podem, e os fracos sofrem o que devem”. No entanto, a soberba de Atenas também foi a sua ruína. Doze anos depois, em 404 a.C., Atenas caiu diante de Esparta. A arrogância ateniense, seu excesso de ambição e o desprezo pelos Estados menores ajudaram a galvanizar a aliança que, em última instância, a derrotou.
A NSS de 2025 fala em um registro de arrogância semelhante. Trata-se de uma doutrina que privilegia o poder em detrimento do direito, a coerção em vez do consentimento e a dominação no lugar da diplomacia. A segurança dos Estados Unidos não será fortalecida ao agir como um valentão. Ao contrário, será enfraquecida — estrutural, moral e estrategicamente. Uma grande potência que assusta seus aliados, coage seus vizinhos e despreza as regras internacionais acaba, em última instância, isolando-se.
A estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos deveria se basear em premissas inteiramente diferentes: a aceitação de um mundo plural; o reconhecimento de que a soberania é fortalecida, e não enfraquecida, pelo direito internacional; o entendimento de que a cooperação global em áreas como clima, saúde e tecnologia é indispensável; e a compreensão de que a influência global estadunidense depende muito mais da persuasão do que da coerção.
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, contribua com um PIX para outrosquinhentos@outraspalavras.net e fortaleça o jornalismo crítico.
Publicado originalmente por: OUTRAS PALAVRAS
إرسال تعليق
-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;