Os inimigos declarados da sinapse parecem incapazes de compreender o óbvio

Fernanda Torres (Foto: Reprodução (Redes Sociais))
A imbecilidade, ao que tudo indica, não conhece limites nem constrangimentos. Ela se apresenta tanto naqueles que acreditam sinceramente - com fé quase religiosa - nas bobagens que consomem, quanto na turma dos oportunistas profissionais, sempre à espreita de uma espuma qualquer para tentar surfar na onda da extrema-direita, imaginando que essa marola histérica será eterna e lhes garantirá relevância para além do próximo ciclo de likes. Aos primeiros, concedo o benefício da dúvida e até certa boa-fé. Aos segundos, bem… que se arrebentem no primeiro teste em que o cálculo oportunista for confrontado com a realidade.
A insanidade da vez atende pelo nome de “cancelamento das Havaianas”. Sim, você leu certo. Um conjunto de perfis extremistas decidiu se sentir profundamente ofendido por uma fala da atriz Fernanda Torres, dita a partir de um roteiro publicitário que, convém lembrar, não foi escrito por ela. Segundo essa gente, Fernanda estaria atacando valores sagrados ao sugerir que as pessoas entrem no ano novo não apenas com o pé direito - expressão popular -, mas com os dois pés. Eis o crime: desejar que as pessoas caminhem inteiras para o ano seguinte. Para os caçadores de comunistas imaginários, isso já foi o suficiente para enxergar a foice e o martelo escondidos entre as tiras de borracha.
Não há qualquer alusão ideológica no texto. Nenhuma. Zero. Mas os inimigos declarados da sinapse parecem incapazes de compreender o óbvio. Ou, alternativamente, fazem-se de desentendidos com método, criando uma cortina de fumaça conveniente. E aqui a coincidência começa a ficar interessante: o chilique coletivo surge justamente quando vêm à tona as pilhas de dinheiro encontradas na residência do líder da extrema-direita na Câmara, Sóstenes Cavalcanti. Nada como uma boa polêmica fabricada para deslocar manchetes, algoritmos e indignações seletivas.
Ainda assim, a estupidez consegue se superar. Em algum universo paralelo, poderíamos vê-los acusando Fernanda Torres e as Havaianas de capacitismo, por “exigir” dois pés. O déficit cognitivo é tão acentuado que nem percebem que, ao falar em entrar com os dois pés, a atriz reforça - e não diminui - o protagonismo do “adorado” pé direito. Mas pedir coerência a essa gente talvez seja capacitismo intelectual da nossa parte.
Enquanto isso, no mundo real, o suposto boicote parece ter produzido o efeito inverso. Lojas abarrotadas, sandálias voando das prateleiras, filas nos shoppings. As Havaianas, essa sandália que não tem cheiro e não solta as tiras, caminham firmes para se tornar o item mais disputado do amigo secreto nas firmas e nos encontros familiares. Se a intenção era punir a marca, parabéns: conseguiram apenas fazer propaganda gratuita.
No fim das contas, a extrema-direita segue prestando um serviço, neste caso involuntário, ao capitalismo. E Fernanda Torres, sem esforço algum, entrou no ano novo exatamente como sugeriu: com os dois pés - um deles, ao que tudo indica, bem cravado no juízo.
Publicado originalmente por: Brasil 247
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