Mendonça de Barros: “Olhar para a desaceleração do PIB no 2º semestre é estar com o relógio atrasado em seis meses”
Por Sergio Lamucci | VALOR
De São Paulo
A recuperação da atividade econômica já está contratada e o Produto Interno Bruto (PIB) vai registrar um crescimento expressivo no fim deste ano, na casa de 5% a 6%, diz o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, mostrando pouca preocupação com o resultado fraco do segundo semestre de 2011, revelado ontem pelo IBGE. Segundo ele, o PIB avançará com força ao longo do ano, estimulado pelo maior fôlego da renda real, num cenário de queda da inflação, favorecida pelo alívio das commodities, e pelos cortes de juros e do relaxamento de algumas medidas macroprudenciais (de controle do crédito) promovidos pelo Banco Central.
“Olhar para a desaceleração do PIB no segundo semestre é estar com o relógio atrasado em seis meses. O relógio atualizado mostra que o PIB estará crescendo 5% a 6% no fim do ano, um ritmo até superior ao que a economia aguenta”, diz Mendonça de Barros, sócio da Quest Investimentos. Para ele, o consumo vai liderar a recuperação, mas o investimento seguirá atrás em seguida. O BC tem espaço para reduzir mais um pouco os juros, dos atuais 10,5% para 9,5% ao ano, mas não deve avançar muito mais no ciclo de corte da Selic, para não aquecer demais a atividade econômica, diz Mendonça de Barros.
Para o ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, a desaceleração do PIB no segundo semestre de 2011 foi fruto do cenário que prevaleceu no começo do ano passado. O PIB virou o ano crescendo muito, houve um choque de commodities que comeu a renda real e o BC elevou os juros e adotou medidas de restrição ao crédito. O resultado foi um segundo semestre fraco, mas que já é passado, segundo ele, que projeta um crescimento médio de 3,5% em 2012. No fim do ano, porém, o ritmo de expansão será bem mais forte, insiste ele.
Valor: Como o sr. analisa o resultado do PIB de 2011?
Luiz Carlos Mendonça de Barros: É preciso tomar cuidado porque o resultado do PIB no segundo semestre é fruto do que ocorreu lá atrás. Na virada de 2010 para 2011, ocorreram três coisas importantes. A primeira é que a economia entrou o ano crescendo a taxas ainda muito elevadas. Para usar uma linguagem simples, a economia estava bombando nessa época. O segundo fato é que houve um choque monstruoso de commodities na virada do ano, que chegaram a crescer 30% ao ano. Isso é importante porque chegou na inflação, comendo renda real. Como o consumo é quase dois terços do PIB, essa queda de renda real levou à redução do consumo para frente, batendo principalmente no terceiro trimestre. O terceiro evento é que, assustado com a inflação, o BC estava subindo os juros e tomando medidas macroprudenciais, que desaceleraram o crédito. Então o PIB do segundo semestre é resultado desses três fatores.
Valor: E o que o momento atual diz sobre o PIB de 2012?
Mendonça de Barros: Agora há um movimento na direção contrária do que ocorreu na virada de 2010 para 2011. As commodities caíram, o que desacelera a inflação. Como os salários nominais continuam a crescer a uma taxa de 8% a 9%, haverá aumento da renda real. A queda da inflação libera renda. Além disso, o BC está reduzindo os juros e relaxando algumas das medidas macroprudenciais. No fim de 2012, a economia estará crescendo 5% a 6%. Isso já está contratado.
Valor: Que desafios essa composição do PIB traz para a política monetária?
Mendonça de Barros: A política monetária age com defasagem. O que for feito agora vai influenciar o fim de 2012. Tem que tomar cuidado porque no fim do ano a economia estará crescendo 5% a 6%, e estímulos demais podem acender um sinal amarelo.
Valor: O BC indicou que vai baixar os juros para a casa de um dígito. Ele deve fazer isso?
Mendonça de Barros: Ainda há um certo espaço para cortar a Selic. Pode reduzir até 9,5%, já que essa coisa de um dígito ficou tão importante. Mas eu não iria mais longe do que isso. É comprar um problema mais à frente. O BC precisa começar a olhar para a demanda no fim deste ano, que deverá estar forte. Para o PIB avançar os 3,5% que eu estimo, terá que estar crescendo 5% a 6% no fim do ano.
Valor: O consumo já mostrou uma recuperação no quarto trimestre. A retomada do crescimento será liderada pelo consumo?
Mendonça de Barros: No Brasil é sempre assim. Depois o investimento vai atrás. A inflação voltou para um nível razoável com a queda das commodities. Com a inflação mais baixa, sobra mais dinheiro para o consumidor. Há também o efeito do aumento do salário mínimo. O crédito deverá voltar a crescer mais, e haverá o impacto defasado da queda dos juros. Projetamos crescimento de 4,5% do consumo das famílias, com uma alta de 6% a 6,5% no fim do ano.
Valor: O investimento teve um desempenho decepcionante em 2011 e mostrou um resultado muito fraco no segundo semestre. Ele vai se recuperar em 2012?
Mendonça de Barros: O investimento é sempre defasado em relação ao consumo. Nós entramos 2010 para 2011 com o investimento forte, reagindo ao aumento de demanda gerada em 2010. Quando se percebeu a desaceleração do consumo por causa do efeito da inflação mais alta sobre a renda e da ação do BC, houve uma desaceleração do investimento. No ciclo de curto prazo, é assim que as coisas funcionam. Da mesma forma, os empresários voltarão a investir quando ficar mais claro que o consumo voltou a crescer. Ninguém vai querer perder mercado.
Valor: O sr. então está convicto da recuperação do PIB em 2012.
Mendonça de Barros: Olhar para a desaceleração do PIB no segundo semestre é estar com o relógio atrasado em seis meses. O relógio atualizado mostra que o PIB estará crescendo 5,5% a 6% no fim do ano, um ritmo até superior ao que a economia aguenta. E é importante entender que o PIB de 2,7% do ano passado é irmão gêmeo dos 7,5% de 2010. O governo não preciso fazer mais nada. Eu fiz uma conta do crescimento médio do PIB de 2005 a 2012, considerando a nossa projeção de 3,5% para este ano. Dá uma média de 4%. É um número bastante razoável. Há quanto tempo o Brasil não consegue crescer 4% em média por oito anos? Há fatores importantes que dão solidez para a economia, ainda que haja problemas estruturais, como a falta de competitividade da indústria. Há um mercado de consumo muito grande, a renda está preservada, o crédito funciona e há os ganhos de termos de troca proporcionados pela China, que elevaram o nível dos preços de commodities. Isso garante um saldo comercial razoável, que ajuda a financiar a importação.
Valor: O cenário externo pode colocar em risco a recuperação?
Mendonça de Barros: O cenário externo assustava mais quando havia o risco de um colapso na Europa, uma crise financeira. Mas esse risco parece não existir mais. Os governos passaram sete ou oito meses batendo cabeça, mas agora tem um plano de voo. E houve a ação importante do Banco Central Europeu.
Valor: E a indústria de transformação? O resultado foi muito ruim, com crescimento de 0,1% em 2011
Mendonça de Barros: A questão é de falta de competitividade. O câmbio é um problema, mas há questões de custo mais importantes. O gás natural e a energia elétrica estão muito caros. A mão de obra também. O editorial do Valor de hoje [ontem] diz que é preciso transformar o aumento de arrecadação em desonerações tributárias. Para melhorar a competitividade, é preciso um programa para melhorar as condições de oferta.
Valor: O investimento na industria de transformação vai sofrer?
Mendonça de Barros: O investimento deve se concentrar em atividades ligadas a commodities, infraestrutura, serviços e a segmentos ligados ao consumo doméstico. O investimento na indústria de transformação vive hoje uma dinamica diferente da dos outros setores, em função dos custos crescentes de produção e da concorrência dos produtos importados, que chegam hoje aos mais remotos cantos do país depois que o comércio decidiu distribuí-los com eficiência.
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