Berlin, NS-Boykott gegen jüdische Geschäfte
Jornalista israelense escreve: cenários não são iguais, mas surto de ódio antipalestino estimulado por Telaviv envergonha história judaica

Por Chemi Shalev, no Haaretz | Tradução: Antonio Martins
Os velhos jornais no Ocidente não terão coragem de publicar essa matéria. Críticas muito duras ao governo israelense vêm da própria imprensa liberal do país. Precisam ser conhecidas, para que setores interessados em paz e justiça no Oriente Médio saibam que podem encontrar apoio em importantes setores da sociedade israelense. Talvez estejam ainda apáticos, por se sentirem isolados em meio à manada que segue a propaganda oficial e a mídia, hegemonizada pelos setores mais sectários (o diário Haaretz, onde foi publicado o texto a seguir tem 10% dos leitores; os demais jornais são controlados por magnatas estrangeiros da mídia conservadora).
O artigo faz analogias entre o ambiente de histeria em Israel, estimulado de forma oportunista por políticos da direita, e o que a Alemanha respirou, nos estágios iniciais do nazista. A publicação de artigos como esse em Israel, embora chocantes, pode ser vista com esperança de que setores existentes na própria sociedade israelense poderão, um dia, virar o jogo. Mas isso só ocorrerá se houver também forte pressão internacional.
Trata-se de salvar Israel do fascismo, do isolamento internacional, e de estabelecer entre este país e os palestinos bases para um futuro de paz e boa vizinhança, única forma de ambos escaparem da tragédia humanitária que avança no Oriente Médio. (Sérgio Storch)
Em 9 de março de 1933, os paramilitares camisas-marrons da SA nazista lançaram uma ofensiva. “Em diversas partes de Berlim, um grande número de pessoas, a maioria das quais aparentemente judias, foi atacado abertamente nas ruas e golpeado. Algumas foram feridas gravemente. A polícia pode apenas recolhê-las e levá-las ao hospital”, relatou o jornal londrino The Guardian. “Os judeus foram espancados pelos camisas-marrons até sangrar nas faces e cabeças”, prosseguiu o jornal. “Diante de meus olhos, paramilitares, babando como bestas histéricas, perseguiram um homem em plena luz do dia e o chicoteavam”, escreveu Walter Gyssling, no jornal.
Sei que você ultrajou-se antes mesmo de chegar ao final do parágrafo anterior. “Como ele ousa comparar incidentes isolados em Israel com a Alemanha nazista?”, você está pensando. “Isso é uma banalização ofensiva do Holocausto”.


É claro que você tem razão. Minha intenção não é traçar um paralelo. Meus pais perderam, ambos, suas famílias, durante a II Guerra Mundial. Não preciso ser convencido de que o Holocausto é um crime tão único que figura de modo destacado, mesmo nos anais de outros genocídios premeditados.
Mas sou um judeu e há cenas no Holocausto que estão gravadas indelevelmente em minha mente, ainda que não estivesse vivo à época. Quando assisti vídeos e vi imagens de gangues de judeus racistas de direita marchando pelas ruas de Jerusalém, cantando “Morte aos Árabes”, caçando árabes aleatoriamente, identificando-os por sua aparência ou sotaque, perseguindo-os em plena luz do dia, “babando como bestas histéricas” e golpeando-os antes que a polícia pudesse chegar, a associação histórica foi automática. Foi o que primeiro saltou à mente. Deveria ser, penso, a primeira coisa a saltar à mente de qualquer judeu.
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Israelenses queimam a bandeira palestina e gritar slogans racistas durante um protesto anti-palestino em Gush Etzion.
Não é preciso dizer que Israel de 2014 não é “O Jardim das Bestas”, expressão que Erik Larson usou para descrever, em seu livro, a Alemanha de 1933. O governo de Telaviv não é tolerante com o vigilantismo ou os gângsters, como foram os nazistas por algum tempo, antes que os alemães começassem a se queixar de desordem nas ruas e dos danos à reputação internacional de Berlim. Não tenho duvidas de que a polícia fará todo o possível para prender os assassinos do garoto palestino cujo corpo calcinado foi encontrado numa floresta de Jerusalém. Até rezo para descobrirem que o assassinato não foi um crime de ódio [Em 6/7, a polícia israelense prendeu, de fato, pessoas – judeus ortodoxos de extrema-direita – que confessaram a autoria do crime, evidentemente motivado por ódio e racismo (Nota da Tradução)].
Mas não nos enganemos. As gangues de valentões judeus promovendo caçadas humanas não são uma aberração. Não foi um acesso incontrolável e único de raiva, que se seguiu à descoberta dos corpos de três estudantes sequestrados. Seu ódio inflamado não existe num vácuo. É uma presença marcante, que cresce a cada dia, engolfando setores cada vez mais amplos da sociedade israelense, alimentada num ambiente de ressentimento, isolamento e auto-vitimização, impulsionado por políticos e “especialistas” – alguns cínicos, outros sinceros – que se cansaram da democracia e suas brechas e que anseiam por ver a imagem de Israel associada a um único Estado, uma única nação e, em algum ponto desta espiral descendente, um único Líder.
Em apenas 24 horas, uma página do Facebook convocando “revanche” pelos assassinatos dos três garotos sequestrados recebeu dezenas de milhares de “curtidas”, e encheu-se de centenas de apelos explícitos para matar árabes, onde quer que estejam. Outra página, pedindo a execução de “extremistas de esquerda”, alcançou quase dez mil “likes”, em dois dias. Além disso, inúmeros textos na web e nas mídias sociais estão inundados de comentários dos leitores vomitando o pior tipo de bile racista e pedindo morte, destruição e genocídio.
Estes sentimentos foram ecoados nos últimos dias, ainda que em termos um pouco mais velados, por membros do Knesset [o Parlamento israelense], que citam versos da Torah sobre o Deus da Vingança e seu ordem de extermínio dos amalequitas. David Rubin, que descreve a si mesmo como ex-prefeito de Shiloh, foi mais explícito: em um artigo publicado no Israel Ntional News, ele escreveu: “Um inimigo é um inimigo e a única maneira de vencer esta guerra é destruir o inimigo, sem levar excessivamente em conta quem é soldado e quem é civil. Nós, judeus, atiraremos primeiro nossas bombas sobre alvos militares, mas não há, em absoluto, necessidade de nos sentirmos culpados por arruinarmos as vidas, matarmos ou ferirmos civis inimigos que são, quase sempre, apoiadores do Fatah ou do Hamas”.
Pairando sobre tudo isso estão o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu governo, que insistem em descrever o conflito com os palestinos em tons rudes de “preto e branco”, “bem contra o mal”; que descrevem os adversários de Israel como incorrigíveis e irredimíveis; que nunca demonstraram o mínimo sinal de empatia ou compreensão, diante das reivindicações de um povo que vive sob ocupação israelense por meio século; que fazem pronunciamentos voltados para desumanizar os palestinos aos olhos do público israelense; que perpetuam o sentimento público de isolamento e injustiça; e que, portanto, estão abrindo caminho para ondas de ódio homicida que começaram a emergir.
Algumas pessoas ensaiarão um paralelo entre a terrível violência de direita que varreu Israel depois dos Acordos de Oslo e a maré crescente de racismo. Em ambas, está implicado o premiê Netanyahu. De seus discursos virulentos na Praça Sion contra o governo da época ao assassinato de Yitzhak Rabin, à época; e de sua retórica antipalestina áspera à explosão horrível de racismo hoje.
Mas é uma resposta fácil demais. Não basta culpar Netanyahu, sem questionar o resto de nós, Judeus em Israel ou na Diáspora, os que fecham os olhos e os que desviam o olhar, os que retrata os palestinos como monstros desumanos e os que veem qualquer autocrítica como um ato de traição judaica.
A comparação certamente é válida: a máxima de Edmund Burke – “Para o triunfo [do mal], basta que os homens bons nada façam” – era correta em Berlim no início dos anos 1930 e permanece verdadeira em Israel. Se nada for feito para reverter a maré, o mal certamente triunfará – e não será preciso esperar muito.

Chemi Shalev


Jornalista israelense, nascido em 1953. Atua como correspondente e editor, nos Estados Unidos, do jornal Haaretz -- tanto em hebreu quanto em inglês. Publica um blog em inglês intitulado West of Eden, que trata das relações entre EUA e Israel.

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