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Em dezembro de 2015 o Conselho Superior do Ministério Público arquivou o referido inquérito, tendo sido este substituído por ações individuais contra os clubes que adotavam esta prática, até que, em agosto desse ano, o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo (TJ-SP) decidiu trancar estes inquéritos.
Longe de ser encerrado com o arquivamento, esse assunto voltou a receber destaque após as declarações de um representante do Ministério Público de São Paulo, que publicou em um grupo de facebook algumas “reflexões”, com claro teor racista e discriminatório, as quais foram caracterizadas pelo autor como sendo dotadas de “ironia”.
Dentre as suas considerações, temos uma demonstração de como funciona seu raciocínio lógico. Vejamos: “(…)Pobre, em regra, é feio; babá, em regra, é pobre; logo, babá, em regra, é feia”.
Temos ainda uma mostra da vastidão dos seus conhecimentos e sua “intimidade” com as pesquisas quantitativas antropológicas, quando assevera que: “negro, como todos sabem, tem o péssimo costume de não dar muita atenção à higiene – tanto do corpo quanto da roupa.”.
Além de uma exibição ímpar de seus conhecimentos de física e biologia: “Não se pode também deixar de registrar que a cor branca reflete o calor do sol, em vez de absorvê-lo. É por isso que negro, em geral, é catinguento, porque sua muito e, não tomando a quantidade diária certa de banhos, acaba fedendo mais do que o recomendável.”
Das declarações do representante do Ministério Público, no entanto, não se extraem excertos que retratem a função constitucional da instituição da qual faz parte, já que suas declarações não têm por fito “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”,tampouco refletem o papel daquele que deveria zelar pelos interesses da sociedade civil.
Em verdade, tais declarações – irônicas ou não -, todavia dotadas de extrema infelicidade e preconceito, nos levam a uma indagação: Qual será o destino de um jurisdicionado preto, pobre, e, portanto, “feio e catinguento” (nas palavras do promotor), que seja acusado, por um titular de ação penal que se filie à linha de raciocínio do referido membro do parquet?
Será que este terá direito ao devido processo legal, ou as audiências serão feitas à revelia da acusação, vez que esta poderá se sentir incomodada com o odor?
Essa situação nos leva a compreender o fenômeno da seletividade que há muito se faz presente no processo penal, inflando nosso sistema carcerário (sendo a maioria de presos provisórios – cumpridores de prisão sem pena) e contando com presença maciça de jovens, negros e de baixa renda.
A questão é que, a despeito do entendimento do promotor e de muitos que manifestaram apoio – e, portanto, concordância – com suas afirmações grotescas, no sentido de que “branco é a cor da pureza”, deve se ressaltar que a pureza não está na cor da pele, tampouco das vestimentas, mas sim na alma e no interior de cada um.
Por certo, ainda que ele (promotor), não reconheça a gravidade das suas declarações, sua postura vai muito além de conceitos como “feiura” e “beleza”, já que no seu caso, resta nítido que seu interior deve passar por um processo de intensa higienização para expurgar a pústula nauseante da sua mente pobre e preconceituosa, pois é inadmissível que a sociedade seja obrigada a ser representada por figura portadora de ideias tão retrógradas, que vão na contramão de todos os progressos sociais que conquistamos às duras penas em nossa jovem democracia.
O que se espera é que a Procuradoria Geral de Justiça e a Corregedoria do Ministério Público sejam firmes na coibição dessa lamentável postura de um representante dos seus quadros que, claramente vilipendiou o decoro da sua profissão e a dignidade daqueles que deveria representar. Isso porque, pior do que o indivíduo que perpetra tais ações, é aquele que manifesta apoio de forma velada ou se omite diante dessas atitudes repugnantes. A conivência com as declarações prestadas pelo promotor, nesse caso, é capaz de putrefar e desacreditar a própria instituição.
O momento de fragilidade que hoje vivemos em nosso contexto social exige que tenhamos firmeza na defesa da dignidade da pessoa humana, bem como dos demais princípios que asseguram os direitos e garantias individuais e coletivos, c0mo reclama nossa Constituição Federal, caso contrário, estaremos a pôr em cheque a supremacia da nossa Carta Magna, dando carta branca para todo o tipo de violações e arbitrariedades que possam advir.
Marcos Luiz Alves de Melo é Professor de Direito Penal e Processo Penal na Universidade Católica de Salvador. Advogado Criminalista formado pela Universidade Federal da Bahia.
JUSTIFICANDO
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