Novos fatos expõem estratégia do presidente: ampliar incessantemente as tensões, para bloquear o debate sobre os temas nacionais e flertar com o imponderável. Por que funcionou, até agora? Quais as brechas?

Por Antonio Martins | Vídeo: Gabriela Leite | Imagem: Adel Bentounsi

O fato da segunda-feira foi o general na Defesa. Pela primeira vez, desde que criado o ministério, seu titular será um militar – o pacato Joaquim Silva e Luna. Porém, este assume na condição de interino. Especula-se que “guarda lugar” para o verdadeiro escolhido de Temer: o sinistro Sérgio Etchegoyen, que trama de modo semi-aberto por uma intervenção militar.

Mas o general na Defesa foi apenas uma a mais, na sucessão frenética de “novidades” criadas por Michel Temer desde o início da intervenção no Rio, que ontem completou dez dias. Na sexta-feira (23/2), entrevistado por Datena, o presidente disparava, bombástico: “Se houver necessídade, os militares devem partir para o confronto”. E ainda ontem convocava, para a próxima quinta, uma incomum “reunião com todos os governadores, para falar sobre segurança públia”.

A hiperatividade de Temer pode ser útil para algo. A intervenção de 17 de fevereiro sacudiu o cenário nacional. O espetáculo da Segurança passou a atrair quase todas as atenções. Mas os contornos exatos da mudança ainda permanecem nebulosos. Quem protagonizou o ato? O governo? Os militares? As forças interessadas em fazer decolar a candidatura Alckmin? A Rede Globo? Qual o papel da mídia? Agora surge, na insistência obsessiva do presidente, um fio para desenrolar a meada.

Parece cada vez mais claro que o próprio Temer é o centro da armação em curso. Antes do 17 de fevereiro, uma sexta-feira, ele era um presidente enfraquecido, quase sem chances de aprovar no Congresso a contrarreforma da Previdência. No Congresso, os deputados e senadores em busca de um novo mandato procuravam mostrar distância. No Carnaval, haviam se multiplicado os gritos de “Fora” e repercutia intensamente o desfile da Unidos de Tuiuti, em que o presidente aparecera como o grande vampiro. Cresciam propostas como a dos Referendos Revogatórios, para submeter ao julgamento popular o núcleo de sua agenda de governo. E avolumavam-se os sinais de que a partir de 1º de janeiro tanto o presidente quanto seus principais assessores, já sem privilégio de foro especial, enfrentarão juízes de primeira instância, em casos tão bizarros quanto o das malas de dinheiro carregadas por um assessor presidencial, num bairro nobre de São Paulo..

Construída a partir da quarta-feira de Cinzas, em reuniões no Palácio da Alvorada da qual participaram apenas os assessores mais íntimos de Temer, a intervenção mudou o jogo. O presidente voltou ao centro do palco político. Alardeia, aos candidatos conservadores à Presidência, que seu apoio será decisivo. Alimenta especulações esdrúxulas, segundo as quais ele mesmo poderia candidatar-se. Mas condenou a si mesmo a uma eterna fuga para a frente; a uma corrida infinita contra a luz do sol. No momento em se apagarem as luzes do espetáculo da Segurança, em que o país voltar a debater a agenda de retrocessos pós-2016 e as alternativas, ele se reduzirá à própria pequenez e vulnerabilidade.

Por isso, Temer e sua camarilha serão, enquanto tiverem poder, um pesadelo permanente. Sua salvação está em tumultuar o cenário; em evitar a todo custo que o país retorne ao debate dos temas relavantes; em provocar, se possível, uma quebra da ordem institucional – único caminho para livrar da cadeia o presidente e seus assessores mais próximos. Aqui, é preciso considerar sem fantasias um segundo ator: os militares.



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“Temer e Etchegoyen parecem tentar suscitar, no Rio, um desastre que se espalhe por todo o país – e que possa ser usado como pretexto para questionar as eleições” 

Falta substância ao discurso que vê, genericamente, uma ação do exército por trás da intervenção no Rio. Muito ao contrário de 1964, as forças armadas não têm exercido protagonismo na vida política, nem construíram um discurso único sobre o país. O comandante do exército, general Eduardo Villas Bôas, é um crítico corajoso da interferência dos soldados em assuntos de Segurança Pública. Em audiência no Senado, em junho do ano passado, ele afirmou, sobre as operações anteriores (e mais limitadas) de Garantia da Lei e da Ordem, no completo do Alemão: “Não gostamos deste tipo de emprego (…) Estamos apontando uma arma para a população brasileira. Estamos numa sociedade doente”.

Mas é exatamente a falta de comando único nas Forças Armadas que dá ao governo Temer espaço para flertar com o pior – em particular, pelo general Sérgio Etchegoyen. Oriundo de uma família de militares, filho e neto de generais ligados à conspiração contra Getúlio Vargas, à “linha dura” do regime de 1964, e à repressão às greves do ABC, ele não se tornou uma exceção, em meio a sua linhagem. Conspirou com Temer desde antes do golpe, como mostra uma série de reportagens do jornalista Luís Nassif. Foi recompensado com a nomeação para o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, de onde comanda a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Pouco após empossado, atacou o MST e constrangeu diplomatas ao exaltar os “feitos da ditadura”, defender “medidas extremas” para segurança pública e verberar contra os transexuais. É convidado regularmente para as reuniões do “núcleo duro” do governo – onde convive com personagens como os ministros Moreira Franco (o “Angorá” da Odebrecht), Eliseu Padilha (o “Bicuíra”, ou “Fodão”), e Raul Jungmann (o “Bruto”). Serve-se da proximidade com Temer para prevalecer sobre outros generais do exército que não compartilham suas posições autoritárias.

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Em ambiente de intervenção no Rio, surgiu uma combinação explosiva. Há um presidente e um núcleo duro ministerial dispostos a tudo. Estão interessados em suscitar uma ruptura que os livre, de algum modo, do esquecimento e da cadeia. Agirão o tempo todo para provocar novas crises. Associou-se a eles um general aristocrático, egoico e ambicioso, sem noção de democracia ou de História, disposto a conduzir o exército a uma aventura.

Em meio à guerra entre facções, à crise do Estado, aos salários retidos, ao alastramento da febre amarela, Temer e Etchegoyen parecem tentar suscitar, no Rio, um desastre que se espalhe por todo o país – e que possa ser usado como pretexto para questionar as eleições. Mas eles só podem fazê-lo porque sua aventura tem a cobertura da mídia e das máfias do Congresso Nacional. Também a estas interessa evitar o debate nacional, manter a agenda de retrocessos e evitar o questionamento do golpe. É o que veremos no próximo texto.



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