“Existe, hoje, no Brasil, uma excessiva compreensão com direitos”, afirmou oficialmente o Exército Brasileiro ao responder uma série de perguntas enviadas pela nossa reportagem ao Centro de Comunicação da instituição. Os questionamentos – publicados na íntegra abaixo – são parte de uma apuração sobre a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, que é comandada por militares e com prazo mínimo até o final deste ano.

Essa e outras declarações, que revelam explicitamente um desejo de fortalecimento do “princípio da autoridade”, foram enviadas por e-mail. “O princípio da autoridade deve ser fortalecido e o sentido de disciplina social deve ser recuperado”, diz o Exército. As respostas do Centro de Comunicação foram acompanhadas por ao menos um oficial, o coronel Nador Serrano Brandão.

“O princípio da autoridade deve ser fortalecido e o sentido de disciplina social deve ser recuperado”
Questionamos, também, sobre as possíveis comparações entre o momento atual e o período de ditadura militar instaurada em 1964 pela mesma instituição. As respostas culminaram numa análise do cenário político atual do país, quebrando o tom usualmente protocolar de manifestações da instituição:

“Atualmente, a falta de um projeto nacional tem impedido que a sociedade convirja para objetivos comuns. Isso inclui, até mesmo, a necessidade de referências claras de liderança política que nos levem a bom porto”.

Para o Exército, o Brasil é hoje “um país muito mais complexo e sofisticado” do que na década de 1960 e “é chegada a hora de consentir que o período que engloba 1964 é história e assim deve ser percebido”.

Alfinetadas em Bolsonaro e Temer

Graças à decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção militar no Rio de Janeiro, o Exército ganhou protagonismo raramente visto nos anos pós-ditadura. Questionei sobre as diferenças entre os dois períodos históricos. Parte da longa resposta foi: “Está difícil de identificar, no Brasil de hoje, uma base de pensamento com capacidade de interpretar o mundo atual, de elaborar diagnósticos estratégicos apropriados e de apontar direções e metas para o futuro”.

Em operação na Vila Kennedy, no Rio, no dia 23, soldado fotografa documento de moradora. O Exército assumiu o comando da Segurança Pública no estado.Danilo

Sobre o deputado federal Jair Bolsonaro, capitão da reserva e pré-candidato a presidente da República com um discurso militarista – empunhando também a bandeira do “excesso de direitos” –, o Exército disse: “Como as Forças Armadas têm apresentado altos índices de confiança por parte da população, alguns atores tentam estabelecer certa ligação com os militares. No entanto, e em última análise, é a população quem vai julgar os partidos e os candidatos, por intermédio do voto, devendo, para tanto, conhecer muito bem os projetos e ideias de cada um deles”.

Até tu, Kennedy

Até mesmo o discurso de posse do ex-presidente americano John Kennedy foi usado para reforçar a visão sobre direitos em excesso na área de segurança pública:

“Nessas horas lembramos as palavras do ex-presidente norte-americano, John F. Kennedy, ‘Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela’”.

Questionado, em uma segunda rodada de perguntas, sobre “quais direitos são compreendidos de forma excessiva” no país, o Exército pontuou que se referia à área da segurança pública. Na semana passada, militares ladeados por blindados de guerra começaram a fichar moradores nas favelas do Rio de Janeiro.

Essa atuação pode não ficar restrita apenas ao Rio de Janeiro. Hoje, o presidente Michel Temer se reunirá com os governadores de todos os Estados e com o recém-empossado ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann. Na pauta, segurança pública.

A ideia de que a instituição tem a confiança da população foi reforçada na troca de e-mails: “o desejo de atuação dos militares reflete o anseio da população pelos valores consagrados nas Instituições Militares e, também, reflete a materialização do capital de confiança apresentado nas pesquisas e consignado às Forças Armadas”.

*As perguntas foram originalmente enviadas para a apuração de uma reportagem para o Portal O Dia, do Piauí. Conforme a história ganhou corpo, eu decidi conversar com o The Intercept Brasil para publicação. O coronel responsável foi informado sobre essa mudança. Leia as perguntas e respostas na íntegra:

  • O Exército ganhou destaque com a decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção militar no Rio de Janeiro e muitas pessoas consideram isso como indício de uma ditadura, como em 1964. Quais são as diferenças entre esses dois períodos históricos? Há semelhanças?
“O Brasil é, hoje, um País muito mais complexo e sofisticado. Na época, havia uma situação de confronto característica da guerra fria, com a ação de ideologias externas, que fomentaram ameaças à hierarquia e à disciplina nas Forças Armadas, aspectos que não estão presentes nos dias atuais.

O Brasil e suas instituições evoluíram e desenvolveram um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a tutela por parte das Forças Armadas. Hoje, elas estão cientes de suas missões e capacidades e mantêm-se fiéis aos ditames constitucionais.

É chegada a hora de consentir que o período que engloba 1964 é história e assim deve ser percebido.

Atualmente a falta de um projeto nacional tem impedido que a sociedade convirja para objetivos comuns. Isso inclui, até mesmo, a necessidade de referências claras de liderança política que nos levem a bom porto.

Talvez seja um reflexo de os brasileiros terem permitido, no passado, que a linha de confrontação da guerra fria dividisse nossa sociedade.

É preciso que a crise que estamos vivendo provoque uma mudança no debate político para 2018. É necessário discutir questões que possibilitem preparar um projeto de Nação, decidir que País se quer ter e aonde se pretende chegar. Está difícil de identificar, no Brasil de hoje, uma base de pensamento com capacidade de interpretar o mundo atual, de elaborar diagnósticos estratégicos apropriados e de apontar direções e metas para o futuro.

Está nas mãos dos cidadãos brasileiros a oportunidade de, nas eleições de 2018, sinalizar o rumo a ser seguido.

A gravidade do quadro da segurança pública no país, com número de mortes equivalente ao de guerras é um problema que exige uma resposta que envolva distintos atores da sociedade.

A Intervenção decretada pelo Senhor Presidente da República é uma resposta a essa situação.

Mas a solução também deve passar pelo fortalecimento e capacitação das Forças de Segurança Pública, pela ação do Judiciário e pelo aperfeiçoamento do sistema carcerário, por exemplo. Passa, igualmente, pelo efetivo combate ao narcotráfico, hoje o grande indutor da violência nos grandes centros.

Da mesma maneira, o princípio da autoridade deve ser fortalecido e o sentido de disciplina social deve ser recuperado. Existe, hoje no Brasil, uma excessiva compreensão com direitos e uma enorme incompreensão com deveres. Há também excesso de diagnóstico e pouca ação efetiva e prática. As ações de Segurança Pública devem estabelecer metas e prioridades e ter a sinergia e integração de várias instituições, cada uma com sua destinação específica, como a Polícia Federal, – responsável primária pelas fronteiras; as Polícias Rodoviárias – pelas estradas; a Receita Federal e as polícias civis e militares de cada estado. Cabe lembrar que a Segurança Pública não é uma ação específica das FA, no entanto, o EB não se furtará a apoiar ações nesse campo.

É importante destacar, que nos dias atuais o Exército Brasileiro age balizado por três parâmetros: Legalidade, Legitimidade e Estabilidade. Diante da situação que vive o País, é o momento do Exército ganhar o protagonismo?

Nossas Forças (FA), entre elas o Exército Brasileiro (EB), moldam seu desempenho e trabalho para o cumprimento de sua missão constitucional e o atendimento do povo brasileiro.

Como consequência essas atividades resultaram em:

– o reconhecimento desfrutado pelas FA, junto à população brasileira, expresso nos resultados de diferentes pesquisas que indicam índices maiores de 80% de aceitação.

– as FA, que constituem um corte vertical da sociedade e possuem representantes de todo o espectro social, são reconhecidas por serem uma reserva de valores, como integridade, ética, honestidade, patriotismo e desprendimento;

– outro fator importante se relaciona ao fato de que, ao longo dos anos, as FA sempre estiveram presentes em momentos decisivos pelos quais nossa nação passou, como, por exemplo, os últimos grandes eventos – Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olímpiadas e Jogos Paralímpicos.

Além disso, é o resultado da competência nas missões subsidiárias cumpridas diuturnamente, como a condução de obras de infraestrutura, o atendimento às populações atingidas por calamidades públicas, o auxílio à defesa civil em regiões devastadas por catástrofes, a ajuda nas campanhas nacionais de erradicação do mosquito Aedes Aegypti e a distribuição de água potável na região nordeste e no norte de Minas Gerais, com a Operação Pipa.

Por tudo isso, essa confiança configura um capital intangível que nos é muito caro. Demonstra que a maioria da população nos observa e avalia muito bem, mas, principalmente, nos tem como reserva moral e exemplo a ser seguido por outras instituições.

O Exército entende que o protagonismo é da Nação brasileira, afinal a Força é constituída por brasileiros de todos os rincões do território”.

  • Que tipos de direitos são compreendidos de forma excessiva e quais deveres não estão sendo cumpridos no Brasil?
“A abordagem do tema foi dentro de um contexto de segurança pública. Mas observa-se, hoje em dia, que a toda hora se levanta bandeiras dos direitos, mas para que possamos usufruir desses direitos há necessidade de que cumpramos nossos deveres. Nessas horas lembramos as palavras do ex-presidente norte-americano, John F. Kennedy, ‘Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela'”.

  • O Exército afirma que está difícil apontar direções e metas para o futuro e que cabe aos cidadãos sinalizar o rumo a ser seguido nas eleições deste ano. Existe opção entre as pré-candidaturas que estão colocadas ou seria necessário que uma nova alternativa surgisse para que os brasileiros pudessem escolher?
“O Exército Brasileiro (EB), como instituição do Estado, e que serve a este Estado e não a pessoas, está acima de interesses partidários e de anseios pessoais, quaisquer que sejam as pessoas ou os partidos.

  • No texto, “o princípio da autoridade deve ser fortalecido e o sentido da disciplina social deve ser recuperado”, como o Exército acredita poder contribuir nesse sentido?
“Cumprindo sua missão constitucional, para continuar merecendo o respeito e o reconhecimento da população brasileira, expressos por números que indicam que as FA, que constituem um corte vertical da sociedade e possuem representantes de todo o espectro social, são reconhecidas por serem uma reserva de valores, como integridade, ética, honestidade, patriotismo e desprendimento”.

  • O Exército afirma que há necessidade de uma liderança política que leve a um bom porto. Quem seria essa pessoa?
“O Brasil vive um período de ineditismos, no entanto, nossas Instituições estão funcionando, mesmo com a crise pela qual elas e o país vêm passando. Nesse momento o que deve prevalecer é a Constituição Federal e as leis que regem o País, para tanto a atuação do poder judiciário é fundamental. Não há, no Brasil de hoje, uma base de pensamento com capacidade de interpretar o mundo atual, de elaborar diagnósticos apropriados e apontar direções para o futuro. Há necessidade de novo Projeto Nacional, de uma Política e Estratégia de Estado.

É preciso que a crise que estamos vivendo provoque uma mudança no debate político para 2018 e leve à discussão de questões que possibilitem preparar um projeto de nação. Como já foi dito na mensagem anterior, está nas mãos dos cidadãos brasileiros a oportunidade de, nas eleições de 2018, apontar o rumo a ser seguido.

  • O deputado Bolsonaro é um dos pré-candidatos e possui grande afinidade com as Forças Armadas. Ele reúne o perfil que o Brasil precisa?
“Todo cidadão tem o direito de ser candidato a qualquer cargo eletivo. É natural que o Deputado Jair Bolsonaro use seu currículo e sua história pessoal como ex-integrante do Exército em sua campanha. Como as Forças Armadas têm apresentado altos índices de confiança por parte da população, alguns atores tentam estabelecer certa ligação com os militares. No entanto, e em última análise, é a população quem vai julgar os partidos e os candidatos, por intermédio do voto, devendo, para tanto, conhecer muito bem os projetos e ideias de cada um deles.

Como já foi dito na resposta do questionamento número dois: o Exército Brasileiro, como instituição do Estado, e que serve a este Estado e não a pessoas, está acima de interesses partidários e de anseios pessoais, quaisquer que sejam as pessoas ou os partidos.

  • Já que o protagonismo é a da Nação Brasileira e mais de 80% da população aprova as intervenções do Exército, considerado como reserva moral e exemplo a ser seguido, as Forças Armadas poderiam indicar o rumo para o Brasil?
“As oportunidades nas quais o Exército Brasileiro (EB) poderá ser empregado estão descritas na Constituição, – Defesa da Pátria, Garantia dos Poderes Constitucionais e Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Conforme costumo destacar, o Exército age em absoluta conformidade com a Carta Magna e sempre busca atuar balizando suas ações na Legitimidade, Legalidade e Estabilidade.

Naturalmente o Exército acompanha a conjuntura nacional, situação política e os reflexos para a Instituição, no entanto não há atalhos fora da Constituição.

Os problemas políticos, econômicos e sociais pelos quais vem passando a Nação Brasileira serão resolvidos pelas nossas Instituições Nacionais dentro dos parâmetros impostos pela Constituição Federal.

As manifestações demonstram um cansaço da população com os escândalos que temos visto. O desejo de atuação dos militares reflete o anseio da população pelos valores consagrados nas Instituições Militares e, também, reflete a materialização do capital de confiança apresentado nas pesquisas e consignado às Forças Armadas (FA). Temos 83% de credibilidade junto à população.

Porém, EB tudo isso com tranquilidade. A Força Terrestre tem se empenhado em manter suas atividades diárias, de instrução militar, de adestramento e de treinamento de operações militares, dando continuidade ao preparo de suas unidades, bem como da realização de diferentes cursos, em diversas áreas, para seus quadros, ou seja, envolvimento em atividades eminentemente profissionais”.

  • De que forma o Exército pode contribuir, efetivamente, para a elaboração de um projeto nacional?
“A Força Terrestre pode e contribuirá como sempre fez, preparando-se e adestrando-se para manter-se como:

– uma Força Terrestre eficiente e eficaz para defender o Brasil;

– um Exército capaz de contribuir para manter a estabilidade regional; e uma Instituição capaz de agir no concerto mundial das nações para contribuir para a Segurança Internacional.

Garantindo a integridade territorial, garantindo integridade do patrimônio nacional, manutenção da soberania, garantir a paz social, promovendo o progresso e desenvolvimento nacional e preservando a democracia.

Mantendo e intensificando nosso trabalho nas mais longínquas fronteiras por meio de suas Organizações Militares (OM).

As Instituições Militares na Amazônia garantem a presença do Estado nessa região inóspita, promovendo a ocupação física das áreas longínquas, fomentando e contribuindo com a integração da região com o país.

Mantendo-se presente nas regiões afastadas do poder central do Estado Brasileiro em todos os quadrantes do País, tanto nas áreas urbanas como nos vazios demográficos.

Continuando a cumprir com dedicação e competência as missões subsidiárias diuturnamente, como a condução de obras de infraestrutura, o atendimento às populações atingidas por calamidades públicas, o auxílio à defesa civil em regiões devastadas por catástrofes, a ajuda nas campanhas nacionais de erradicação do mosquito Aedes Aegypti e a distribuição de água potável na região nordeste e no norte de Minas Gerais, com a Operação Pipa”.
Em destaque: Militares do Regimento Escola de Infantaria se movimentam pelas ruas de Anchienta, na Zona Norte do Rio. Foto: Danilo Verpa/Folhapres


The Intercept Brasil

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