O recente movimento dos caminhoneiros despertou, entre outros, o debate sobre como o Brasil é bastante dependente do transporte rodoviário. A capacidade da frota de caminhões de parar o país espantou muitos.

A dependência das estradas decorre de diferentes fatores, porém, é evidente que esse processo teve forte impulso durante o regime militar. O mesmo regime que desperta saudosismo entre segmentos da opinião pública.




O regime militar estabeleceu como política de governo, premeditada, a retirada das ferrovias de cena. Foi criado inclusive o Grupo Executivo de Substituição de Ferrovias e Ramais Antieconômicos (Gesfra), cuja função era abrir o maior número de rodovias a cruzar o território nacional.

O coronel do Exército e ministro dos Transportes entre 1967 e 1974, Mário Andreazza, foi o maior expoente dessa política. Com a ajuda de Eliseu Resende, que chefiava o Gesfra, Andreazza e a ditadura militar eliminaram 4.881 quilômetros de estrada de ferro, consideradas “deficitárias” pelo regime.

Andreazza resumiu da seguinte forma sua estratégia, em artigo publicado na revista Visão, em julho de 1969: “Um governo que fizesse só estradas e não fizesse nada, teria feito tudo; um governo que fizesse tudo mas não fizesse estradas, não teria feito quase nada”.

Em seu período como ministro, ele liderou projetos como a pavimentação da Belém-Brasília, a construção da hoje fantasmagórica Transamazônica – coberta de mato e de suspeitas de corrupção nunca devidamente esclarecidas – a Rio-Santos e a Ponte Rio-Niterói, entre outros.




Esses e outros exemplos da relação muito próxima entre grandes empreiteiros e a ditadura militar estão descritos no livro Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988, do historiador Pedro Henrique Pedreira Campos. O livro, lançado pela primeira vez em 2014, está esgotado nas livrarias. Mas a tese de doutorado que lhe deu origem, apresentada defendida na Universidade Federal Fluminense, está à disposição na internet.

A opção por um Brasil hegemonicamente estradeiro, alvo de críticas nas duas últimas semanas, não apenas lança uma sombra sobre a percepção de que os militares eram exemplo de competência e visão de longo prazo, como também provoca fissuras na falsa ideia, propagada por alguns e reproduzida por muitos, de que intervenção militar seria antídoto para a corrupção.

O livro de Campos recupera, a partir da pesquisa de reportagens e processos daquela época e posteriores, diversos casos de corrupção que pontuaram o período. “Já na ditadura, principalmente nos anos mais fechados, foram vistas poucas acusações contra improbidades cometidas por construtoras, o que evidencia obviamente não o menor número de casos, mas o amordaçamento dos mecanismos de fiscalização e divulgação das irregularidades que, crê-se, eram até mais frequentes”, diz o autor em trecho do livro. “Com o início da abertura (…) as denúncias se superpuseram”, completa.

Em 2013, a Fundação Perseu Abramo lançou a publicação Infraestrutura, Transportes e Mobilidade Territorial, organizada por José Augusto Valente. Nela, descobre-se que a malha ferroviária atual é de aproximadamente 31 mil km.


Fundação Perseu Abramo


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