por Raquel Sousa*, especial para o Viomundo
Nesta sexta-feira (01/06), o Sindipetro Alagoas/Sergipe e o de São José dos Campos, ambos ligados à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) recorreram contra a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que julgou abusiva a greve iniciada no dia 30/05 contra a política de preços da Petrobrás, privatização da empresa e pela demissão de Pedro Parente (que, aliás, hoje pediu para sair)
Ela proíbe as greves político-sociais, que é o caso da greve dos petroleiros que decidiram lutar contra a devastação da Petrobrás pela gestão entreguista do senhor Pedro Parente, e, assim, coletivamente defender estes legítimos interesses
a) Redução dos preços do gás de cozinha e dos combustíveis, vez que a “política” de preços adotada pela gestão Pedro Parente é contrária aos direitos de todos os Brasileiros;
b) Manutenção dos empregos, vez que a defesa do emprego é o principal interesse da classe trabalhadora;
c)) Retomada da produção das refinarias a plena carga, vez que o plano de Pedro Parente para destruir o setor de refino ameaça milhares de empregos da categoria petroleira;
d) Fim das importações de derivados de petróleo, vez que essa política visa exatamente esvaziar a atividade das refinarias da Petrobrás, e viabilizar a destruição de dezenas de milhares de postos de trabalho;
e) Não às privatizações e ao desmonte do Sistema Petrobrás, vez que cada privatização e cada entrega de ativos significam a perda de postos de trabalho;
Em países civilizados essa pauta seria considerada lícita, vez que atende ao principal interesse de todo trabalhador: a preservação de seus empregos, que, no caso da categoria petroleira estão ameaçados pela continuada depredação dos ativos e do patrimônio da Petrobras pela atual gestão.
Tal pauta de reivindicações também deveria ser lícita no Brasil, face ao disposto no artigo 9º da Constituição Federal:
“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”Entretanto, a lei antigreve reduziu um direito constitucional a um quase nada jurídico, permitindo-a apenas na data base de cada categoria profissional e, ainda assim, obrigando seu encerramento após decisão da Justiça do Trabalho.
Então, onde foi parar o direito de greve, que está na Constituição e dá ao trabalhador a competência de “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo” e o direito de decidir “sobre os interesses que devam por meio dele defender” ?
A lei antigreve vem exatamente na contramão do que foi debatido e votado pela Assembleia Nacional Constituinte.
Vale lembrar que a parte mais substancial do artigo 9º da Constituição Federal –“… competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade e os interesses que devam por meio dele defender” — foi objeto de muitas emendas supressivas apresentadas ao plenário da Assembleia Nacional Constituinte.
Todas essas emendas tinham como objetivo impossibilitar a greve política e quaisquer greves fora da data base, como admitiu o constituinte Aloísio Chaves:
“Da maneira como está redigido o caput do art 9°, os trabalhadores poderão deflagrar uma greve antes de iniciar-se a negociação coletiva, no curso de uma convenção coletiva ou depois que o conflito coletivo tenha sido julgado pela Justiça do Trabalho.A votação dessas emendas causou um dos maiores impasses na votação do texto final da Constituição Federal.
E a greve poderá ter por objeto tanto interesses pertinentes às respectivas relações de trabalho como outros de natureza política, econômica ou de solidariedade.”
O “Centrão” seguidamente negou quorum à votação no afã de obter a retirada da expressão “… competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade e os interesses que devam por meio dele defender”
Essa atitude do “Centrão” provocou estas palavras do constituinte Ademir Andrade:
“Ainda na votação do 1º turno esse tema gerou enormes dificuldades, e depois de inúmeras reuniões, chegou-se a um acordo que foi aprovado e que garante o direito de greve do trabalhador, inclusive a greve política, ressalvados os abusos cometidos, que sujeitam os responsáveis às penas da lei.A posição expressa pelo constituinte Ademir Andrade obteve vitória esmagadora no Plenário da Assembleia Nacional Constituinte.
Agora desejam os representantes do Centrão chantagear a Constituinte, ameaçando não dar quorum, se não for tirado o direito de greve no interesse de toda a classe trabalhadora.
Os Países democráticos e civilizados, onde existe o livre direito de organização sindical, promovem greve geral contra a política econômica do governo.
Esta é sob todos os pontos de vista uma prática democrática, que não podemos admitir não possa haver no Brasil. “
Foram 287 contra 112, ficando aprovada a redação que “garante o direito de greve do trabalhador, inclusive a greve política ”.
Curiosamente o presidente Michel Temer, que hoje criminaliza a greve dos petroleiros, votou para que fosse garantido “o direito de greve do trabalhador, inclusive a greve política”.
Mas a lei antigreve veio exatamente para acabar com a vontade do constituinte.
Os sindicatos apontam o artigo 14 da Lei 7783/89, como o coração da inconstitucionalidade da lei antigreve:
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.O que resta do direito de greve, nos termos desse artigo, senão um QUASE NADA ?
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II – seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.”
Segundo os Sindicatos, esse artigo fere de morte os artigos 9 e 170, da Constituição Federal:
a) Ao artigo 9º, naquilo em que assegura, por soberana vontade da Assembleia Nacional Constituinte, que, no que respeita ao direito de greve, os trabalhadores possuem a competência de “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, não podendo ser cerceados no exercício dessa garantia constitucional por uma norma inferior;
b) Ao artigo 170, vez que nem mesmo
“decisão da Justiça do Trabalho” pode obrigar um Homem Livre a vender sua Força de Trabalho por qualquer outro preço diverso daquele que ele esteja disposto a aceitar; impor o preço pelo qual um Trabalhador deva vender sua Força de Trabalho – para a imensa maioria o único bem que possuem – na prática significa revogar a Lei Áurea.Os sindicatos questionam também em seu recurso o próprio Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Argumentam que o Dissídio Coletivo de Natureza Econômica e o Poder Normativo da Justiça do Trabalho são filhos do Artigo V da Carta del Lavoro, do Estado Fascista de Mussolini e que sua incompatibilidade com o Estado de Direito é auto-evidente:
Como poderia um Trabalhador ser obrigado a vender sua Força de Trabalho pelo preço determinado pela Justiça do Trabalho ?De acordo com os Sindicatos, somente após a Emenda Constitucional nº 45/2004, ou seja, com quase 60 anos de atraso, Mussolini foi finalmente enterrado em nosso ordenamento Jurídico.
A Força de Trabalho é, para a imensa maioria da Classe Trabalhadora, o único bem de que cada um dispõe; assim, dentro de um Estado de Direito, apenas o Trabalhador é senhor de negociar o preço pelo qual queira vender aquele bem.
Isso porque após a emenda nº 45 / 2004, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho foi transformado em um “Poder Arbitral”, que apenas pode ser acionado mediante o Comum Acordo das Partes, como passou a constar do Parágrafo 2º do Artigo 114 da Constituição Federal.
Ou seja, o julgamento de cláusulas coletivas apenas poderá ocorrer quando isso for desejo de ambas as partes envolvidas.
Foi exatamente por isso que a Constituição cuidou de limitar ao Ministério Público a titularidade do dissídio coletivo de greve, motivo pelo qual também a empresa e o governo não poderiam sequer ter ajuizado o Dissídio Coletivo de Greve.
Reforçam que fosse o caso de dissídio coletivo de greve ajuizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o conflito a ser decidido deveria ficar restrito ao atendimento às necessidades do interesse público, sem que possa ser aplicado qualquer julgamento sobre as reivindicações dos trabalhadores.
Concluem então que é necessário que o TST recoloque em vigor o direito constitucional de greve e declare a inconstitucionalidade da lei antigreve.
Pedem, assim, a reforma da decisão, vez que a categoria petroleira limitou-se a exercer seu direito constitucional de greve, dentro dos limites que lhe foi deferido pelo legislador Constituinte.
*Raquel Sousa é advogada do Sindipetro Alagoas e Sergipe e das ações populares contra as vendas de ativos da Petrobrás
Viomundo