Como a Alemanha, a França se prepara para agir contra as “fake news” (notícias falsas, em inglês). E exatamente como ocorreu no país vizinho, o projeto de lei tem provocado fortes críticas por ser considerado como ineficaz, além de interferir nas liberdades pessoais. O texto deve ser discutido no Parlamento no dia 7 de junho e pode começar a ser aplicado em 2019.
Manifestante ergue cartaz que diz "Eu sou não sou uma 'notícia falsa'"
© Jessica Kourkounis / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
A iniciativa vem diretamente do presidente Emmanuel Macron, que foi vítima, durante a campanha presidencial de 2017, de rumores sobre sua vida privada e uma suposta conta nas Bahamas. A legislação prevê que, durante o período eleitoral, a justiça possa bloquear a difusão das “fake news”, impor obrigações de transparência às plataformas numéricas e interromper programas de televisão.
O projeto francês faz parte de um contexto global de suspeitas de interferência russa em diversas campanhas eleitorais na Europa, na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e até mesmo no Brexit. Além dos franceses e dos alemães, os ingleses e italianos também têm trabalhado nesse sentido. A União Europeia prevê a criação de um código de “boas maneiras”.
“Proibir as ‘fake news’ não vai reduzi-las”
A França quer intensificar a vigilância, mas sem chegar ao nível da Alemanha, onde uma lei controversa prevê multas de até € 50 milhões para usuários das redes sociais. Muitos acreditam que, sob a fachada de luta contra as “fake news”, o governo alemão vá bloquear publicações que possam incomodar o Estado.
“É ineficaz e perigoso, porque avançamos numa direção que pode chegar à censura”, estima Vincent Lanier, secretário nacional do Sindicato Nacional dos Jornalistas (SNJ). O governo argumenta que a lei será composta por critérios “protetores” da liberdade de expressão: será preciso que a informação seja “realmente falsa” e que sua distribuição seja “massiva” e “artificial”.
“A ideia não é reduzir a liberdade de expressão, ao contrário, já que ao deixar as ‘fake news’ se multiplicarem, estamos atacando diretamente a profissão de jornalista”, declarou a ministra da Cultura Françoise Nyssen.
Jérôme Fenoglio, diretor do jornal Le Monde, diz que “o risco é muito alto. O período eleitoral deve ser de uma grande liberdade, é uma época em que saem muitas informações importantes”. Fenoglio faz referência ao caso de François Fillon, candidato das últimas eleições francesas que foi massacrado por denúncias de desvio de dinheiro e viu sua popularidade despencar.
“Não posso defender um dispositivo que considera como normal o bloqueio de todo tipo de informação apenas porque vem de um governo estrangeiro”, explica Jerôme Fenoglio, lembrando que o próprio jornal Le Monde é “bloqueado e invisível na China”.
Certos especialistas temem que a lei tenha um efeito contrário ao que propõe, ao criar “mártires das fakes news” – uma informação que ganha o selo de “falsa” não desaparece e pode mesmo ganhar certo prestígio para determinados públicos.
As modalidades de aplicação da legislação também levantam questões. O jurista Vincent Couronne denuncia uma lei “não apenas inútil, mas perigosa para a serenidade e para a diversidade do debate público”.
RFI