Janaina Teles, Edson Teles, Amelinha Teles e Cesar TelesImagem: Arquivo Pessoal

Breno Damascena
Colaboração para Universa


“Fui obrigada a amadurecer bem mais rápido, tive uma infância complicada”, lamenta a historiadora Janaina Teles. Com cinco anos de idade, ela e o irmão, Edson Teles, com quatro, assistiram aos pais serem torturados por oficiais do exército na ditadura militar. “Lembro de ir para a cela e notar que eles não conseguiam se mexer, nem para abraçar a gente. Sei que vou carregar estes momentos comigo para sempre”.

Janaina é filha dos ex-presos políticos César Augusto Teles e Maria Amélia de Almeida Teles --a Amelinha. Ela e o irmão viveram uma semana sob o olhar dos militares no DOI-CODI, em São Paulo, antes de serem enviados para a casa de um tio, em Minas Gerais. “Costumavam dizer que meus pais eram terroristas e tinham me abandonado”, recorda-se. “Às vezes, quando eu ia falar alguma coisa, eles gritavam para calar a boca e me chamavam de comunista. Eu nem sabia o que era isso”.


A historiadora destaca que a situação não melhorou nos mais de seis meses que morou com o tio, um delegado de polícia. Neste período, viveu sob um teto de hostilidade, onde recebia constantes ataques. “Uma vez perguntei sobre meus pais e ele colocou a arma em cima da mesa, como forma de ameaça”, recorda-se.

De acordo com o relatório divulgado em 2014 pela Comissão Nacional da Verdade sobre a ditadura militar brasileira, 434 pessoas foram mortas ou desapareceram, e milhares foram presas, torturadas e afastadas dos seus familiares.

Amelinha conta que, quando os filhos entraram na sala onde estava aprisionada, ela tinha o corpo coberto de sangue, urina e hematomas. “Minha filha perguntou ‘por que você está azul e o pai está verde?’. É porque ele havia acabado de sair de estado de coma”, relembra. “Tive muitos momentos ruins: pau-de-arara, choques no corpo inteiro, palmatória e violência sexual. Achávamos que não iríamos sobreviver”.

Quando, finalmente, a família voltou a se encontrar, a batalha contra os impactos da ditadura ainda estava longe de chegar ao fim. Contaram com a ajuda de amigos próximos e até de pessoas desconhecidas, que deixavam sacolas com alimentos na porta da casa deles. Além disso, Amelinha comenta que recuperar a confiança dos filhos novamente foi uma tarefa árdua. “Eles tinham sido acuados e recriminados o tempo inteiro”, justifica.

Janaina aponta que enfrenta uma batalha contra problemas psicológicos e transtornos hormonais até hoje por causa dos traumas deste período. “O medo esteve sempre presente na minha vida e foi retomado em diversas ocasiões. Se não fosse pela psicoterapia talvez eu não conseguiria nem estar em pé”.

Em 2008, a família venceu uma ação inédita contra o ex-coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra pelos crimes que sofreram na ditadura. Porém, Amelinha afirma que jamais conseguiu superar este período. “Os torturadores nunca foram punidos de verdade, sequer advertidos. Eles fazem parte do aparato do estado. Não tem como apagar este medo que ainda existe”, lamenta.

De acordo com Amelinha, o Brasil prega a política do acontecimento. Para ela, existem fortes paralelos do momento atual com o ano de 1964. Desde a formação dos agrupamentos políticos, a participação de militares, a atitude bélica e atitudes anti-democráticas. “Assusta-me pensar nisso, dá até pânico. Precisamos conhecer nossa história e tudo que ela produziu até agora para construir a democracia”.

A opinião é endossada por Janaina, que aponta a falta de um debate amplo sobre a ditadura como causa do potencial fascínio que o regime exerce na população. Como forma de superar as próprias experiências traumáticas, ela se tornou historiadora e passou a estudar os impactos do período na sociedade. “Por causa da falta de diálogo, temos, por exemplo, um candidato a presidente que defende o Ustra e a ditadura. Devemos coibir o negacionismo e valorizar a história de quem resistiu”, finaliza.


UOL Universa

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