Advogada e integrante do IBCCRIM foi uma das convidadas para debate ‘Democracia das Chacinas’, em SP, sobre violência de Estado nas periferias; Débora Silva, das Mães de Maio, também esteve presente

por Arthur Stabile

Debora Maria (de amarelo), em discurso na faculdade de direito da USP | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo


A votação expressiva de Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno das eleições presidenciais, com mais de 49 milhões de votos, pôs em cheque a democracia brasileira. Um alerta soou ao ver as falas extremistas do candidato, inclusive sobre golpe de Estado e atacando minorias, ganharem eco no povo. Um risco às liberdades. No entanto, para as periferias, um medo que já existe na realidade, como exposto em debate na USP (Universidade de São Paulo), realizado pelo Movimento Travessia, coletivo de alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

“Não parimos um filho para o fascismo matar. Estamos avisando faz tempo desse perigo e são as mães que vão parir um novo Brasil. A ditadura não acabou para a periferia, ela acabou para a burguesia, que corre risco agora”, disparou Debora Maria da Silva, fundadora do movimento Mães de Maio. “As chacinas dos presídios foram para as ruas. Foi o que aconteceu com meu filho: primeiro se prende para depois matar”, completa. Edson Rogério, filho de Debora, morreu no revide do Estado aos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) em 2006 no estado de São Paulo.

Denominado “Democracia das Chacinas”, o encontro tratou das mortes recorrentes nas periferias. O ponto de partida do debate foi o Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, quando 111 presos foram fuzilados pela Polícia Militar de São Paulo, segundo números oficiais. Pelos extra-oficiais, os relatos apontam centenas de vítimas.

“Vivi o que se chama massacre, mas ocorreram outros massacres antes. Teve em 1982, 1986… Os presídios são lotados desde a década de 1960. Vivi na época dos RPM (Recolhimento Provisório de Menores), antes da Febem (hoje chamado de Fundação Casa). Fui criado ali, não com meus pais, e tinha tortura. E a tortura fabrica criminosos”, conta Kric MC, rapper do grupo Comunidade Carcerária, com 28 anos vividos no sistema prisional.

O entendimento entre os participantes é de que não surpreende o fato das periferias darem apoio a um candidato extremista, de frases sexistas, machistas, homofóbicas e com clara indicação para o endurecimento da violência estatal. O motivo? Para quem mora longe das áreas ricas e centrais, conviver com violações já faz parte da rotina.

“Temos uma falsa democracia de violências históricas. Precisamos pensar que esse povo que vota no Bolsonaro não pensa o aprofundamento da violência porque ela já é cotidiana. Precisamos fazer um exercício e analisar profundamente. Vivemos uma democracia das violências.”, sustenta Dina Alves, advogada membro do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

Para a especialista, uma das ferramentas para reafirmar esta democracia tupiniquim é o direito penal “eugênico, de pensar apenas em tipos penais”. “É uma das explicações da forma como se distribui a vida e a morte no Brasil. É preciso desmistificar o conceito de democracia”, argumenta.

Os debatedores dirigiram cobranças ao público, formado por alunos do curso de direito. “Daqui saem promotores, juízes e outras pessoas do judiciário. Lá na frente, vocês vão ter uma caneta pesada na mão, uma caneta que mata tanto ou mais do que a polícia. Agora, nos pedem ajuda em seus trabalhos para se formarem, mas lá na frente nos devolvem com um canudo com laço que escorre sangue”, cobrou Débora Silva.
Ponte Jornalismo

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