"A imensurável riqueza do solo e o poder terapêutico das plantas aguçam a ambição do capitalismo", diz o documento
Artistas e intelectuais da Amazônia lançaram, nesta semana, uma carta aberta contra a exploração desenfreada da floresta e as ameaças cada vez mais constantes que assolam o território.
Eles condenam a colonização portuguesa, período que classificam como o início da visão da terra como algo "acéfalo e vazio", ideia que perdura ainda hoje, mesmo que "mais de 25 milhões de pessoas, de diversas etnias, habitem a região".
Também denunciam a escravização dos povos nativos, o modelo capitalista de exploração e o governo de Jair Bolsonaro, além de clamarem atenção para o crescente extermínio da biodiversidade, fauna, flora e do povo amazônico. "A infelicitada Amazônia, desse modo, em vez do preconizado paraíso tropical, tornou-se o inferno cujas chamas transformam a floresta em pasto para gado e o pasto em savanas e desertos onde as almas dos nativos, que outrora bailavam livres e felizes na “Terra Sem Mal”, vagam sedentas e desorientas", escrevem.
Irmãos e irmãs do Brasil e de todas as partes da Terra, dirigimos a vocês a nossa fala por imaginar que estejam perplexos e estarrecidos ao verem a Amazônia transformada numa enorme coivara (fogueira), que ameaça a vida humana em escala planetária.
Saibam, queridos, que, desde o início da colonização portuguesa no vale amazônico, em 1616, com a fundação do Forte do Presépio no “Grão-Pará” (atual Amazônia), esta vem sendo tratada como terra acéfala e vazia, embora mais de 25 milhões de pessoas, de diversas etnias, habitem a região. Com base nesse mito, projetos gerados nas metrópoles são impostos às populações locais com trágicas consequências para estas e a natureza; povos são dizimados por doenças contraídas no contato com o invasor; pilhagens e genocídios fazem parte do nosso cotidiano.
Com a garrucha na mão direita e a cruz na esquerda, o explorador europeu escravizou e desencarnou os povos nativos; com o diadema de aço de suas velhas convicções, esmagou o nosso sonho, transformando-o em pesadelo; nossas histórias vivas, carregadas de sentido, foram recolhidas por curiosos e aventureiros e transformadas em “estórias” fantasmagóricas, mero "folclore" destinado a alimentar a esquizofrenia das mentes “civilizadas”; um nome postiço nos deram, e, para os corpos e as mentes, roupagem falsa nos impuseram; cobiça desenfreada abateu-se sobre nós.
A fauna e a flora exuberantes, a malha fluvial de mais de 4 mil rios, o Aquífero Guarani de Alter do Chão capaz de matar a sede da população global por 250 anos, a imensurável riqueza do solo e subsolo e o poder terapêutico das plantas aguçam a ambição da grande empresa capitalista, nacional e internacional, que, à força ou mediante fraude, subtrai o nosso mogno, os nossos peixes ornamentais, as aves raras, o manganês, a bauxita, o ferro, o níquel, o cobre, o ouro, e faz isso com a cumplicidade das oligarquias locais, que se locupletam escandalosamente com propinas e desvio do dinheiro público, enquanto índios, posseiros, ribeirinhos e a população das cidades são largados a esmo, sem qualquer assistência.
A imensurável riqueza natural da Amazônia só lhe atrai desgraças. A região mais rica do país tem a população mais pobre e desassistida, não sendo exagero afirmar que o “homem amazônico” e sua cultura, em perfeita simbiose com a natureza física agredida, estão ameaçados de extinção. Algo precisa ser feito, imediatamente, para salvar o que ainda resta.
Irmãos brasileiros, irmãos de todos os cantos do mundo, ouçam-nos! A biodiversidade depende das florestas e dos rios para existir; ela pede socorro! Mas nossa voz é muito fraca. As oligarquias locais calam à bala os que ousam confrontar seus desígnios e compram o silêncio dos que se deixam corromper. As forças que nos esmagam são globais e poderosas, e não atingem somente a nós. Não conseguiremos vencê-las sozinhos. Da atitude de vocês diante de vossos governos depende não apenas o nosso destino, mas o destino da humanidade.
A luta por um modelo de desenvolvimento econômico-social sustentável, no qual a vida possa acontecer em sua diversidade e plenitude, promete ser intensa e prolongada, mas não nos entreguemos à desesperança. O gigante que parecia invencível já cambaleia ao peso de sua própria armadura. Já é possível enxergar uma pequena luz no fundo das trevas. O sistema econômico, que esgota a natureza e suga a energia dos povos, está em crise. O desemprego cresce na Europa e nos Estados Unidos da América. Os rentistas e financistas, que controlam a economia mundial e acumulam dinheiro sem real produção de riqueza, condenam à miséria e à morte os povos que por infelicidade caem em suas mãos, tornando-os dependentes do extrativismo exauriente dos recursos naturais e de um modelo criminoso de agricultura, que, de modo periclitante, potencializa a morte ao empregar as novas tecnologias e insumos agrícolas em prol do lucro e em detrimento da vida. Mas, apesar da violência com que tratam os povos subjugados, esses sugadores de almas não se sentem seguros; multidões de “zumbis”, levantados das tumbas, perturbam seu sono.
Esse capitalismo agressivo e sem pátria, que desorganiza as economias nacionais, retira direitos, precariza o trabalho e entroniza governos entreguistas, cínicos e corruptos como os de Michel Temer e Jair Bolsonaro (ou incapazes de compreender a razão de ser da região, como os governos de Lula e Dilma),faz da Amazônia a “fronteira” a ser invadida e devastada por mineradoras, madeireiras e agentes do agronegócio, que, como nuvens de gafanhotos e outros insetos, cortam as florestas, envenenam a terra e os rios, eliminam espécies vivas, muitas nem ainda identificadas.
A infelicitada Amazônia, desse modo, em vez do preconizado paraíso tropical, tornou-se o inferno cujas chamas transformam a floresta em pasto para gado e o pasto em savanas e desertos onde as almas dos nativos, que outrora bailavam livres e felizes na “Terra Sem Mal”, vagam sedentas e desorientas; e o canto dos passarinhos, que embalava sonos tranquilos, foi substituído pelos gritos e gemidos das almas sacrificadas pela ganância de uns, ignorância de outros e, principalmente, pela lógica perversa de um sistema econômico que, em sua fome insaciável de lucro, devora a natureza e esmaga as pessoas.
Irmãos brasileiros e de outras partes do mundo, não apenas a fauna e a flora agonizantes ou as etnias encurraladas precisam da vossa solidariedade, mas a própria humanidade insultada e agredida pela barbárie representada pelo insano governo de Jair Bolsonaro.
Contra esse capitalismo desalmado, que invadiu a Amazônia e fez dela terra arrasada, subscrevemos esta carta e levantamos o nosso brado, ainda que frágil, sem poupar as oligarquias locais, que se prestam ao miserável papel de algozes de seu próprio povo.
Lúcio Flávio Pinto – jornalista e sociólogo (Pará)
Edyr Augusto Proença – escritor e jornalista (Pará)
Nicodemos Sena – escritor e jornalista (Pará)
Michel Justamand – professor e pesquisador (Amazonas)
Edilberto Sena – padre e jornalista (Pará)
Renan Albuquerque – professor e pesquisador (Amazonas)
Thiago Rocha – advogado e da Comissão Justiça e Paz (Pará)
Aílson Braga – ator, escritor e jornalista (Pará)
Rosélio da Costa Silva – jornalista e escritor (Pará)
Laurenice Nogueira da Conceição - professora e pesquisadora (Pará)
João da Cruz Borges Neto - professor e pesquisador (Pará)
Luiz Manuel Pedroso - engenheiro florestal e professor (Pará)
Brasil de Fato
Eles condenam a colonização portuguesa, período que classificam como o início da visão da terra como algo "acéfalo e vazio", ideia que perdura ainda hoje, mesmo que "mais de 25 milhões de pessoas, de diversas etnias, habitem a região".
Também denunciam a escravização dos povos nativos, o modelo capitalista de exploração e o governo de Jair Bolsonaro, além de clamarem atenção para o crescente extermínio da biodiversidade, fauna, flora e do povo amazônico. "A infelicitada Amazônia, desse modo, em vez do preconizado paraíso tropical, tornou-se o inferno cujas chamas transformam a floresta em pasto para gado e o pasto em savanas e desertos onde as almas dos nativos, que outrora bailavam livres e felizes na “Terra Sem Mal”, vagam sedentas e desorientas", escrevem.
Leia o texto na íntegra:
Saibam, queridos, que, desde o início da colonização portuguesa no vale amazônico, em 1616, com a fundação do Forte do Presépio no “Grão-Pará” (atual Amazônia), esta vem sendo tratada como terra acéfala e vazia, embora mais de 25 milhões de pessoas, de diversas etnias, habitem a região. Com base nesse mito, projetos gerados nas metrópoles são impostos às populações locais com trágicas consequências para estas e a natureza; povos são dizimados por doenças contraídas no contato com o invasor; pilhagens e genocídios fazem parte do nosso cotidiano.
Com a garrucha na mão direita e a cruz na esquerda, o explorador europeu escravizou e desencarnou os povos nativos; com o diadema de aço de suas velhas convicções, esmagou o nosso sonho, transformando-o em pesadelo; nossas histórias vivas, carregadas de sentido, foram recolhidas por curiosos e aventureiros e transformadas em “estórias” fantasmagóricas, mero "folclore" destinado a alimentar a esquizofrenia das mentes “civilizadas”; um nome postiço nos deram, e, para os corpos e as mentes, roupagem falsa nos impuseram; cobiça desenfreada abateu-se sobre nós.
A fauna e a flora exuberantes, a malha fluvial de mais de 4 mil rios, o Aquífero Guarani de Alter do Chão capaz de matar a sede da população global por 250 anos, a imensurável riqueza do solo e subsolo e o poder terapêutico das plantas aguçam a ambição da grande empresa capitalista, nacional e internacional, que, à força ou mediante fraude, subtrai o nosso mogno, os nossos peixes ornamentais, as aves raras, o manganês, a bauxita, o ferro, o níquel, o cobre, o ouro, e faz isso com a cumplicidade das oligarquias locais, que se locupletam escandalosamente com propinas e desvio do dinheiro público, enquanto índios, posseiros, ribeirinhos e a população das cidades são largados a esmo, sem qualquer assistência.
A imensurável riqueza natural da Amazônia só lhe atrai desgraças. A região mais rica do país tem a população mais pobre e desassistida, não sendo exagero afirmar que o “homem amazônico” e sua cultura, em perfeita simbiose com a natureza física agredida, estão ameaçados de extinção. Algo precisa ser feito, imediatamente, para salvar o que ainda resta.
Irmãos brasileiros, irmãos de todos os cantos do mundo, ouçam-nos! A biodiversidade depende das florestas e dos rios para existir; ela pede socorro! Mas nossa voz é muito fraca. As oligarquias locais calam à bala os que ousam confrontar seus desígnios e compram o silêncio dos que se deixam corromper. As forças que nos esmagam são globais e poderosas, e não atingem somente a nós. Não conseguiremos vencê-las sozinhos. Da atitude de vocês diante de vossos governos depende não apenas o nosso destino, mas o destino da humanidade.
A luta por um modelo de desenvolvimento econômico-social sustentável, no qual a vida possa acontecer em sua diversidade e plenitude, promete ser intensa e prolongada, mas não nos entreguemos à desesperança. O gigante que parecia invencível já cambaleia ao peso de sua própria armadura. Já é possível enxergar uma pequena luz no fundo das trevas. O sistema econômico, que esgota a natureza e suga a energia dos povos, está em crise. O desemprego cresce na Europa e nos Estados Unidos da América. Os rentistas e financistas, que controlam a economia mundial e acumulam dinheiro sem real produção de riqueza, condenam à miséria e à morte os povos que por infelicidade caem em suas mãos, tornando-os dependentes do extrativismo exauriente dos recursos naturais e de um modelo criminoso de agricultura, que, de modo periclitante, potencializa a morte ao empregar as novas tecnologias e insumos agrícolas em prol do lucro e em detrimento da vida. Mas, apesar da violência com que tratam os povos subjugados, esses sugadores de almas não se sentem seguros; multidões de “zumbis”, levantados das tumbas, perturbam seu sono.
Esse capitalismo agressivo e sem pátria, que desorganiza as economias nacionais, retira direitos, precariza o trabalho e entroniza governos entreguistas, cínicos e corruptos como os de Michel Temer e Jair Bolsonaro (ou incapazes de compreender a razão de ser da região, como os governos de Lula e Dilma),faz da Amazônia a “fronteira” a ser invadida e devastada por mineradoras, madeireiras e agentes do agronegócio, que, como nuvens de gafanhotos e outros insetos, cortam as florestas, envenenam a terra e os rios, eliminam espécies vivas, muitas nem ainda identificadas.
A infelicitada Amazônia, desse modo, em vez do preconizado paraíso tropical, tornou-se o inferno cujas chamas transformam a floresta em pasto para gado e o pasto em savanas e desertos onde as almas dos nativos, que outrora bailavam livres e felizes na “Terra Sem Mal”, vagam sedentas e desorientas; e o canto dos passarinhos, que embalava sonos tranquilos, foi substituído pelos gritos e gemidos das almas sacrificadas pela ganância de uns, ignorância de outros e, principalmente, pela lógica perversa de um sistema econômico que, em sua fome insaciável de lucro, devora a natureza e esmaga as pessoas.
Irmãos brasileiros e de outras partes do mundo, não apenas a fauna e a flora agonizantes ou as etnias encurraladas precisam da vossa solidariedade, mas a própria humanidade insultada e agredida pela barbárie representada pelo insano governo de Jair Bolsonaro.
Contra esse capitalismo desalmado, que invadiu a Amazônia e fez dela terra arrasada, subscrevemos esta carta e levantamos o nosso brado, ainda que frágil, sem poupar as oligarquias locais, que se prestam ao miserável papel de algozes de seu próprio povo.
Lúcio Flávio Pinto – jornalista e sociólogo (Pará)
Edyr Augusto Proença – escritor e jornalista (Pará)
Nicodemos Sena – escritor e jornalista (Pará)
Michel Justamand – professor e pesquisador (Amazonas)
Edilberto Sena – padre e jornalista (Pará)
Renan Albuquerque – professor e pesquisador (Amazonas)
Thiago Rocha – advogado e da Comissão Justiça e Paz (Pará)
Aílson Braga – ator, escritor e jornalista (Pará)
Rosélio da Costa Silva – jornalista e escritor (Pará)
Laurenice Nogueira da Conceição - professora e pesquisadora (Pará)
João da Cruz Borges Neto - professor e pesquisador (Pará)
Luiz Manuel Pedroso - engenheiro florestal e professor (Pará)
Edição: Elis Almeida
Brasil de Fato

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