Bolsonaro não tem a percepção política de um Mussolini ou a oratória inflamada de Hitler. E isso o fez perder a sua guerra.

Por Fernando Horta

Bolsonaro perde sua guerra
por Fernando Horta


Uma das características que diferenciam um governo fascista de um puramente autoritário é a capacidade da liderança fascista de ser amado e seguido pelas massas. Wilhelm Reich reconhecia o fascismo como um processo de repressão que se iniciava na psicologia dos indivíduos e era projetado como política no espaço público. Contudo, Reich se perguntava como é possível que as massas gostem de ser reprimidas?

Aqui entra a força do fascismo. Mussolini dizia que o povo era “o barro” com o qual ele compunha a sua “obra”. Hitler exigia dos alemães “sacrifício da vida” para manter a “raça pura”, e todos estes pedidos eram impressionantemente aceitos e venerados pelas populações.

No Brasil, Bolsonaro pediu que trabalhadores aceitassem perder sua aposentadoria, que precarizassem suas posições de trabalho. O mandatário brasileiro também retirou – de fato – a educação como bem público, tornando-a cada vez mais elitizada. Ameaça a saúde e o SUS, construções que são reconhecidas mundialmente pela complexidade e abrangência. E tudo isso sob aplausos e urras de “mito”.

Reich se perguntava com relação às massas: Ignorância ou ilusão?

O que o psicanalista austríaco não viu (porque escreveu no início dos anos 30) é que todo fascista oferece às massas a simbologia da guerra em troca do esforço pessoal. A guerra como renovação. A guerra como vontade singular da nação e júbilo histórico de forma a alterar as memórias públicas e fortalecer o nacionalismo histriônico. Todo o léxico fascista é formado por palavras ligadas à guerra e ao sacrifício. Enquanto ao povo pede-se o sacrifício, o líder oferece a guerra e – por óbvio – a vitória. Uma troca simbólica que as massas, por um período de tempo, entendem justa.

Mussolini falava em “guerra do trigo” quando tentava quintuplicar a produção agrícola da Itália. Após falou em “guerra pela natalidade” quando tinha planos de duplicar a população da Itália em dez anos. Hitler, por sua vez, construiu os campos de concentração dizendo fazer guerra contra a “deterioração” da raça germânica. Era a guerra contra os judeus, os ciganos e os eslavos.

A guerra era santificada pelos Futuristas de Marinetti. Não apenas a guerra efetiva, travada com uniformes nos campos de batalha. Os futuristas defendiam a guerra também das ideias, da arte e de tudo o que se pudesse transformar em batalha.

Bolsonaro começou assim. A escolha de Moro era a simbolização da “Guerra contra a corrupção”. A aproximação com o exército era o reforço de um líder que se vangloriava de ter a única habilidade “matar”. A promessa de entregar armas à “população de bem” era a guerra ao “MST” e à “bandidagem”. Como promessa maior vinha a “guerra contra a esquerda”, contra os “pedófilos” e os evangélicos neopentecostais faziam “guerra” contra todas as outras religiões. Mesmo as cristãs.

Todo o léxico de Bolsonaro era, portanto, voltado ao conflito. Tal qual o fascismo do século XX.

Entretanto, Bolsonaro não tem a percepção política de um Mussolini ou a oratória inflamada de Hitler. E isso o fez perder a sua guerra.

Os líderes fascistas tinham uma percepção acurada das necessidades simbólicas das massas. E sabiam que precisavam manter seu rebanho focado em alguma ameaça, pouco importava se verdadeira ou não. Bolsonaro teve a chance histórica de se fortalecer e atacar definitivamente as instituições democráticas do Brasil. Bastava que soubesse reconhecer a sua verdadeira oportunidade de guerra.

Tivesse Bolsonaro reconhecido que a guerra do Brasil hoje é contra o COVID e seu governo seria diferente. Se não tivesse ouvido os psicóticos Paulo Guedes e Osmar Terra e se irmanado com os médicos deste país e hoje ele estaria sendo ovacionado. Poderia ter fechado o país com a desculpa da pandemia. Encerrado as parcas atividades do parlamento. Colocado o exército na rua para “ajudar a conter a circulação da doença e – sem dúvida alguma – teria sido ovacionado pelas medidas.

Além disso, reteria o apoio da maioria da classe médica que pela insuficiente formação humanística de nossas faculdades foi majoritariamente favorável a ele na eleição. Poderia manipular o orçamento com a aquiescência do parlamento que estaria inerte ante a energia e correção da resposta de Bolsonaro.

Apareceria para a nação como o guerreiro contra a doença. E de uma forma ainda mais efetiva do que fazem todos os líderes pelo mundo. As exceções são Trump, Johnson e – exatamente – Bolsonaro. Sem capacidade intelectual de compreender que o neoliberalismo que são apegados os está levando ao fundo do poço, esses três líderes perderam sua guerra. E perderam a chance de manterem alinhados o seu rebanho.

Com a saída de Moro, os crimes de seus filhos e as tentativas desesperadas de atentar contra as instituições, Bolsonaro também perdeu a “guerra contra a corrupção”. Falta-lhe apenas a “guerra contra a esquerda” e contra os “costumes pervertidos”. E é nisso que seu governo vai se concentrar após a pandemia.

A incapacidade de reconhecer as possibilidades da política real é uma falha do fascista Bolsonaro. E se pode argumentar que tivesse ele escolhido ombrear-se com os médicos do Brasil (ao invés de o fazer com a ala podre do exército e com empresários lunáticos) e talvez 60 mil brasileiros teriam sido salvos.

E no final deste texto, o leitor perguntará: então a fascistização do Brasil teria sido positiva em algum sentido? E é preciso lembrar que o rebanho salvo por Hitler e Mussolini das crises econômicas do entreguerras foram entregues ao sacrifício na segunda guerra mundial. Os fascistas sempre acham meios para matar seus povos. E em escala gigantescamente maior.

Passamos de sessenta mil brasileiros mortos. Fique em casa. Fique vivo.


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