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Peru, em louvor ao latino-americanismo

Por Marcelo Brignoni, no NODAL

Enquanto se passam as primeiras horas do extraordinário triunfo do professor rural José Pedro Castillo Terrones no Peru e se desenrolam as últimas tentativas de golpe da candidata derrotada, algumas reflexões são necessárias.

O Peru, talvez a experiência mais selvagem de neoliberalismo da região, que inclusive está explicitamente incluído em sua Constituição — o “legado” de Fujimori — parece mudar positivamente.


Essa Constituição de 1993 diz que o Estado não pode intervir na economia e que a Presidência do Peru, que é exercida por um período de 5 anos, não tem possibilidade de reeleição.


Este formato institucional customizado, que definiu a relação de servidão entre o sistema político peruano e os poderes capturados, permitiu ao poder econômico transnacional que atua no Peru, aliado à oligarquia local, tirar presidentes como bonecos, que vão sem mais do Palácio do Governo ao cárcere da Base Naval Callao, ou ao suicídio — como Alan García.




No dia 28 de julho, data constitucional da posse do presidente do Peru perante o Congresso da República, o país terá quase pela primeira vez, como já aconteceu com Evo Morales na Bolívia, um presidente semelhante ao seu próprio povo.


Do último presidente eleito, Pedro Pablo Kuczynski Godard, destituído e condenado, a este comprometido professor rural de Tacabamba, nos Andes peruanos, está um tsunami popular que deixou de cabeça para baixo o antigo sistema político de dominação colonial instalado no Peru.


Desde aquele presidente que estudou no Markham College em Lima e mais tarde complementou sua educação no Exeter College, na Universidade de Oxford, no Reino Unido, até este popular presidente, consagrado autodidata, mudanças positivas são difíceis de medir imediatamente.


Hoje parece distante aquele Golpe Parlamentar, perpetrado no início de novembro de 2020, pela Ação Popular e Keiko Fujimori, que muito brevemente depositou no Palácio do Governo o pouco lembrado Manuel Merino e que suscitou grande rejeição nas ruas e na sociedade.

Este presente vitorioso do povo peruano se alimentou de lutas e também de vítimas, inesquecíveis também neste momento de alegria.


A ascensão ao governo do líder da greve docente de 2017 é reconhecida nas antigas e ancestrais lutas peruanas, no espírito san martiniano de libertação colonial e também no mariateguismo do início do século XX.


E sua conquista está intimamente ligada a várias das ideias que os campeões da globalização, de direita e de esquerda, quiseram e querem banir da memória popular, transformando-nos em indígenas digitais, aqueles sem origens do século 21, como fizeram os colonizadores dos séculos 16 e 17.

Depois “convertidos à fé colonizadora”, hoje “cidadãos do mundo”.


Um mundo sem tradições, sem países, sem histórias, sem religião, sem lutas anteriores, sem famílias, sem sexo, sem qualquer identidade. Sem cidadãos, apenas com consumidores.


Como aconteceu na primeira década do século XXI com a influência inicial de Hugo Chávez, em face dessa “centro-esquerda” domesticada na América Latina, transformada em uma social-democracia periférica de escape, o movimento popular em nossa região ressurge de sua origem mais profundamente plebeia, mais autenticamente latino-americana, mais anticolonial.


O “espelho europeu”, essa pretensão absurda de alguns setores bem intencionados — de transformar a agenda de demandas representativas dos problemas de Estocolmo ou Copenhague no programa dos setores populares de Cuzco ou La Matanza — só desafia os incluídos, uma imensa minoria do grupo que o movimento popular deve acolher, para o ser no sentido majoritário.


Em 16 de novembro de 2000, Valentín Paniagua, da Ação Popular (o mesmo partido do fugitivo Manuel Merino), foi eleito presidente do Congresso e posteriormente presidente de transição, após a renúncia de Alberto Fujimori.

Seu legado nefasto, no entanto, ainda persiste e é hora de colocá-lo para trás.

Felizmente, o povo peruano, em sua maioria, parece pensar o mesmo.


Ninguém jamais deu democracia à nossa América Latina, muito menos à Europa. Só a luta popular organizada da Grande Pátria Latino-americana nos trará melhores condições de vida.

*É analista político

 

  viomundo.com.br

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