Eduardo Leite e o neoliberalismo progressista
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), se declarou publicamente gay em entrevista ao jornalista Pedro Bial veiculada na Globo no dia primeiro de julho.
Na entrevista, Leite não fez autocrítica por ter apoiado o LGBTfóbico Bolsonaro, entusiasta do “kit gay”, no segundo turno de 2018.
Também não disse nada sobre a necessidade de apoio mútuo contra qualquer candidato que enfrente o genocida no segundo turno em 2022.
Leite é um legítimo representante do chamado “neoliberalismo progressista”, corrente política que acredita na possibilidade de unir as pautas de LGBTs, mulheres, negros e outros setores com os interesses de banqueiros, latifundiários e grandes empresários.
Pode ser benéfico para as pessoas LGBTs ricas/brancas, mas é péssimo para a imensa maioria das pessoas LGBTs que são pobres e para toda a classe trabalhadora.
A partir de seu projeto político, ele colaborou – e continua colaborando – com o estado de vulnerabilidade e precariedade de corpos e sexualidades divergentes.
Ressaltando que a vulnerabilidade pode ser vista como uma forma de escolher uma população para dizimação e que a precariedade depende da organização das relações econômicas e sociais vigentes.
Essa revelação veio para alterar ou subverter a ordem que controla os corpos considerados pelo Estado como abjetos? Ela pretende também romper com modelos de opressão?
Eduardo nos mostra de que forma a heteronormatividade interpela, fazendo justificar o que se é quando destaca: “Sou governador gay, não gay governador”.
Demonstrando então, a aceitabilidade e o enquadramento do padrão que exclui outros sujeitos.
Seu comportamento reforça problemas sociais que as pessoas LGBTs enfrentam todos os dias, sua fala incentiva a naturalização de comportamentos que não são inclusivos.
Esse neoliberalismo progressista, no limite, prefere se aliar a notórios homofóbicos como Bolsonaro se for para atacar os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores e da maioria do povo, inclusive LGBTs.
Precisamos compreender que somente representatividade desprovida de coerência e políticas públicas não é suficiente.
As pessoas podem mudar de posição, e seria importante que Eduardo Leite e seu partido, o PSDB, fizessem a autocrítica do equivocado apoio a Bolsonaro em 2018 e o contínuo apoio às políticas de Bolsonaro no Congresso Nacional.
Em levantamento realizado pelo Congresso em Foco averiguou-se que o PSDB votou junto com a base governista em 92% das votações.
A isto se soma o apoio à política econômica de Paulo Guedes e Bolsonaro.
Em coletiva de imprensa realizada no dia 4 de julho, Eduardo Leite esboçou uma tímida autocrítica do apoio dado a Bolsonaro em 2018.
No entanto, ainda não comenta nada sobre o posicionamento do seu partido no Congresso Nacional.
Também não comenta a importância de apoiar o candidato que eventualmente dispute o segundo turno contra Bolsonaro em 2022.
Em pleno mês de julho de 2021 esta posição é inadmissível.
Não é suficiente não apoiar Bolsonaro no ano que vem, precisamos desde já de compromissos públicos para derrotarmos não somente o genocida, mas o projeto político por ele representado.
Nossos problemas não estão somente na pessoa física do presidente, mas nas ideologias, sistemas e grupos que ele carrega consigo.
Assim, se por um lado, o posicionamento de Eduardo Leite, na maior emissora do país, foi um avanço para os padrões violentos da sociedade brasileira, antes de tudo, este não seria possível sem as décadas de lutas coletivas pautadas pelos feminismos, pelas esquerdas e pelos movimentos sociais.
Por outro lado, o governador escancara a incoerência de suas ações, enquanto importante agente político, uma vez que esteve ao lado da destruição direta das políticas públicas e sociais que vinham sendo arduamente constituídas no Brasil, e que justamente ajudaram a construir o cenário social e cultural que faz de seu posicionamento um fato a ser celebrado.
Não podemos nos render ao identitarismo liberal que colabora com a manutenção do capitalismo/exploração e que foge totalmente da perspectiva interseccional.
É inegável que falar sobre orientação sexual nos dias de hoje seja um ato de coragem, aliás, é um ato político, principalmente em um país que é desgovernado por um protofascista.
Contudo, coragem mesmo seria arrepender-se do apoio dado que gerou inúmeros prejuízos às pessoas LGBTQIA+.
Não basta ser Lésbica, Gay, Bissexual Transexual, Travesti, Queer, Intersexual, Assexual, é necessário lutar, defender e priorizar a vida, a renda, a dignidade de pessoas que são históricamente desrespeitadas, neglegenciadas e em muitos casos colocadas no “não lugar” social.
Inclusive não podemos esquecer jamais que a maioria das pessoas LGBTQIA+ pertencem às classes baixas.
O lugar de fala de uma pessoa LGBTQIA+ não é e nem pode ser uma “prisão” da fala.
No entanto, espera-se de um representante político que vai à mídia, um posicionamento que não seja abstrato, que não ignore toda a retirada de direitos que a população sofre.
Espera-se de ações concretas, políticas públicas que atendam as reivindicações históricas desse grupo e que colaborem para a retomada do processo de cidadania.
Nem todos são “irmãos”. Na diversidade não cabe fascismo.
Enquanto as práticas políticas neoliberais defendem e favorecem a heterossexualidade compulsória e as brutais violências contra travestis, transexuais; a diversidade sexual e de gênero promove a liberdade de diferentes modos de ser e estar no mundo.
O neoliberalismo de Eduardo Leite pretende fingir que a diversidade é como um caleidoscópio de cores coloridas e vibrantes.
Também presente no mundo corporativo, essa perspectiva tem figurado como catalisadora de produtividade e ampliação comercial.
Assim, a própria luta política por transformação social, se transforma em mercadoria a serviço da acumulação de capital. Mas não é.
A diferença é profundamente desigual. Infelizmente, Eduardo Leite está ao lado daqueles que a fazem ser ainda maior.
Precisamos seguir lutando, para derrubar Bolsonaro e seus aliados que atacam os direitos das pessoas LGBTQIA+, das mulheres, dos negros, indígenas e trabalhadores.
Queremos políticas públicas que atendam estas populações em uma perspectiva interseccional, combatendo desigualdades socioeconômicas e as violências materiais e simbólicas.
Por fim, para quem quiser se aprofundar no assunto, recomendamos o vídeo da Doutora Drag – Dimitra Vulcana: https://www.youtube.com/watch?v=i7lvFLdl0Go)
Israel Marcos – professor, membro da Aliança Nacional, do Fórum de Lutas LGBTQI do DF e do Coletivo LGBT da CUT DF
João Macêdo – professor e coordenador do Coletivo LGBT da CUT DF
Rodolfo Godoi – sociólogo, professor, artista de teatro e membro do Instituto Cultura Arte e Memória LGBT+
Yuri Soares – professor de História da Secretaria de Educação do DF
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