"Enquanto o trumpismo domina o Partido Republicano o bolsonarismo nem sequer conseguiu criar um partido novo próprio"Foto: EVARISTO SA/AFP

Um ano depois de Trump deixar o poder, o trumpismo se mostra forte e persistente nos EUA. Seria sua cópia tupiniquim, o bolsonarismo, também capaz de sobreviver a uma derrota nas urnas?


Thomas MilzColuna
RFI
5-6 minutos

Com a variante ômicron se espalhando cada vez mais rápido, há quem diga que a covid-19 logo pode se tornar endêmica: quer dizer, ela veio para ficar, mas como doença comum e menos agressiva. Vamos conviver com o coronavírus, que fará parte das nossas vidas. E o bolsonarismo, outro fenômeno que apareceu e se espalhou rapidamente pelo Brasil inteiro nos últimos anos? Também veio para ficar ? E em que grau?

Nos Estados Unidos, o trumpismo se mostra forte e persistente, mesmo mais de um ano depois da derrota eleitoral de Donald Trump e exatamente um ano depois da saída dele do poder. Parece que o trumpismo realmente veio para ficar, ou, melhor dizendo, para voltar ao poder. As chances de isso acontecer em 2024 parecem razoavelmente grandes. Até com uma figura principal que não seja o próprio Trump, mas um ou uma aliada como representante oficial do trumpismo.

Mas e o bolsonarismo, que surgiu como cópia tropical e tupiniquim do trumpismo? Pelas pesquisas de opinião, o próprio Jair Messias Bolsonaro pode sofrer, nas eleições do fim deste ano de 2022, uma derrota de dimensões bem maiores do que a do próprio Trump. Ou, em outras palavras: Bolsonaro pode nem chegar ao segundo turno, em outubro. Corre risco de perder no primeiro turno de Lula, seu maior rival. Bolsonaro sobreviveria a isso politicamente? Voltaria como candidato forte outra vez em 2026? Ou com um herdeiro em seu lugar?

Acontece que há uma grande e - provavelmente - decisiva diferença entre o trumpismo e o bolsonarismo. O trumpismo hoje domina o Partido Republicano quase por completo. Assim, controla metade do sistema partidário americano. No partido, quem dá as cartas é o próprio Trump. Candidatos contrários a ele quase não têm chance de serem oficializados nas próximas eleições. E com sua própria rede social, a ser lançada em fevereiro, Trump ganhará ainda mais influência.

Já o bolsonarismo nem sequer conseguiu criar um partido novo próprio. A ideia de transformar a Aliança pelo Brasil em partido não vingou, e achar uma legenda alternativa para se abrigar tem sido difícil.  E ao invés de dominar um partido (como o PL, que abriga Bolsonaro agora), o Centrão se aproveita da fraqueza do presidente. Assim, é o contrário do que a gente vê com os republicanos americanos e Trump.

Bolsonaro tampouco teve êxito na criação de algum mito fundador ou unificador de um movimento. Nos Estados Unidos, a lenda das eleições roubadas tem apelo entre milhões. E mesmo sendo bilionário, Trump virou mito entre uma grande parte dos cidadãos decepcionados, como figura de vingador. Mas e no Brasil? Qual o mito criado pelo "mito" que veio para ficar? Seria a facada de setembro de 2018 e a suposta grande conspiração por trás dela o mito unificador ou criador do bolsonarismo? Improvável.

E o discurso do perigo comunista, que Bolsonaro copiou de Trump? Cola apenas nas mentes dos fanáticos, dificilmente funciona com a grande massa. E posar de político honesto fica cada vez mais difícil com tantas rachadinhas aparecendo. Qual seria, portanto, a mensagem principal do bolsonarismo? Ou seria bolsonarismo apenas uma palavra vazia?

Outra grande diferença entre o The Real Donald Trump e o Trump tropical (Bolsonaro) é o dinheiro. Trump já era rico antes de entrar para a política, e agora pode trazer sua riqueza para dentro da sua campanha. Para ele, a política parece servir à sua vaidade.

Enquanto isso, Bolsonaro e sua família enriqueceram com os cargos públicos que o sistema político brasileiro oferece aos políticos. Em outras palavras: Bolsonaro entrou na política para ficar rico. E o fez de forma pouco camuflada e muito descarada. A maioria dos brasileiros vai querer repetir a dose em 2026? Duvido.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

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