Jeferson Miola
O bolsonarismo é uma força-movimento revolucionário que revoluciona a política. O bolsonarismo revoluciona a política, porém, na perspectiva de uma contrarrevolução fascista; é um movimento de caráter revolucionário – ainda que de sentido regressivo, do ponto de vista civilizatório.
Os bolsonaristas exercem a política na sua essência, ou seja, como um meio violento, dissuasivo e conflitivo para a disputa e a conquista do poder político, que é “o poder do homem sobre outro homem” para a imposição da sua cosmovisão na sociedade.
O bolsonarimo esgarça o conflito e atiça a luta política e ideológica. Milita fervorosamente para a construção de uma nova ordem – reacionária, retrógrada e arcaica; mas, ainda assim, uma “nova” ordem.
Daí o sentido renascentista do bolsonarismo, equivalente ao sentido renascentista do fascismo, que se assenta no aniquilamento de “inimigos” [internos] para a purificação da sociedade.
Não por acaso os nazistas consideravam o campo de concentração de Auschwitz o “ânus da Europa”, ou seja, o mecanismo eficaz para o livramento das impurezas e dos males. Um mecanismo, enfim, de purificação das sociedades alemã e europeia que propiciaria o nascimento de uma nova ordem, livre dos “excrementos” ideológicos, étnicos e religiosos indesejáveis. O anúncio da “modernidade fascista”, como diria o professor Chico Teixeira.
O antipetismo é um instrumento ideológico e de poder que operacionaliza a estigmatização da “parte impura e indesejável” da sociedade brasileira. O antipetismo é o combustível por excelência do processo de fascistização do país e, por isso, também o motor da contrarrevolução fascista dirigida pelo bolsonarismo.
Enquanto o bolsonarismo erode a democracia para subverter a ordem instituída com o objetivo de construir um novo poder, a esquerda, em contrapartida, assume uma perspectiva “conservadora”, como “guardiã” do sistema e da ordem ameaçada.
A esquerda assume, enfim, uma perspectiva de manutenção da atual ordem – desigual e injusta –, em relação à qual teoricamente nasceu para destruir e superar com a edificação de uma outra ordem, “moralmente superior”.
O bolsonarismo subverte conceitos consensuados nos marcos da civilização e do iluminismo e os redefine à luz dos significados do dicionário da contrarrevolução fascista, atribuindo-lhes um caráter regressivo e anti-civilizacional. É o caso, por exemplo, do conceito de soberania.
Na gramática bolsonarista, soberania não é sinônimo da inserção altiva e soberana do Brasil no mundo, mas sim o “direito” do governo se desincumbir de tratados e protocolos internacionais civilizatórios e ficar livre e desimpedido para promover, internamente, as mais absurdas barbaridades que integram a nova ordem.
É o que acontece, por exemplo, em relação ao descumprimento de acordos internacionais nas áreas ambientais, climáticas e de direitos humanos. Esta “soberania ao avesso” é um passaporte para a dizimação dos povos originários, para a devastação dos ecossistemas, para a ação de grileiros e garimpeiros e para violações sistemáticas dos direitos humanos.
O mesmo vale em relação às chamadas “liberdades”. Como proclama Bolsonaro, “nossa liberdade não tem preço, vale mais que a própria vida”.
No dicionário bolsonarista, a liberdade do capital deve ser absoluta, sem freios, compensações e regulações estatais; um laissez-faire total. Busca-se, falsamente, o ideal de uma sociedade em que o indivíduo, por seus méritos próprios, é o senhor absoluto do seu destino e, por consequência lógica, uma vítima em potencial da seleção natural da espécie.
A liberdade de expressão é concebida na mesma direção: como autorização plena para se enaltecer o nazismo e ditaduras; para se idolatrar torturadores, disseminar ódio e violência; para se atacar a democracia e as instituições civis e se propor ditadura militar.
Pela ótica libertarianista do bolsonarismo, o “cidadão de bem” tem o direito de se armar para proteger a si, à sua família e à sua propriedade; para fazer justiça com as próprias mãos.
De igual modo, todo cidadão é livre para rechaçar vacinas e para educar os filhos em casa [homeschooling], fora da sociabilidade educacional. O cidadão deve ser livre para decidir usar ou não cadeirinhas de proteção de crianças em automóveis, e também não pode ter o gozo de andar em alta velocidade castrado por limites legais estabelecidos.
É aterrorizante o universo de brasileiras e brasileiros que endossam e se identificam com esse ideário. A contrarrevolução fascista do bolsonarismo conta com impressionante adesão social de massas, como evidenciou a eleição para o Congresso e a votação do Bolsonaro.
A extrema-direita tem uma militância ativa, engajada, armada e demograficamente representativa – equivalente às populações da Argentina, Paraguai e Uruguai somadas. Encontra simpatias em metade do eleitorado e em mais de ¼ da população brasileira.
Está incrustrada nas polícias, no judiciário, nos MP’s e nos parlamentos, e coloniza o esgoto das redes sociais. Além disso, conta com um líder carismático e de notável apelo popular.
É uma realidade terrível, nunca antes vista no Brasil. Não é nada trivial que Bolsonaro e o bolsonarismo continuem competitivos eleitoralmente depois de toda barbárie, da absoluta falta de compaixão humana, de tamanho desprezo pela vida, do descalabro econômico, da destruição, corrupção, fome; dos atentados à democracia e do isolamento internacional.
Bolsonaro espertamente se apresenta como antissistema, quando na realidade ele é a resposta mais funcional do próprio sistema para a crise estrutural do capitalismo num país periférico como o Brasil.
A postura antissistema é só aparente, pois com Bolsonaro o sistema consegue conter dentro da própria ordem capitalista neoliberal as soluções para enfrentar a crise e o mal-estar da população com o fracasso de décadas de neoliberalismo. Com a solução bolsonarista ante a crise estrutural, o sistema não só bloqueia a viabilização de alternativas antineoliberais, como aprofunda a ditadura das finanças num contexto fascista e totalitário.
A destruição é uma chave deste processo. “Nós temos é que desconstruir muita coisa, desfazer muita coisa, para depois nós começarmos a fazer”, disse Bolsonaro no início do mandato [18/3/2019], numa alusão implícita à contrarrevolução fascista que passaria a liderar.
Nesta cruzada ultraliberal de destruição, o bolsonarismo explora com sucesso a subjetividade de uma sociedade abduzida por valores neoliberais como o anti-Estado, o individualismo empreendedor, a meritocracia, o laissez-faire total, o libertarianismo. O fundamentalismo religioso não poderia faltar, com sua “teologia da prosperidade” incutindo e reforçando tais valores.
Derrotar Bolsonaro e eleger Lula em 30 de outubro é a prioridade das prioridades de vida da atual geração de brasileiras e brasileiros.
A vitória do Lula não será, contudo, uma panacéia para todos os males, mas um relevante passo neste período histórico complexo que se abre e que cobra respostas também revolucionárias e culturais da esquerda para derrotar a contrarrevolução fascista em curso, e que não cessará sua marcha mesmo com a derrota do Bolsonaro.
Postar um comentário
-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;