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Enquanto Celso Amorim e o governo brasileiro trabalham pela paz, boa parte da direita brasileira parece apostar na guerra
Por Marcelo Zero*
Hoje (05/06) foi aprovado, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara, requerimento para realizar uma Audiência Pública com o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim.
Motivo principal? Celso Amorim viajou à Rússia por duas vezes, durante este governo Lula.
Segundo o autor do requerimento, deputado Rodrigo Valadares, Celso Amorim, além de ter visitado a Rússia, ‘’muitas vezes agiu como uma espécie de advogado russo na mídia e nos organismos internacionais.”
Ainda segundo a inacreditável justificação do autor:
“por mais que publicamente o Governo Brasileiro posicione-se pelo fim dos conflitos no Leste Europeu, as posições tomadas pelo Brasil acabam indo em caminho contrário à neutralidade declarada em 2022, com a diplomacia brasileira aproximando-se cada vez mais de governos autocráticos como o da República Bolivariana da Venezuela e da República Islâmica do Irã, interferindo nas eleições presidenciais da República Argentina e atuando em defesa da organização terrorista Hamas no conflito que acontece nos dias atuais com o Estado de Israel“.
O autor também criticou o fato de o Brasil não ter enviado blindados Guarani para a Ucrânia.
Essa exportação foi negada porque, ainda que fosse uma versão “ambulância” do blindado, ela teria comprometido a neutralidade do Brasil, já que a versão “ambulância” poder ser facilmente convertida numa versão de transporte de tropas ou de auxílio ao combate na frente batalha.
O autor ainda colocou informações equivocadas na Justificação, ao afirmar que essa decisão brasileira teria impedido uma exportação desses blindados para as Filipinas, por um veto da Alemanha, que fabrica alguns componentes do Guarani.
Não é verdade. Em dezembro de 2023, ocorreu o embarque das cinco primeiras viaturas blindadas 6X6 Guarani APC (“armoured personnel Carrier”), de um contrato inicial de 28, destinado ao Exército das Filipinas.
O impasse com a Alemanha foi resolvido há muitos meses, e o governo filipino está negociando, com o Brasil, um segundo lote de blindados Guarani, composto por mais 28 viaturas. Os filipinos têm o interesse de adquirir um total de 114 Guarani, com diferentes configurações, em três lotes.
Esse requerimento é uma demonstração cabal de como a direita brasileira não entende o mundo de hoje e as posições do governo brasileiro, notadamente, nesse caso, no que tange ao conflito na Ucrânia.
Ao contrário do que dizem os mal-informados, a posição do Brasil relativamente à guerra na Ucrânia tem sido basicamente uma só: condenar a intervenção, mas recusar-se a apoiar as sanções e quaisquer esforços bélicos.
Tal neutralidade, compartilhada com a maioria dos países do mundo, tem fortes razões.
O atual grande conflito geopolítico internacional, que antepõe os EUA e aliados, de um lado, e China, Rússia e associados, de outro, e do qual a guerra na Ucrânia é a expressão mais evidente e aguda, não é do interesse do Brasil e dos países em desenvolvimento de um modo geral.
O conflito da Ucrânia, em particular, afeta a economia mundial e contribui para levar fome às populações do planeta, principalmente às mais pobres. Todo o mundo está perdendo, inclusive o Brasil.
Nosso país não pode, de forma alguma, subsumir sua política externa numa arcaica lógica de Guerra Fria, na qual fica-se obrigado a “escolher um dos lados”.
O Brasil não tem países inimigos. Os inimigos do país são a fome, a pobreza, as desigualdades, os desequilíbrios ambientais, o racismo, a misoginia, a homofobia, o autoritarismo, a guerra etc.
Temos de cooperar com todos os países para derrotar esses inimigos. Portanto, nossa política externa visa aprofundar os laços de cooperação com todos os países do planeta, em condições de igualdade e de respeito mútuo.
O “lado” do Brasil é o Brasil.
Há de se salientar que a guerra da Ucrânia tem potencial para escalar para um conflito de grandes proporções.
A Rússia (não apenas Putin, frise-se) considera essa guerra um conflito existencial.
Desse modo, caso o conflito se alastre e se aprofunde, com o envolvimento mais direto da Otan, não se pode descartar, a priori, que a atual guerra de atrito e desgaste se transforme em uma guerra clássica de destruição e ocupação, com o eventual uso de armas nucleares táticas ou mesmo, em último caso, estratégicas.
As recentes declarações de Macron (e de outros líderes do Ocidente) sobre a possibilidade de enviar tropas para o front e a liberação do uso ofensivo das armas enviadas pelos EUA estão aquecendo a temperatura do conflito a um nível insustentável.
Nesse contexto extremamente volátil e perigoso, faz todo sentido o árduo trabalho de Celso Amorim e do governo brasileiro em prol da paz.
Em 23 de maio, China e Brasil (por intermédio de Celso Amorim) apresentaram diretrizes para a busca de uma paz realista na Ucrânia, a qual, obviamente, tem de envolver a Rússia nas negociações.
Negociações sem a Rússia, como Zelensky fará na Suíça, são, obviamente, fantasiosas e inexequíveis.
A direita do Brasil está reproduzindo, no entanto, as versões mentirosas espalhadas por Zelensky, de que o nosso país é “aliado da Rússia no conflito”, “apoia o agressor”, etc.
Zelensky apenas quer, com isso, pressionar o Brasil a aderir a uma guerra extremamente perigosa e prejudicial aos interesses do país e do planeta. Lamentavelmente, há brasileiros que compartilham dessa visão totalmente falaciosa.
O mundo precisa urgentemente de paz, tanto na Ucrânia quanto em Gaza.
O governo brasileiro sabe disso, o ex-chanceler Celso Amorim, um dos mais preparados quadros da República sabe disso, e a maioria do planeta sabe disso.
Alguns, contudo, insistem em “não saber.”
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
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