brasildefato.com.br
7–9 minutos
A tragédia no Rio Grande do Sul é um drama sem precedentes. Dos 497 municípios gaúchos, 85% foram afetados pelos temporais. Milhares de pessoas perderam suas memórias, seus entes queridos, seus vínculos com seus territórios, seus bens, seus animais de estimação. São 172 mortos e 42 desaparecidos até o momento. Mas esse desastre na história brasileira não será o último. No mês em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, não podemos tratar esse evento climático extremo como episódio circunstancial. Há décadas a ciência anuncia o colapso em curso.
Sou coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) do Clima da Frente Parlamentar Ambientalista e a tragédia no RS evidencia que é necessário “casar” o debate econômico com o climático, e o debate de justiça climática com o de justiça racial. Para isso, o Grupo dos Vinte (G20) – que reúne os países com as maiores economias do mundo e é o principal fórum de cooperação econômica internacional – precisa ter coragem de levantar esses grandes temas.
Neste ano, o G20 acontecerá no Brasil, nos dias 18 e 19 de novembro. Em maio, apresentei na Câmara o requerimento “O Parlamento Brasileiro e as Agendas Ambientais no G20”. Em seguida, junto com a Frente Parlamentar Mista Ambientalista e membros da sociedade civil, apresentamos um documento com medidas para avançar no pacote de legislações fundamentais de combate às mudanças climáticas.
O documento foi encaminhado aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Esperamos que o Legislativo cumpra com o compromisso de evitar a ampliação dos cenários de tragédias e o aumento do número de refugiados climáticos.
É papel do Estado nas suas diferentes esferas apresentar e executar medidas efetivas, concretas e urgentes para enfrentar o aquecimento global e frear as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, é necessário haver políticas regionais, municipalizadas de adaptação, mitigação, resiliência. Sem isso, lamentavelmente, vamos ver tragédias, como a que acontece hoje no RS, se repetirem.
Os últimos anos foram de desmonte da legislação ambiental. Foram anos de ataque aos nossos biomas. O negacionismo, evidente no governo Bolsonaro e na Câmara dos Deputados, ainda se manifesta com força no Congresso Nacional. O cenário devastador no RS mostra que essas mudanças na legislação e a falta de repasses para a prevenção potencializam os danos provocados pelos eventos climáticos extremos. Os planos políticos de prevenção existem e precisam ser colocados em prática.
Não podemos esquecer que, em junho de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a instauração de um inquérito para investigar o deputado federal Ricardo Salles (PL/SP), ex-ministro do Meio Ambiente, sob a acusação de crimes como criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração penal que envolva organização criminosa. A apuração foi solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e surgiu a partir de uma investigação da Polícia Federal que levou à apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente por organizações criminosas.
Infelizmente, parte dos membros da bancada gaúcha também aprovou a construção em áreas de preservação permanente, que seriam os locais para contenção de enchentes. Mesmo após as enchentes e as chuvas torrenciais que fizeram centenas de vítimas em 2023 no RS, o governador Eduardo Leite (PSDB) sancionou o Projeto de Lei (PL) 151/2023 que flexibiliza o Código Estadual de Meio Ambiente.
O MapBiomas aponta que o Pampa teve um aumento de 27,2% na área desmatada de 2021 para 2022. E, nos últimos 37 anos, o bioma perdeu o equivalente a 70 vezes a área do município de Porto Alegre.
Desde seu primeiro ano de mandato, em 2019, Leite alterou cerca de 480 normas do Código Ambiental do estado. As mudanças acompanharam o afrouxamento da política ambiental brasileira incentivada, em paralelo, por Ricardo Salles.
Não podemos aceitar o negacionismo. Também não podemos ignorar a ciência. Precisamos enfrentar de forma contundente a emergência climática. Cada vez mais, os eventos climáticos são mais intensos e frequentes. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o país registrou 1.161 desastres naturais no ano passado. São mais de três por dia, em média. É um recorde desde que os registros começaram, em 2011.
O ano de 2023 é considerado o mais quente em 174 anos de medições meteorológicas. Podemos observar tudo isso com a seca que atinge o Norte do nosso país; as ondas de calor que atingem a região Sudeste e a região Centro-Oeste; e as enchentes que atingem o Sul. Sou de Niterói e a cidade foi quatro vezes a mais quente do Brasil, entre os meses de abril e maio, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Fechar os olhos para a questão climática é também fechar os olhos para os impactados com esses extremos climáticos que muitas vezes já têm uma vida precária. Não há dúvidas de que a desigualdade racial e social é potencializada com a questão climática. Quem tem medo de a casa cair quando chove mais em um curto espaço de tempo? Quem fica desidratado quando a seca é extrema? Para quem falta água e energia nos extremos climáticos? Quem vai comer alimento contaminado quando o Guaíba baixar? É por isso que precisamos incorporar a questão que envolve a população negra e periférica das nossas favelas também. Precisamos de medidas urgentes agora! Não há planeta B e não teremos a oportunidade de mudar essa realidade no futuro.
*Talíria Petrone é deputada federal (Psol/RJ), coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) do Clima da Frente Parlamentar Ambientalista, coordenadora da Frente Feminista e Antirracista, e vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas
إرسال تعليق
-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;