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Por Ângela Carrato*
O ponto culminante da Semana da Pátria é o 7 de setembro, quando se comemora a independência do Brasil.
Haverá, como sempre, solenidade cívico-militar em Brasília, no eixo monumental. Solenidade que, em governos progressistas como os de Lula, são muito bonitas, pois envolvem importante participação dos movimentos sociais no desfile.
O presidente Lula fez questão de convidar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para o evento.
Uma maneira sutil de fazer-lhe um desagravo diante da campanha de que tem sido vítima por parte da extrema-direita brasileira e internacional.
Como acontece há 30 anos, os mais pobres estarão também nas ruas com o “Grito dos Excluídos”, reivindicando a ampliação de políticas públicas.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), como sempre, estará à frente destas manifestações que contam com a participação da Pastoral da Terra da Igreja Católica, de movimentos em defesa do meio ambiente, de luta das mulheres, índios, negros e LGBTQIA+.
O “Grito dos Excluídos” quer mais inclusão social e alargamento da democracia.
Nos seis anos dos governos golpistas de Michel Temer e Jair Bolsonaro, o 7 de setembro assumiu outra configuração.
Temer usou a data para afirmar a legalidade de seu governo. Já Bolsonaro a utilizou para ameaçar as instituições brasileiras.
O alvo principal dos bolsonaristas agora, como naquela época, voltou a ser o STF, por eles considerados como inimigo, pela postura de criminalizar e julgar atos terroristas cometidos, nas ruas e nas redes sociais, pela extrema-direita antes e em 8 de janeiro de 2023, quando a praça dos Três Poderes foi destruída.
Esse ano, no entanto, a extrema-direita parece disposta a ir mais fundo no ato previsto para acontecer em São Paulo.
A julgar pela fala de um de seus organizadores, o pastor Silas Malafaia, no entanto, o tiro pode sair pela culatra, com o patriotismo reivindicado por esta turma aparecendo como o que ele realmente é: entreguismo e submissão aos interesses estrangeiros.
O ponto principal do mais recente enfrentamento da extrema-direita em relação ao ministro Moraes foi a decisão por ele tomada de exigir que a rede social X (ex-Twitter), do bilionário estadunidense e extremista de direita, Elon Musk, cumprisse as leis brasileiras, sob pena de bloqueio.
Musk havia fechado o escritório do X, para não ter que receber notificações judiciais que determinavam a retirada de perfis golpistas, de postagens envolvendo ações criminosas e discursos de ódio de sua rede.
Musk não só continuou descumprindo a determinação de Moraes, como passou a agredi-lo e às instituições brasileiras, tentando vender para o mundo a imagem de o país vive uma ditadura.
Valendo-se do que determina a lei, o ministro bloqueou o acesso ao X. Medida que, para ser eficaz, precisou envolver outra empresa do próprio Musk, a provedora por satélite Starlink.
Ao contrário do X, a Starlink no Brasil chegou a se negar, mas voltou atrás e cumpriu a determinação de bloquear o acesso ao X.
Num primeiro momento, a decisão foi exclusiva de Moraes, com os bolsonaristas tachando-a de “autoritária” e “censura”.
Deveriam ter se dado por vencidos quando ela foi referendada por unanimidade (5×0) pela primeira turma do STF.
Mas não.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o partido Novo entraram com ações no STF envolvendo o X e a Starlink.
A OAB questiona a multa de R$ 50 mil determinada por Moraes para toda pessoa que acessar o X se valendo de redes privadas virtuais (VPN).
Já o Novo pede ao STF o desbloqueio do X, das contas da Starlink e do próprio Musk.
Mesmo não sendo advogada, salta aos olhos a estranheza da ação da OAB, a ponto dela preconizar o interesse de uma parte contra os da maioria da população e da própria democracia brasileira.
Em termos de acesso, o X aqui é a nona rede e conta com 40 milhões de usuários mensais. Número que teve uma queda de 5% nos últimos dois anos.
Talvez a explicação seja de que a OAB, a exemplo de entidades como o Conselho Federal de Medicina, que apoiaram Bolsonaro, ainda não se desvencilharam de antigas pautas.
Quanto ao Novo, nenhuma surpresa. Apesar do nome, o seu programa defende o que há de mais antigo: os interesses dos mais ricos.
O Novo, aliás, se assemelha muito à velha UDN, do golpista Carlos Lacerda (1914-1977), jornalista, ex-governador do extinto estado da Guanabara e tido por muito como agente da CIA.
Como o caso envolve o descumprimento da lei brasileira por uma big tech e sua rede social, a mídia corporativa brasileira, que se diz comprometida com o “jornalismo profissional” e avessa às fake news, poderia estar dando uma grande contribuição ao explicar para a chamada opinião pública o que realmente acontece.
Só que ela tem feito exatamente o contrário.
Desde quando a guerra de Musk contra Moraes e a legislação brasileira teve início, essa mídia vem contribuindo para desinformar e confundir, transformando um assunto da maior gravidade numa espécie de Fla x Flu.
Tanto que a pesquisa AtlasIntel sobre o bloqueio do X, divulgada na quinta-feira, captou a perplexidade e a confusão reinantes.
De acordo com a pesquisa, há um empate técnico, dentro da margem de erro, entre os que são contrários e os que apoiam a decisão do ministro (50,9% e 48,1%).
Mais ainda: 56,5% dos brasileiros consideram que a decisão de Moraes de tirar o X do ar teve “principalmente uma motivação política”, enquanto para 41,7% a decisão é “técnica”.
Os números são mais discrepantes quando se trata da multa pela utilização do VPN: 64,5% se mostram contrários, enquanto 34,% concordam com a punição.
O Fla x Flu fica mais claro ainda quando apresenta um número extremamente baixo dos que não sabem opinar: 0,9%. Seriam quase todos os brasileiros experts em redes sociais ou apenas meros e até iludidos usuários?
Se a mídia corporativa brasileira tivesse mostrado o que realmente está em jogo, se divulgasse o real perfil de Musk e os danos que o X e a Starlink têm causado em democracias em todo o mundo, os resultados teriam sido os mesmos?
Diante disso, cabe ainda outra pergunta: quais os verdadeiros interesses da mídia corporativa brasileira ao passar pano para Musk e tentar questionar estas decisões de Moraes e do próprio STF?
Para julgar as ações da OAB e do Novo foi sorteado o ministro Kassio Nunes Marques.
Indicado por Bolsonaro, a expectativa dos extremistas de direita era de que ele tivesse atitude que os contemplasse.
No entanto, Nunes Marques fez um movimento que se por um lado parece prudente, serve aos bolsonaristas por manter o assunto do X em pauta por mais tempo.
Nunes Marques decidiu não se pronunciar e solicitou a manifestação da Procuradoria e da Advocacia Geral da União sobre o assunto.
As respostas que receberá serão as mesmas e já de conhecimento público. Ambos veem legalidade e respaldam Moraes e o STF.
Com Nunes Marques sendo agora a grande aposta dos bolsonaristas, era de se esperar que seus atos ganhassem ampla repercussão, inclusive os que não têm relação direta com esta ação.
É o caso do passeio que fez pelas ilhas gregas, no iate do cantor sertanejo Gusttavo Lima, de quem se diz amigo.
Nunes Marques alegou que foi dar um abraço no amigo pelo aniversário. O passeio aconteceu em 3 de agosto e o iate, avaliado em R$ 1 bilhão, foi alugado pelo cantor.
No dia seguinte, a Polícia Civil de São Paulo aprendeu um avião da empresa de Gusttavo Lima. A operação investiga organização criminosa envolvida com jogos ilegais e lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 3 bilhões originados de jogos ilegais.
A mídia apenas registrou o fato, depois que o próprio Nunes Marques confirmou que esteve presente.
Será que essa mesma mídia teria se limitado ao registro se tivesse sido o ministro Moraes quem protagonizasse o episódio?
Não é comum ministro da mais Alta Corte de Justiça aparecer ao lado de suspeito de crime.
Dito de outra forma há uma nítida má vontade da mídia corporativa para com Alexandre de Moraes na medida em que ele tem levado adiante o inquérito sobre os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e sobre as fake news.
Inquéritos pelos quais já foram julgados e condenados dezenas de pessoas e que dificilmente não culminará com o indiciamento de Bolsonaro e sua prisão.
Nunes Marques parece não ter se abalado e os próximos passos em se tratando das ações da OAB e do Novo deve ser remetê-las para apreciação do plenário do STF.
Ali também a vitória de Moraes pode ser acachapante: 9 x 2. Os dois votos contrários, se acontecerem, seriam do próprio Nunes Marques e do outro ministro indicado por Bolsonaro, o “terrivelmente evangélico”, André Mendonça.
Chegamos aqui ao ponto central da questão. Mesmo não dizendo abertamente, a mídia corporativa brasileira passa pano para Bolsonaro e sua turma e apoia a anistia para ele e demais golpistas.
Tamanho “amor” por Bolsonaro tem nome e sobrenome: ele e sua turma servem aos interesses dessa mídia.
A proposta de Bolsonaro para a economia brasileira era privatizar tudo e jogar por terra as conquistas sociais da população.
É importante lembrar que Temer conseguiu aprovar uma Reforma Trabalhista que é contra o trabalhador e Bolsonaro deu sequência, aprovando uma Reforma da Previdência que obriga o trabalhador a ficar mais anos na ativa, recebendo menores salários.
Para a mídia corporativa, essas ações soam como música. Tanto que o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, aquele que disse que ia colocar uma granada no bolso do trabalhador, é apontado por esta mídia como “excelente gestor”.
Não por acaso, o jornal Folha de S. Paulo, em recente editorial, defendeu a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, além do aumento da idade para aposentadorias pelo INSS.
Editorial que deu sequência à permanente campanha que os veículos de mídia do grupo Globo e do jornal Estado de S. Paulo têm feito contra a Petrobras e as ações do governo Lula que estão redundando em crescimento da economia bem acima do esperado.
Na ótica da mídia, nada pior poderia estar acontecendo, porque sinaliza para algo que ela não quer: a possível candidatura de Lula à reeleição e sua vitória.
Se a mídia corporativa brasileira fosse séria, o que definitivamente ela não é, seria fácil mostrar a relação entre Musk, os golpistas brasileiros e a tentativa de inviabilizar o governo Lula e, claro, sua possível reeleição.
Musk não tem nada a ver com o “gênio” dos negócios e, menos ainda, com a imagem de um rebelde, antissistema que esta mídia sempre vendeu.
De família milionária da África do Sul, ele é um supremacista branco, naturalizado estadunidense, que acha que com a enorme fortuna que possui, pode mandar no mundo.
Um dos líderes da extrema-direita internacional e apoiador de primeira hora de Donald Trump, ele usa o poder econômico e a influência política a serviço dos seus negócios e dos interesses do deepstate (o estado profundo) dos Estados Unidos.
O melhor que poderia acontecer para Musk, que já disse que dá golpe em qualquer país para obter recursos naturais e minerais, é a vitória de Trump nas eleições para a Casa Branca em 4 de novembro.
Trump por sua vez anunciou querer Musk para gerenciar a economia e fazer dos Estados Unidos “grande de novo”.
Dito de outra forma, se eleito, Trump estará empoderando um inimigo das democracias e dos governos latino-americanos que defendem suas riquezas naturais como é o caso da Bolívia, da Venezuela, da Colômbia, do México e do Brasil.
Se o X, com a política de não moderação, empodera golpistas e divulga fake news com graves consequências para a democracia, a empresa Starlink amplia e completa o serviço.
A Starlink não tem nada de uma empresa que se vale de satélites para levar internet a locais distantes e remotos. Ela opera com o Departamento de Estado, com o Departamento de Defesa e com o Pentágono.
Presente na guerra da Ucrânia, na realidade um conflito dos Estados Unidos e da OTAN contra a Rússia se valendo do território e da população ucraniana como bucha de canhão, ela opera ilegalmente no Irã, fomentando protestos e rebeliões.
Por meio de sua subsidiária, a Starfield, ela forma a base do sistema de defesa antimísseis dos Estados Unidos. Ou seja: a Starlink é um tentáculo do poder hegemônico do Tio Sam.
Não por acaso, tão logo o ministro Moraes anunciou que a Starlink teria suas operações bloqueadas no Brasil se não tirasse o X do ar, a Embaixada do Estados Unidos divulgou nota manifestando sua preocupação com a “liberdade de expressão”
A mídia corporativa fez vistas grossas para o assunto, da mesma forma que não deu importância para o fato de ser a mesma Starlink que prove comunicação para o comando do Exército brasileiro e as suas tropas em áreas remotas e fronteiras da Amazônia.
Não é notícia saber que o Exército brasileiro, para defender a nossa soberania, depende de uma potência estrangeira?
A exceção do jornal Valor Econômico, do Grupo Globo, que publicou matéria dando apenas a versão dos comandantes militares sobre o assunto, sem ouvir um único estudioso ou especialista, a dependência do país dos serviços da Starlink em matéria tão sensível é gravíssima.
Mas nada disso, claro, aparece na mídia que prefere manter a população idiotizada nesta espécie de Fla x Flu, no qual gostar ou não da careca do ministro Moraes influencia no apoio ou não à sua decisão.
Por tudo isso, neste 7 de setembro, as máscaras, mais do que nunca cairão.
Quem está com Bolsonaro e quem defende Musk é contra a democracia e o desenvolvimento do Brasil.
Não há meio termo.
Não é possível se dizer patriota e defender interesses de outra potência contra os do povo brasileiro.
Quem passa pano para Bolsonaro, defende anistia para ele e demais golpistas, é a mesma turma que torce por Trump e pelo fascismo que ele pretende implantar nos Estados Unidos e onde mais conseguir, caso eleito.
Em países como Inglaterra, França, Alemanha e mesmo nos Estados Unidos, Musk começa a ter sérios problemas com a lei, podendo repetir o que aconteceu com outro ex-todo poderoso amigo de Trump, Stevie Bannon. Respondendo a dezenas de processos e preso, ele se tornou carta fora do baralho.
Não por acaso a decisão brasileira vem recebendo aplausos e elogios por parte dos setores progressistas e da mídia internacional.
Determinar limites legais e desmascarar um golpista e delinquente como Musk é obrigação de quem defendem a democracia, os interesses de seu país e de suas populações.
Definitivamente não é o caso da mídia corporativa brasileira e menos ainda dos “patriotas”.
*Ângela Carrato é jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
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