Venezuelanos ouvidos pelo BdF desconfiam da veracidade da operação e denunciam pressão de Washington

Aeronaves MC-130 Hercules dos EUA enviadas para base militar estadunidense em Porto Rico, para pressionar a Venezuela

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse na noite da segunda-feira (29) que seu país realizou o primeiro ataque terrestre contra a Venezuela, após meses de intensificação das hostilidades, ao supostamente alvejar um porto usado “para o tráfico de drogas”. A ofensiva, entretanto, não foi confirmada na Venezuela, de onde começam a vir relatos que contradizem o magnata estadunidense.

“Houve uma grande explosão na área do cais onde carregam as embarcações com drogas”, disse Trump. “Atacamos todas as embarcações, e agora atacamos a área, é a área de implementação […] e já não existe mais”, acrescentou.

Trump não detalhou se foi uma operação militar ou da CIA, agência central de inteligência, nem onde o ataque ocorreu. Disse, apenas, que foi “ao longo da costa” da Venezuela, que tem cerca de 2,8 mil km (aproximadamente a distância entre os litorais do Rio Grande do Sul até o da Bahia).

O presidente estadunidense tocou no assunto quando requisitado a comentar uma entrevista de rádio veiculada na última sexta-feira (26) em que ele pareceu reconhecer pela primeira vez um ataque terrestre contra cartéis de drogas na Venezuela.

“Eles têm uma grande fábrica, ou uma grande instalação, de onde enviam, você sabe, de onde vêm os barcos”, disse Trump à emissora WABC, de Nova York.

Fontes ouvidas por veículos de mídia estadunidenses como a CNN e o New York Times disseram que a CIA havia executado um ataque de drones contra uma instalação portuária. Os ataques não teriam deixado vítimas, já que o local estaria vazio.

Questionado se havia voltado a falar com Maduro após um telefonema em novembro, Trump disse que os dois haviam conversado “bem recentemente”, mas que o diálogo não havia resultado em “grande coisa”. Desde que voltou à Casa Branca em janeiro, Trump vem defendendo uma mudança de governo em Caracas, o qual acusa de narcoterrorismo, alegação rejeitada por especialistas.

Nos últimos meses, os EUA enviaram cerca de 10 mil soldados e inúmeros equipamentos militares, como porta-aviões, ao Mar do Caribe, nas proximidades da costa venezuelana. Os estadunidenses já mataram mais de 100 pessoas, a maioria não identificada, em cerca de 20 ataques a pequenos barcos, alegando que transportavam drogas.

Especialistas em direito internacional dizem que tais operações seriam execuções sumárias, e o confisco nas últimas semanas de três petroleiros venezuelanos também configuraria roubo, à luz das leis vigentes. Neste contexto, um ataque contra um país soberano seria o mais recente ato ilegal cometido pela administração Trump.

Ceticismo na Venezuela

Mas foi mesmo? O vice-Ministro de Políticas Antibloqueio da Venezuela, William Castillo, comentou no X pouco depois das declarações de Trump que todo o imbróglio “parece falso”, embora Caracas estivesse investigando o possível ataque.

“Não há confirmação oficial desse suposto ataque por parte da Casa Branca ou do Departamento de Defesa, tampouco foram divulgados detalhes. Ontem à noite, de fato houve um incêndio nas instalações de uma empresa química privada no estado de Zulia, no oeste da Venezuela. Foi um incidente menor, rapidamente controlado e sem feridos. A empresa emitiu um comunicado e mantém suas operações” disse Castillo.

“Será que eles querem assumir a responsabilidade pelo incidente, mas não ousam admitir? Será que estamos testemunhando um truque antigo com uma nova narrativa, algo como: ‘Destruímos as instalações nucleares do Irã?'”, questiona.



“Ninguém aqui acredita que tenha sido resultado de um ataque”, afirmou o ministro.

A empresa mencionada por Castillo seria a Primazol, que desmentiu por meio de nota que tivesse sofrido um ataque, afirmando que ocorreu um incêndio de pequenas proporções, em 24 de dezembro, em um de seus armazéns na região de Maracaibo.

“O incêndio foi controlado sem feridos, rejeitando categoricamente os rumores maliciosos que circulam nas redes sociais”, informou.

A distribuidora de matéria-prima e insumos químicos diz que coordena com as autoridades locais os trabalhos de limpeza e avaliação da área afetada pelo incêndio, causado por falha elétrica.

“Esclarecemos que as afirmações que circulam não têm relação alguma com o incidente ocorrido e não correspondem a informação oficial nem verificada”, declarou a Primazol.

A empresa também afirmou que as versões difundidas buscam “afetar o prestígio do fundador e da organização” e reforçou seu compromisso com a segurança dos trabalhadores, o respeito à comunidade local e o cumprimento de suas responsabilidades corporativas.

Ao Brasil de Fato, a pesquisadora do Instituto Tricontinental na Venezuela Carmen Navas ressaltou que o governo Maduro “não emitiu um comunicado oficial” e que, portanto, não há qualquer confirmação de ataque como noticiado por parte da imprensa.

“Certamente não há muito o que esclarecer. É importante notar que Trump também não foi muito explícito. Ele mencionou que houve ataques antes do Natal e que envolveram drones”, disse ela.

“Isso significaria que ele está tentando ser coerente com o que indicou meses atrás sobre a autorização dos ataques, a autorização das ações da CIA e outros métodos, mas certamente não se trata do ataque terrestre que a grande mídia vem distorcendo há semanas”, pontua.

“O presidente Maduro acionou todos os mecanismos diplomáticos, da ONU à convocação de mecanismos regionais, e pediu um diálogo diplomático baseado no respeito com o governo de Donald Trump”, finaliza Navas.

Por que não há imagens?

Ana Maldonado, da direção da Frente Francisco de Miranda, agrupamento coletivo que reúne diversos movimentos populares venezuelanos disse à reportagem que as declarações do presidente estadunidense seguem roteiro já conhecido.

“Primeiro, Trump diz alguma loucura, como ‘destruímos os bunkers’, ‘o petróleo é nosso’ ou ‘bombardeamos um covil de drogas’. Depois, as agências do governo estadunidense e seus operadores de mídia criam uma narrativa que apoia a alegação absurda”, explica.

“A CNN acabou de divulgar ‘detalhes da operação’, o problema é que eles são tão descuidados (ou talvez não importe) que erram datas, locais e cenários. Trata-se de criar realidades derivadas da Doutrina Monroe, do ‘destino manifesto’, da responsabilidade de ‘proteger'”, diz.

Maldonado destaca ainda que a Venezuela dispõe de variadas formas de investigar o suposto ataque, como “ativistas e líderes no terreno, porta-vozes oficiais”.

“O clima é de paz, alerta e máxima prontidão”, conclui ela.

Para o professor venezuelano Miguel Jaimes, especialista em geopolítica petroleira, a pressão narrativa por parte dos EUA também diz respeito ao controle da região do Caribe e do petróleo que trafega por aquele mar.

“A Venezuela faz parte de um extenso, glorioso e profundo Caribe. A Venezuela nasceu desse oceano, e ao longo de muitos séculos tem travado uma luta permanente e constante para ter uma presença significativa em toda esta valiosa zona”, disse ele ao Brasil de Fato.

Jaimes também desconfia da veracidade do ataque e diz que “qualquer pessoa com um celular poderia ter gravado o fato”.

“Até agora não é o que existe. Não viralizou em nenhuma rede social. Se o ataque tivesse realmente acontecido, o mundo estaria vendo imagens disse agora mesmo”, acredita.

 Publicado originalmente por: Brasil de Fato


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