Fabiana Moraes: Na minha última coluna do sagrado ano de 2025, quero rezar ao lado de vocês que me acompanharam neste intenso rolê que é ser brasileira.

Chacina no Rio foi um marco da violência policial em 2025 (Foto: Uendell Vinícius/Voz das Comunidades)

Fabiana Moraes

1. Que os autointitulados “homens do bem”, aqueles que atropelam e assassinam tendo a certeza da impunidade, sejam exemplarmente punidos: que as mortes de pessoas como o gari Laudemir de Souza , assassinado em agosto por um brucutu chamado Rene da Silva Nogueira, sejam lembradas não somente como tragédias, mas como pontos de partida para uma mudança social mais profunda, na qual deixemos de acreditar naqueles que se dizem “do bem” como disfarce, hipocrisia ou estratégia. Que não vejamos mais garis, entregadores, professoras etc,  sendo mortos sob a gramática da violência descontrolada de quem se propaga como bom e inocente.

2. Que a imprensa comercial, Jesus seja louvado, cesse de esconder a incompetência de nomes escolhidos por clubes restritos de investidores para liderar nosso país, como Tarcísio de Freitas, do Republicanos, governador de São Paulo. Na cobertura da Folha de S.Paulo, por exemplo, o auditor Artur Gomes da Silva Neto, acusado em agosto de liderar esquema bilionário de propina dentro da Secretaria da Fazenda, não apareceu nas manchetes sendo relacionado ao governador, a quem respondia. Por outro lado, continuamos a ver no mesmo jornal manchetes como “Lula dividiu palco com suspeitas de tráfico” (mas o troféu do ano vai para o MetrópolesJustiça bloqueia Porsche do patrão de ex-nora de Lula. O Come Ananás tirou uma onda aqui). 

3. Aproveitar essa oração dirigida ainda a todos os caboclos para lembrar que a segurança pública em estados governados pela direita, como SP e RJ, também está aos frangalhos. Há alguns dias, a jornalista Natuza Nery disse, no podcast O Assuntouma ótima frase a respeito: “se a questão fosse a direita governando, o Rio de Janeiro seria uma Suíça”. Pois é. A dificuldade de a esquerda lidar com a segurança pública – e ela tem mesmo, vide a Bahia – não deve ser confundida com o fato de a direita ter um bom desempenho na mesma área. A maior chacina que tivemos em nossa história não livrou – e nenhuma chacina livrará – as cidades de facções criminosas que se escondem também na Faria Lima.

4. Oremos, Nossa Senhora, para que a xenofobia internalizada dentro do próprio Brasil e que se espalha muito animada nas redes sociais seja exposta sem filtro e sem punhos de renda, exatamente pelo nome que tem. Ela conta com o apoio desavergonhado de governadores (como Jorginho Melo, do PL de SC), prefeitos (como o de Florianópolis, Topázio Neto, do PSD) e vereadores (como Mateus Batista, da mesma cidade, do União Brasil). Qualquer pessoa que a comete deve responder judicialmente pelos atos discriminatórios, mas especialmente aqueles que usam a máquina pública para espalhar discriminação. Gente com palco, poder, estrutura e voto.

5. Oxalá, meu pai, me acuda aí com essa: 2026 é ano de eleição presidencial, então te rogo que nossos jornais e jornalistas façam a lição de casa e, na cobertura política, lembrem que foi em grande parte o voto vindo dos “grotões” que livrou o Brasil de uma cambada criminosa, com plano de assassinato no bolso e interessada em golpear o país. Nunca é demais repetir aos colegas que confundem ter dinheiro com civilidade: o Brasil profundo está no Vivendas da Barra.

6. Aliás, peço licença: falando em voto e Nordeste, eu não poderia deixar de mandar aquele alô gostoso para Silvinei Vasques, ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal à frente das ações que impediram nordestinos de irem votar para presidente em 2022. O caro Silvinei (assim como o fraco de sinapse Filipe Garcia Martins Pereira, ex-assessor internacional da Presidência e outros golpistas) desfruta de um novo status social: condenado. As pombagiras brindam a graça alcançada.

7. Nossa Senhora, escutai a nossa prece: que o intelectualíssimo Francisco Bosco consiga ter mais acesso à internet e, assim, se informar melhor sobre o que se passa no país. O que ele entendeu como uma “epidemia” de feminicídios (porque casos terríveis foram mais midiatizados recentemente) é a “normalidade” nacional há tempos. Desde março, os números mostram que, já em 2024, o aumento da violência contra mulheres explodiu. Este ano, casos violentíssimos aconteceram recorrentemente: em agosto, três mulheres foram assassinadas à beira-mar, na Bahia. Em setembro, Alicia Valentina, de apenas 11 anos, foi espancada dentro da escola porque disse não a um menino. Morreu dias depois. Em outubro, uma mulher foi estuprada dentro de um posto da polícia rodoviária em Pernambuco – não era o primeiro caso. Este mês, a cabeça de uma mulher de 88 anos foi encontrada dentro de uma sacola plástica, em Lajedo, no mesmo estado. Se os homens e meninos estão sofrendo e em crise, as mulheres seguem sendo destruídas – arrancam-lhes pernas e cabeças – por serem mulheres. 

8. Volto a pedir que o machismo e a misoginia sejam atacados de frente: nas escolas, dentro de nossos lares e nas redes sociais. Que os red pills e os perfis que se dizem “anti-feministas” sejam responsabilizados pela propagação de discurso de ódio. Que todas as mulheres — cis ou trans — encontrem proteção, respeito e espaço para prosperar sem medo.

9. Santa Rita de Cássia, que nos ajuda nas causas impossíveis: te peço que a inteligência artificial nos ajude a organizar nosso agora e nosso futuro, mas que nunca nos faça esquecer da nossa capacidade de raciocinar e decidir por nós mesmas. Que o uso da IA seja um apoio, e não uma substituição da nossa autonomia, já tão esculhambada pelos modelos oferecidos pelas gigantes da tecnologia, turbinadas com os nossos dados – e, para entender melhor esse assunto central para a democracia, recomendo o livro A Era do Capitalismo de Vigilância, de Shoshana Zuboff, e assistir a este debate sobre ele.

10. Que o Brasil (FINALMENTE), com um imposto de renda mais justo, caminhe para uma reforma tributária que taxe os super-ricos (e super salários) e redistribua a riqueza. Que a justiça fiscal não seja encarada como uma conversa de boteco, idealista ou de gente ingênua: este ano, o 0,1% mais rico do país aumentou ainda mais a própria riqueza. Mas ainda tem muita gente babaca acreditando que o real problema do país é o Bolsa Família.

11. Nessa mesma energia, oremos para que todas as deusas deem muita saúde, energia e amor a gente como Rick Azevedo (vereador do PSOL no Rio de Janeiro). Sem ele e o trabalho de pessoas como a deputada Erika Hilton, do PSOL de São Paulo, não teríamos chegado até aqui na discussão sobre o fim da escala 6×1: a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou este mês uma Proposta de Emenda à Constituição, PEC, que assegura dois dias de descanso remunerado por semana, preferencialmente aos sábados e domingos, e estabelece a redução gradual da jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais. Para se tornar realidade, o texto ainda precisa passar pela aprovação no plenário do Senado, tramitar na Câmara dos Deputados e ser sancionado ou vetado pelo presidente da República. Senhor, lembrai de todas as pessoas recebendo um salário mínimo e exaustas nos ônibus lotados e escutai as nossas preces.

12. Rogamos, mãe Oxum, que o Mounjaro, o medicamento celebridade vendido como a mais cara das canetas de emagrecimento, fique mais barato. Assim, personagens da República brasileira, como o ilustre senador Davi Alcolumbre, do União Brasil do Amapá (com salário bruto de R$ 46.366,19) não terão que passar pelo constrangimento de negociar o remédio com um pessoal suspeito de ligação com o PCC. Fica meio chato, né, senador?

13. Que o padre Júlio Lancellotti, da paróquia de São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, em São Paulo, possa distribuir o pão. Que o pastor evangélico Gabriel Miranda, do bairro do Coqueiral, no Recife, continue distribuindo suas sementes. Que o Pai Ivo, do Terreiro de Xambá, em Olinda, deixe de ser constrangido por movimentos de evangélicos radicais. Que Exu possa ser celebrado por seus fiéis sem o risco de serem processados judicialmente.

Donald Trump deu início a guerra de tarifas ao taxar de forma unilateral países que têm relação comercial com os Estados Unidos (Foto: Yuri Gripas/Agência EFE/Folhapress)
Em 2025, Donald Trump deu início a guerra de tarifas e ainda embarcou na aventura bolsonarista para atacar o Brasil (Foto: Yuri Gripas/Agência EFE/Folhapress)

14. Que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, receba, em dobro e em vida, aquilo que proporcionou a milhares de imigrantes, boa parte deles sem qualquer antecedente criminal e separados de suas famílias. Que seu terrível ataque a pessoas assassinadas (o cineasta Rob Reiner e sua esposa, Michelle Singer) abale com bastante força a sua popularidade mesmo dentro de seu partido. Canalha.

Feliz 2026, pessoal.

 Publicado originalmente por: The Intercept Brasil


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