Em uma entrevista para o grupo CAPETA - Capital e Estado em 2017, ainda como Ministro da Fazenda, Meirelles responde algumas questões que você gostaria de fazer para quem conduz nossas políticas econômicas.
Por CAPETA - Capital E Estado
Por meio de um contato que se obteve junto a um membro do ministério do governo Temer, viabilizou-se uma entrevista com o então Ministro da Fazenda Henrique Meirelles. A entrevista se deu no dia 13 de abril de 2017, em Brasília. Os entrevistadores foram Ricardo Camera e Álvaro de Oliveira. A entrevista durou, mais ou menos, 21 minutos, na qual Meirelles respondeu as perguntas listadas abaixo.
1. A nova ordem político-econômica dos BRICS – incluindo o Banco dos BRICS – teria a capacidade de revogar a dependência do Brasil das estruturas do sistema Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial? O que o senhor pensa sobre o assunto?
Henrique Meirelles: O Brasil, hoje, não tem mais dependência do FMI e do Banco Mundial. Aliás, eu, quando Presidente do Banco Central, na década passada, tive inclusive a satisfação de assinar o cheque quando nós pagamos o último empréstimo que nós tínhamos com o FMI; e com o Banco Mundial já não tinha dívida relevante. E também paguei a dívida com o Clube de Paris, que é o clube dos países credores. Hoje o Brasil na realidade é credor. O Brasil é credor do FMI. Temos lá depósitos no FMI. Também membro do Clube de Paris, significando ser um país credor. Então essa fase o Brasil já passou.
Presidente Michel Temer durante reunião do Brics, na China.
2. Por que a taxa de juros da maioria dos países desenvolvidos é igual, próxima ou inferior a zero, e a brasileira se configura como a maior taxa de juros reais do mundo? Setores da sociedade civil e acadêmicos afirmam que os juros praticados pelo Brasil não se devem a uma medida técnica, mas a interesses “financistas”. O que o senhor ministro tem a dizer?
Henrique Meirelles: A questão das taxas de juros… A taxas de juros no Brasil são muitos elevadas por duas razões. Em primeiro lugar, devido à estabilidade fiscal, isto é, o Brasil tem uma constituição que determina um crescimento constante das despesas públicas. Então as despesas públicas brasileiras, federais, que em 1991 representavam apenas 10% do PIB brasileiro, hoje representam 20%. Então, existe sempre a expectativa de que em algum momento o Estado brasileiro possa ficar insolvente.
A segunda razão importante é que de tempos em tempos o Brasil tem inflações relativamente elevadas. Existe um prêmio de risco importante nesse processo. E agora com as reformas fiscais que esse governo está promovendo, inclusive com a aprovação do teto dos gastos, e posteriormente, da proposta da reforma da previdência, portanto, com essas reformas, além da reforma trabalhista, o projeto comandado por nosso Ministro do Trabalho, então tudo isso vai fazer que o risco Brasil caia. E a tendência nossa é, portanto, devagar, a queda da taxa de juros. Isso somado ao bom trabalho do Banco Central no controle da inflação. Isso significa que esta é a razão dessa taxa de juros, não existindo esse controle das taxas de juros no mercado como alguns acadêmicos acreditam que possam existir.
3. Esses setores civis, críticos à política macroeconômica brasileira atual, demonstram que o governo brasileiro gasta mais com o serviço financeiro da Dívida Pública do que com investimentos em áreas essenciais à nação – fazendo com que o sistema bancário brasileiro tenha lucros exorbitantes. Como o senhor ministro avalia essa questão?
Henrique Meirelles: Na realidade as duas coisas não são relacionadas. O governo brasileiro gasta muito com juros por uma razão muito simples. Os juros são elevados e a dívida é elevada. Quem deve muito, e tem de pagar juro alto porque deve muito – e a dívida está aumentando – paga muito juro. A maneira de corrigir isso não é tentando fazer mágica ou atitudes que rompam contratos e etc. A maneira de resolver é fazer o que esse governo está fazendo, isto é, cortar despesas e limitar o crescimento da dívida. E a partir daí resolver o problema.
O sistema bancário brasileiro não ganha dinheiro quanto se pensa com a dívida pública. Eles ganham dinheiro com empréstimos. Exatamente em função dessa taxa de juros elevada que o Brasil tem, que estamos trabalhando para diminuir. E o fato concreto é que mesmo em países onde a taxa de juros é muito baixa… É que em outros países que tem taxa de juros muito baixas, como é o caso dos Estados Unidos, ou alguns países europeus, os Bancos ganham tanto como no Brasil. A taxa de juros é menor nesses países pois o volume dos empréstimos é muito maior, isso compensa uma coisa com outra. Não é essa a razão desse processo. E o mais importante é que a taxa de juros está caindo no Brasil.
4. Recentemente o jornal inglês The Guardian publicou uma reportagem sobre um artigo também recente do Banco Central da Inglaterra, chamado “A criação do dinheiro nas economias modernas”. De acordo com a reportagem, as chamadas medidas de austeridade, por mais que sejam consenso nas linhas mestras da economia, não são eficientes, visto que o próprio Bando Central Inglês expande a base monetária conforme a demanda do governo e do mercado; contanto que exista alguns setores querendo esse dinheiro emprestado; sem haver, inclusive, aumento dos índices inflacionários. Por que, então, o Brasil mantem a narrativa econômica de que não há dinheiro suficiente para os serviços e investimentos públicos?
Henrique Meirelles: Em relação à reportagem do jornal inglês The Guardian, sobre a criação do dinheiro nas economias modernas, ela basicamente argumenta, baseando-se no estudo de um economista do Banco Central Inglês, que, como o banco central imprime dinheiro sem qualquer contenção e não há descontrole inflacionário, então isso aí significaria, segundo o entendimento de alguns, que as políticas de contenção fiscal não funcionariam.
Caricatura de Meirelles, de Kleber Sales.
Na realidade, isso é o estudo de um técnico, de um economista, e que é pouco entendido em outros locais fora do sistema inglês… Um economista do banco central da Inglaterra, que é o Bank of England, ele tem a liberdade de produzir e escrever o que ele quiser, não representa a voz do Bank of England. Existe opiniões diferentes, tanto que a política seguida pelo Banco da Inglaterra não é a política defendida por esse economista. O Banco Central da Inglaterra defende políticas de austeridade e adota uma política monetária bastante ortodoxa. E a razão pela qual o Banco Central da Inglaterra e os demais bancos centrais fazem isso, e as autoridades, é por uma razão muito simples. A experiência mostra que a partir de um certo ponto, se o Banco Central for financiar o governo, provoca expansão fiscal com expansão monetária, o que gera inflação.
A Inglaterra nunca testou esse ponto. Por isso eles vivem em outra realidade. Eles nunca chegaram a isso, então não sabem. Então eles acham que isso pode acontecer. Mas a experiência brasileira é completamente diferente, porque nós vivemos uma hiperinflação que foi causada por isso. Isto é, o Banco Central brasileiro financiava o aumento de gastos do governo da década de 1980, isso gerou um processo de hiperinflação, quando nós chegamos a ter inflação de mais de 2000% ao ano. E a razão foi essa. Porque o Banco Central financiava a despesa do Governo Federal. Portanto, é importante mencionar, que na Inglaterra, eles nunca chegaram nem perto.
Então existe especulações, porque dentro de uma certa margem, é verdade, isto é, se o Banco Central imprime um pouco mais, isso não vai necessariamente gerar uma inflação imediatamente, mas a longo prazo vai gerar, e, no caso, a experiência brasileira mostra que tem hiperinflação. E tem outros casos na Europa, na Alemanha na década de 1920, teve também na Polônia e em outros países. Na América Latina tivemos na Bolívia, na Argentina, além do Brasil. Já houve vários episódios de hiperinflação em função disso.
5. O que o senhor ministro pensa sobre a crise dos derivativos de 2007/2008 e a crise da zona do Euro? Quais seriam os maiores responsáveis por esta crise e quais seus maiores beneficiados?
Henrique Meirelles: Em relação a crise dos derivativos de 2008. A crise de 2008 tem dois componentes. Os derivativos é um deles e o crédito é outro. O início da crise nos Estados Unidos foi de uma crise de crédito. A crise de crédito gerou de fato uma crise econômica muito grande. E aí gerou uma crise de derivativos também. No caso do credito a razão foi muito simples. Os bancos Americanos emprestaram recursos para o mercado imobiliário sem muito critério de crédito. Então começou a financiar casas para basicamente todos que queriam comprar. O que foi ótimo num primeiro momento, mas num segundo momento gerou uma crise bastante grande, na medida em que essas pessoas começaram a não pagar os créditos, e, não pagando os créditos, houve uma queda da qualidade da carteira e em consequência…
Então, em resumo, a crise de crédito Americana foi causada basicamente por excesso de concessão de crédito pelos bancos. Começaram a emprestar para todo mundo, e isso foi crescendo e crescendo. O dia que as pessoas começaram a parar de pagar, ai as casas caíram de valor, o sujeito não conseguia vender a casa para pagar, perdia o emprego, e aí foi abandonando a casa e a situação foi piorando. E a crise dos derivativos se deu em consequência disso. Na medida que o mercado entrou em colapso, quem tinha posição nos derivativos também perdeu dinheiro e quebrou também.
A crise da zona do euro foi similar. Principalmente na Inglaterra e na Espanha, onde existiu também excesso de empréstimos, e isso gerou uma crise de créditos. O que foi muito similar a Americana, isto é, foi uma crise de explosão no tamanho dos créditos, do volume e etc. Expandiu demais, as empresas e pessoas não conseguiram depois pagar, e o país entrou numa crise grande.
Quais seriam os maiores responsáveis por essa crise? Os responsáveis evidentemente foram aqueles que emprestaram muito. Quem seriam os beneficiados com uma crise financeira desta? Em última análise ninguém. Porque mesmo aqueles que tomaram muito dinheiro emprestado, depois tiveram que pagar isso.
Quando o banco concede o crédito, quem toma tem de pagar. E depois de o país entrar numa recessão, fica mais difícil pagar. Então, os bancos perderam muito dinheiro. Os bancos inclusive quebraram. Todos os grandes bancos Americanos quebraram. Os bancos Ingleses, a maior parte deles quebrou também. Então foi um prejuízo generalizado. A crise de crédito de grandes dimensões é uma crise que prejudica a todos em última análise.
Meirelles na última reunião sobre o Copon.
6. É possível auditar a dívida pública brasileira tal como fez o Equador durante o governo de Rafael Correa com a dívida externa equatoriana?
Henrique Meirelles: A dívida brasileira é auditada constantemente pelo Tribunal de Contas da União. Nós temos um sistema de controle de auditoria que aparentemente não existe em todos os países. Então a dívida brasileira é completamente auditada. Os sistemas do Tesouro são completamente auditados e etc. E portanto isto é um problema que não existe no Brasil, porque isso já foi feito há muito tempo e é feito constantemente. Aliás, há algumas décadas, e portanto não há no Brasil esse problema que foi encontrado no Equador. Então basicamente esta é a situação.
A boa notícia de tudo isso é que o Brasil está enfrentando seus problemas básicos. Existe aí a proposta da Reforma Trabalhista que é fundamental, porque vai diminuir o custo de produzir no Brasil, tornar a economia mais eficiente e produtiva. A Reforma da Previdência também, que inclusive vai permitir a queda de juros, o controle da inflação, que também permite depois a queda de juros, e outras reformas básicas que estamos fazendo no país.
Voyager1