Dilma reconduz Janot ao cargo. José Cruz/Agência Brasil

O ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está lançando um livro.

No modelo de autoridades dos Estados Unidos que deixam o poder, ele quer ganhar dinheiro com as atividades que deixou para trás.

Provavelmente vai se tornar comentarista de assuntos jurídicos na TV. GloboNews, talvez CNN Brasil.

Janot foi indicado por Dilma Rousseff, quando os governos do PT indicavam o mais votado na lista tríplice.

Ele já foi descrito pelo jornalista Luís Nassif como “débil e especialista apenas em questões corporativas”.

Acabou nas mãos de procuradores mais jovens, escolados pelos contatos com o Departamento de Justiça (DOJ) e o Departamento de Homeland Security (DHS) dos Estados Unidos — formais ou não — ao longo da Operação Lava Jato, sempre na descrição de Nassif.

O ex-procurador e futuro ministro da Justica de Dilma, Eugênio Aragão, foi padrinho da indicação de Janot, ao lado de Sigmaringa Seixas e do ex-presidente do PT José Genoino.

Advogado e ex-deputado, Sigmaringa foi influente no PT. Ajudou a indicar ministros do STF.

Era tido como um gênio nos meandros dos bastidores de Brasília.

Lula e Dilma indicaram seis ministros do STF.

Lula indicou Cármen Lúcia e Dias Tóffoli.

Detalhe, Tóffoli foi advogado do Partido dos Trabalhadores, contou com apoio do ideólogo mor José Dirceu.

Dilma indicou: Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin.

Detalhe, Fachin teve o apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST!

Mais tarde, em carta-aberta, Eugênio Aragão revelou ressentimento com o ex-amigo Janot, pelo qual fez campanha:

O Senhor preferiu formar uma dupla com seu chefe de gabinete, Eduardo Pelella, que tudo sabia e em tudo se metia e, por isso, chamado carinhosamente de “Posto Ipiranga”. Era seu direito e, também por isso, jamais o questionei a respeito, ainda que me lembrasse das conversas ante-officium de que sempre nos consultaríamos sobre o que era estratégico para a casa.

Os colegas frequentavam a casa um de outro e Aragão diz ter alertado Janot sobre a Operação Lava Jato:

Compartilhei meus receios sobre os desastrosos efeitos da Lava Jato sobre a economia do País e sobre a destruição inevitável de setores estratégicos que detinham insubstituível ativo tecnológico para o desenvolvimento do Brasil. Da última vez que o abordei sobre esse assunto, em sua casa, o Senhor desqualificou qualquer esforço para salvar a indústria da construção civil, sugerindo-me que não deveria me meter nisso, porque a Lava Jato era “muito maior” do que nós.

De acordo com Aragão, quando ele foi indicado ministro da Justiça por Dilma Rousseff, Janot fez pouco caso do amigo.

Imagino que o Senhor não ficou muito feliz e até recomendou à Doutora Ela Wiecko a não comparecer a minha posse. Aliás, não colocou nenhum esquema do cerimonial de seu gabinete para apoiar os colegas que quisessem participar do ato. Os poucos (e sinceros amigos) que vieram tiveram que se misturar à multidão.

Aqui, um parênteses: Dilma Rousseff teve a oportunidade de substituir Rodrigo Janot por Ela Wiecko (ambos estavam na lista tríplice dos procuradores quando o primeiro mandato de Janot venceu), mas Dilma optou por não fazê-lo.

Como as mensagens da Vaza Jato entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, disseminadas pelo Intercept Brasil, revelaram, o interlocutor da operação com Janot era justamente seu chefe de gabinete, Eduardo Pellela.

Numa mensagem de 27 de julho de 2016, Deltan Dallagnol escreve a Pellela, especulando que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, seria sócio de um primo em um hotel no interior de São Paulo.

No dia seguinte, voltou à carga:

Queria refletir em dados de inteligência para eventualmente alimentar Vcs. Sei que o competente é o PGR rs, mas talvez possa contribuir com Vcs com alguma informação, acessando umas fontes.

E prosseguiu:

Vc conseguiria por favor descobrir o endereço do apartamento do apto do Toffoli que foi reformado?

Pellela respondeu que havia sido uma casa.

A suspeita é de que Toffoli tenha tido sua casa reformada pela OAS, de acordo com delação do empreiteiro Léo Pinheiro.

A Lava Jato e a PGR, a essa altura, pareciam tramar clandestinamente contra possíveis decisões contrárias do STF.

Os negócios das esposas de Toffoli e do ministro Gilmar Mendes, as advogadas Roberta Rangel e Guiomar Mendes, também eram alvo de interesse de procuradores da Lava Jato.

Eles suspeitavam que as esposas tiravam proveito da posição dos maridos ou serviam como biombo para enriquecimento de Toffoli e Gilmar.

Gilmar e a esposa têm uma fortuna estimada em R$ 20 milhões.

Gilmar é dono de uma empresa de ensino à distância que tem contratos com governos.

Emprega desembargadores e juízes de instâncias inferiores, estabelecendo uma rede informal de compadrio político-econômico.

De acordo com as mensagens da Vaza Jato, alguns procuradores da Força Tarefa em Curitiba demonstraram a mesma sede de poder.

Deltan Dallagnol planejou concorrer ao cargo de senador em 2018 e mesmo em 2022, quando teria de atropelar um aliado, o senador Álvado Dias, do Podemos, feroz apoiador da Lava Jato.

Deltan articulou a formação de um fundo que daria à Lava Jato acesso a bilhões de reais para, dentre outras coisas, promover ações de combate à corrupção através de entidades aliadas.

Clandestinamente, Deltan trabalhou pelo impeachment de Gilmar Mendes com um advogado que tinha interesses financeiros diretos em ação contra a Petrobras, Modesto Carvalhosa.

Já o juiz federal Sérgio Moro escancarou sua ambição quando, ainda na campanha eleitoral de 2018, aceitou ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro — depois de ter alijado da disputa o principal adversário do candidato da extrema-direita, o ex-presidente Lula.

Se isso ainda não assumiu ares de um circo, providenciem a lona!

O jornalista Luís Nassif acredita que o Ministério Público, conforme concebido pela Constituição de 1988, está morto:

O que esses tolos deslumbrados da Lava Jato, comandados por um PGR pusilânime, Rodrigo Janot, conseguiram foi a desmoralização de toda a instituição. Alertamos várias vezes que, fosse quem fosse o próximo governo, até um governo apoiado pela Lava Jato, como Bolsonaro, seu primeiro passo seria o enquadramento do MPF. É impossível, em qualquer regime democrático, a convivência com um poder de Estado capaz de derrubar presidentes da República. […]

Esses tolos, ignorantes, provincianos da Lava Jato, não se deram conta de que jamais seriam um poder originário, como insinuado por sua megalomania delirante. Tinham o exemplo da Mãos Limpas, na qual se espelharam. A operação acabou pelos abusos cometidos, e pelo profundo sentimento de cansaço gerado por suas arbitrariedades. Aqui, os gênios de Curitiba encontraram a saída: a aprovação das 10 Medidas, que elevariam o arbítrio a níveis jamais experimentados. Pior que isso, envolveram toda a corporação nessa maluquice, com a própria PGR financiando campanhas pelo Brasil afora.

A confissão de Janot, de que pretendia assassinar Gilmar Mendes, feita à revista Veja, é apenas um fim melancólico, tétrico, para uma verdadeira ópera-bufa.

De acordo com a revista Veja, Gilmar chama Janot de “bêbado e irresponsável”. Este se refere ao ministro como “perverso e dissimulado”.

Em maio de 2017, Janot tentou impedir Gilmar de atuar num processo envolvendo o empresário Eike Batista.

Alegação: Guiomar, a esposa de Gilmar, trabalha no escritório de Sergio Bermudes, advogado de Eike em outras ações. Isso é fato.

Por sua vez, Leticia Ladeira Monteiro de Barros, filha de Janot, advogada, teria participado de causas ligadas à OAS, empreiteira investigada na Lava Jato — Janot diz que Gilmar fez a fofoca.

Janot afirmou à revista Veja:

Fui armado para o Supremo. Ia dar um tiro na cara dele e depois me suicidaria. Estava movido pela ira. Não havia escrito carta de despedida, não conseguia pensar em mais nada. Também não disse a ninguém o que eu pretendia fazer. Esse ministro costuma chegar atrasado às sessões. Quando cheguei à antessala do plenário, para minha surpresa, ele já estava lá. Não pensei duas vezes. Tirei a minha pistola da cintura, engatilhei, mantive-a encostada à perna e fui para cima dele. Mas algo estranho aconteceu. Quando procurei o gatilho, meu dedo indicador ficou paralisado. Eu sou destro. Mudei de mão. Tentei posicionar a pistola na mão esquerda, mas meu dedo paralisou de novo. Nesse momento, eu estava a menos de 2 metros dele. Não erro um tiro nessa distância. Pensei: ‘Isso é um sinal’. Acho que ele nem percebeu que esteve perto da morte. Depois disso, chamei meu secretário executivo, disse que não estava passando bem e fui embora. Não sei o que aconteceria se tivesse matado esse porta-­voz da iniquidade. Apenas sei que, na sequência, me mataria.

No livro, Janot acusa Lula de ser corrupto, diz que Aécio e Michel Temer tentaram “cooptá-lo” e afirma que Palocci pretendia entregar cincos ministro do STF por corrupção, dentre eles Rosa Weber, Edson Fachin e Luiz Fux.

Com tanto escândalo assim, certamente o livro vai vender e vai fermentar a crise política pró-Lava Jato.

O STF deve se fechar em copas, num corporativismo febril.

Falta checar se Janot conta o episódio-chave do impeachment de Dilma Rousseff: a não aceitação da primeira versão do delator Léo Pinheiro, aquela que ainda não comprometia o ex-presidente Lula, mas acertava em cheio os tucanos Aloysio Nunes Ferreira e José Serra, artífices do impeachment de Dilma Rousseff.

Depois de muitas indas e vindas, a delação do empresário foi finalmente homologada por Edson Fachin.

Se a primeira delação tivesse sido aceita à época, é possível que o golpe de 2016 perdesse força no Congresso.

Não foi, mas Pinheiro depôs no caso do tríplex e ajudou a condenar o ex-presidente Lula.

Vale repetir o texto de Luis Nassif a respeito, publicado no GGN:

Primeira delação de Léo Pinheiro foi rejeitada para não atrapalhar o impeachment

Léo foi preso em junho de 2014. Em junho de 2016 sua delação foi recusada. Sabia-se que atingia diretamente lideranças do PSDB e aliados de Temer

A delação de Léo Pinheiro, revelada hoje pela Folha-The Intercept ainda não chegou no essencial: as razões que levaram a Lava Jato a recusar a primeira tentativa de delação do empresário, em 2016.

Pelos documentos relevados pela Folha, a delação atingia diretamente José Serra e seus operadores – Aloysio Nunes, Sérgio Freitas e Márcio Fortes –, confirmando as suspeitas sobre a rejeição da delação anterior: poderia comprometer o movimento pelo impeachment.

Léo foi preso em junho de 2014. Em junho de 2016 sua delação foi recusada.

Sabia-se que atingia diretamente lideranças do PSDB e aliados de Michel Temer. A maneira como se montou a desistência da delação é um dos episódios mais canhestros de toda a Lava Jato.

Narramos esse episódio no “Xadrez de Toffoli e o fruto da árvore envenenada”.

Foi vazada para a Veja um episódio irrelevante, e que sequer constava da delação.

Léo Pinheiro teria dito que orientou uma reforma na casa do Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli.

A reforma teria sido feita por terceiros e devidamente paga por Toffoli.

Ou seja, não havia crime e, portanto, não deveria merecer matéria, muito menos de capa.

Era mais uma “denúncia a favor”, como no episódio do grampo do Supremo.

Mas, com base nesse factoide, o Procurador Geral da República Rodrigo Janot decidiu cancelar a delação. Simples assim.

Na mesma época, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima já mostrava desconforto com a delação da OAS, ao afirmar que a Lava Jato só aceitaria mais uma delação de empreiteiras.

Não fazia sentido. A delação depende do conteúdo a ser oferecido. O próprio juiz Sérgio Moro ordenou a suspensão do processo, sem explicar as razões.

Os vazamentos de agora mostram a extrema partidarização da Lava Jato.

A delação ocorria em pleno processo do impeachment. Foi em junho de 2016. A votação final do impeachment foi em 31 de agosto de 2016

Além de implicar notórios conspiradores – e Aloysio Nunes foi peça chave, inclusive correndo a Washington para pedir bênção ao Partido Republicano, mal se consumou o impeachment –, não apresentava evidências contra Lula.

Certamente sua divulgação enfraqueceria substancialmente o movimento pelo impeachment. Esta foi a razão da grande armação acertada com Janot para impedir a delação.


Viomundo

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