A resposta de Lula à Belluzzo foi que não entendia porque ninguém “gritava” com os juros cobrados nos financiamentos do comércios e dos bancos
Por Cesar Locatelli
Lula e o custo da taxa Selic
por César Locatelli
Anda cada vez mais difícil discordar do ex-presidente Lula. A cada entrevista, sua avaliação sobre o Brasil, seu povo, sua elite, seu problemas sociais e políticos parece ficar mais clara e mais próxima daquilo que muitos de nós acreditamos.Nessa última, ao Jornal GGN, no entanto, teve um momento de defesa às decisões de taxa de juros do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que motivou um ligeiro reparo do professor Belluzzo e, talvez, mereça aprofundamento.
Lula revelou que ficava chateado com a chiadeira geral – da imprensa, da Fiesp, dos sindicatos, dos deputados – quando o Banco Central anunciava a elevação da taxa básica de juros da economia brasileira, a taxa Selic.
Disse o professor Belluzzo: “você se lembra, nas reuniões que a gente fazia, no meio da crise ele aumentou a taxa de juros”. Talvez essa frase tenha passado despercebida, mas embute uma crítica importante à atuação do Banco Central, sob Meirelles e Lula. Se a teoria ensina que a taxa de juros contém a inflação, via contração da demanda, por que diabos aumentá-la quando o país está em crise com demanda caindo?
Meirelles foi muitas vezes à imprensa dizer que o Banco Central tinha tomado uma decisão “conservadora” e aumentado os juros. Falava como se o aumento da taxa Selic pouco efeito tivesse na vida de todos. De fato, o freio que impõe à economia e, consequentemente, ao emprego nem sempre são percebidos. Muitos menos conhecidos são o custo e o efeito concentrador de renda do pagamento dos juros sobre a dívida pública federal.
A resposta de Lula à Belluzzo foi que não entendia porque ninguém “gritava” com os juros cobrados nos financiamentos do comércios e dos bancos: “E não tem uma revolução por isso? A gente briga tanto com a taxa Selic e não briga com o spread bancário que é que mata o povo? Esse mata o povo. Esse é na veia. Esse é exatamente na veia.”
Para ilustrar que Lula está coberto de razão tomamos, como exemplo, as taxas do cheque especial divulgadas pelo Banco Central, para o período de 10/9 a 16/9 passado: Bradesco (297% ao ano), Banco do Brasil (300%) e Banco Itaú (312%). Ressalte-se que a meta da taxa Selic está em 5,5% ao ano.
Lula disse que no crédito consignado, aquele que o banco cobra diretamente do INSS ou do empregador de quem tomou o empréstimo, “1,6 sobre 1,6 é muito mais do que a taxa Selic”. Ora a taxa do crédito pessoal consignado, para pensionistas e aposentados pelo INSS, na Caixa Econômica Federal está em 1,59% ao mês, o que significa 20,86% ao ano, nessa altura em que a taxa Selic está em 5,5% ao ano. As taxas do mesmo tipo de empréstimos do Banco do Brasil (25,03%), do Bradesco (21,43%) e do Itaú (24,78%), estão ainda mais altas.
Bem, mas em que pese o ex-presidente estar coberto de razão quanto ao spread estratosférico, não podemos esquecer do dano causado pela taxa Selic em si. Recordemos que as operações que dão origem à média Selic são operações de um dia, overnight, feitas com garantia de títulos públicos federais entre os bancos, com o Banco Central entre eles. Em resumo, são operações praticamente sem risco de crédito, por conta do lastro ser título público federal e, normalmente, o valor considerado para a operação tem o título subavaliado em relação só mercado (PU da resolução 550), e sem risco de liquidez, por serem operações de curtíssimo prazo.
A taxa Selic, mesmo oferendo baixíssimo risco de crédito e grande liquidez, tem, tradicionalmente, embutido juros reais, aquela parte dos juro que superam a inflação, extremamente altos. Na maioria dos países as taxas básicas, controladas pelos Bancos Centrais, são muito próximas à inflação, o que significa juros reais zero ou mesmo negativos, como ocorre hoje.
“Devo dizer que, na minha ignorância, nunca encontrei teorias ou pesquisas econômicas que pudessem justificar uma taxa básica de ‘equilíbrio’ de 10% em termos reais – muito menos juros básicos de 14% como os atuais. Ninguém explica, convincentemente, por que o Brasil é obrigado a praticar juros reais sete vezes maiores do que a média observada nos principais mercados emergentes”, observou Paulo Nogueira Batista Júnior, em sua bem humorada coluna da Folha de S. Paulo em 8/9/2005.
“Se considerarmos a média aritmética das taxas anuais reais do quadriênio 1999 – 2002 contra a média do quadriênio 2003 – 2006, teremos 10,24% ao ano no primeiro período e 11,26% ao ano no segundo. Em outras palavras, o governo Lula, com inflação sempre decrescente, praticou taxas de juros reais no overnight, deflacionadas pelo IPCA, um ponto percentual superiores àquelas praticadas no governo anterior”, afirmei em minha dissertação de mestrado em 2009. Qual o incentivo para se aplicar recursos em investimento reais se a aplicação sem risco e com liquidez rende 11% acima da inflação?
Nos últimos anos, mesmo com forte recessão, gastamos algo entre 5% e 6% do PIB para pagar juros da dívida pública. Gastamos 401 bilhões de reais em 2017 (6,12% do PIB), 379 bilhões de reais em 2018 (5,55% do PIB) e nos últimos 12 meses, terminados hoje (30/09), foram 349 bilhões de reais (4,96% do PIB). Valores que nunca entram na discussão dos déficits públicos, possivelmente por serem tidos como ‘imexíveis’ pelos arautos do mercado financeiro.
Desnecessário apontar para que bolsos têm caminhado, há muitos anos, esses bilhões de reais e seu devastador efeito concentrador de renda e riqueza. Uma máxima do mercado financeiro é que é impossível conseguir aplicações financeiras que tenha segurança, liquidez e boa rentabilidade. A taxa Selic desmente a regra.
Assim, apoiar a política de juros de Henrique Meirelles, conquistar apoio do sistema financeiro e governabilidade, para poder realizar os programas sociais teve ganhos indiscutíveis. E custos não desprezíveis.
GGN
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